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Prefeitura nega erro em demolição de prédio com moradores na Cracolândia

Com uma faixa em que escreveram: “Somos família, não lixo”, moradores criticaram a demolição dos prédios, principalmente sem aviso prévio.

por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Prefeitura começa a demolição de prédios na região próxima à praça Julio Prestes, conhecida como Cracolândia (Rovena Rosa/Agência Brasil)

O secretário municipal de Serviços e Obras, Marcos Penido, negou que tenha ocorrido falhas na demolição, hoje (23), de um imóvel que deixou três feridos na região da Cracolândia e atribuiu a culpa pelo “fato inusitado de existir uma entrada clandestina” no local que seria demolido – e que não foi visto por ninguém da prefeitura, inclusive ele, que disse ter vistoriado o local na manhã desta terça-feira. A declaração foi dada em coletiva convocada emergencialmente na sede da prefeitura para explicar o acidente.

“Há de se convir que é um fato inusitado ter um acesso clandestino no fundo de um estacionamento. Isso não é o normal. As pessoas também poderiam ter avisado porque estávamos lá desde hoje de manhã. Fui ao estacionamento e verifiquei que tinha três carros parados”, disse. “Um acesso clandestino em um imóvel que tem toda a fachada fechada e a lateral exposta também fechada, realmente ter um acesso por trás, escondido, é inusitado, até pela própria condição do local”.

O prefeito João Doria não participou da coletiva. A assessoria de imprensa disse que Doria estava cumprindo uma agenda e não poderia participar da entrevista em que foi explicado o desabamento do prédio na Cracolândia, que deixou três pessoas feridas. Um dos feridos teve que ser encaminhado a um pronto socorro na Barra Funda com suspeita de fratura, posteriormente descartada, segundo o secretário de Saúde, Wilson Polara. Os outras dois tiveram escoriações leves.

Além de Penido e Polara, participaram da entrevista os secretários Anderson Pomini (Justiça) e Filipe Sabará (Assistência e Desenvolvimento Social).

Surpreendido

Mais cedo, por volta das 14h, o prefeito convocou uma coletiva na Rua Dino Bueno, que não estava prevista em sua agenda. Quando chegou ao local, enquanto dava a entrevista, o prefeito foi surpreendido pela notícia do acidente. “Ainda não tenho [informações sobre o acidente]. Pedi para irem verificar se houve algum problema. Mas espero que não”, disse ele a jornalistas.

Após falar com a imprensa, sem dar maiores detalhes sobre o acidente, o prefeito entrou no carro e deixou o local, sem falar com os moradores. Mais tarde, na coletiva com os secretários, Pomini disse que o prefeito, em razão de compromissos, precisou deixar o local. “Não houve a intenção do prefeito de se retirar daquele local. Ele tomou o cuidado de verificar se as pessoas realmente sofreram graves escoriações ou não. Eu fiquei no local. O prefeito, em razão de compromissos, após apurado que não houve gravidade, determinou que a equipe de médicos e a subprefeitura mapeassem o ocorrido e fizessem um relatório”, disse.

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Demolição

Segundo Penido, a prefeitura decidiu demolir todos os imóveis do quarteirão entre o Largo Coração de Jesus e a Rua Dino Bueno para evitar que eles voltem a ser ocupados pelo tráfico. “Os imóveis que estão vazios estão sendo sistematicamente invadidos e reinvadidos. Então, hoje estávamos desde a manhã identificando os imóveis vazios para que pudéssemos estar demolindo e abrindo uma frente de serviço para a implementação do novo projeto que será colocado neste local”, disse. Nesse trabalho, explicou, a prefeitura identificou três imóveis que seriam demolidos hoje: no Largo Coração de Jesus, 21; no Largo Coração de Jesus, 35, na esquina com a Rua Dino Bueno, 118; e na Rua Dino Bueno, 138, onde ocorreu o acidente.

Os dois primeiros, segundo ele, são imóveis tombados, onde só poderia ser feita a demolição interna, mantendo-se a fachada. O outro, na Rua Dino Bueno, 138, é um imenso terreno, onde há um estacionamento, uma pensão e um terreno vazio. Segundo o secretário, uma retroescavadeira foi colocada no terreno vazio e iria demolir um muro.

No entanto, quando o trabalho ia ser iniciado e a retroescavadeira tocou no muro, os trabalhadores ouviram gritos de moradores dizendo que haviam pessoas ali, em uma casa ao lado. Mas já era tarde: parte do muro cedeu e caiu sobre essa casa, onde moradores dormiam.

“A máquina que fez o serviço era uma retroescavadeira e ela, com a parte de trás da pá, encostou no muro. No que encostou na parte de cima, essa parte caiu e houve o grito das pessoas que ali estavam e o serviço foi paralisado”, disse, negando que a ação tenha ocorrido de forma muito apressada. “Temos que ter uma ação em um local extremamente vulnerável e em que, qualquer falha de ação nossa, o tráfico estará esperando para retomar o local. Temos que evitar o máximo locais vazios”.

Providências adicionais

O secretário disse que as pessoas da região foram comunicadas sobre a demolição do prédio, que teria início às 14h. Para as próximas demolições, o secretário disse que serão tomadas “providências adicionais”. “Será feita uma varredura no local, verificando ponto a ponto, se preciso, com marreta, para verificar se não há nenhum acesso clandestino para que possamos fazer as demolições, que são fundamentais por dois motivos: os imóveis vazios não podem abrigar o tráfico e nós iremos implantar um novo projeto no local, com habitação popular, de interesse social, um CEU [Centro Educacional Unificado] e uma creche”.

O secretário disse que, após a prefeitura ter publicado decretos declarando o local de utilidade pública, as ações na região já poderiam ter sido tomadas, como ocorreu hoje, sem precisar de uma ação judicial para as demolições.

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Bombeiros

Em entrevista na Rua Dino Bueno, após o acidente, o major Henguel Ricardo Pereira, do Corpo de Bombeiros, informou que “houve um colapso”. “Parte de uma parede cedeu, de uma residência precária, e vieram a atingir pessoas que estavam nesses cômodos”.

Segundo Pereira, havia várias pessoas no local no momento da demolição. “São habitações coletivas, com vários quartos e vários cômodos. Um ao lado do outro, em condições precárias”, explicou. O local agora será interditado. “O local é bem precário e está em risco. Os moradores terão que sair do local e não tem mais como permanecer aqui”, disse.

Moradores

Revoltados, os moradores da Rua Dino Bueno protestaram no local logo após o acidente. Com uma faixa em que escreveram: “Somos família, não lixo”, eles criticaram a demolição dos prédios, principalmente sem aviso prévio.

“Não fomos avisados. O que ele [Doria] vai fazer com o pessoal daqui? Ele vai fazer o que com a gente? Era para ele tirar o pessoal da Cracolândia. Usuário, não trabalhador. Somos vítimas do Estado. Chego aqui e meus funcionários estão desesperados. E ele corre para lá. Cadê ele para dar uma solução para a gente?”, questionou Valdete Emiliano, 36 anos, que aluga o imóvel, que segundo ela é um hotel, para várias pessoas.

Valdete diz que os moradores estavam dormindo quando a demolição começou. “Tem fogão, geladeira e tudo. Tinha 20 pessoas, com quartos todos alugados”, disse. “Quero ver o prefeito me ressarcir. Pago água, luz, IPTU e tudo. Como é que ele vem e derruba meu imóvel?”

Rafhael Escobar, do movimento Craco Resiste, criticou a ação da prefeitura na região. “É basicamente isso. Ele está tentando acabar com a Cracolândia não sabendo que a Cracolândia não é um território. São pessoas. Eles querem limpar esse território para especulação imobiliária”, disse.

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