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Ucrânia: entrevista com Comandante do Grande Exército do Don

por André Ortega | Revista Opera

O Comandante “Richard” (pseudonimo) é proveniente da cidade ucraniana de Karkhov, é um major-reformado do exército soviético e comanda baterias de foguete grade do 1º Regimento do Grande Exército do Don (Cossacos).

Ele foi entrevistado na segunda metade de fevereiro e demonstrou ser um homem de considerável educação e personalidade calma. No período de duas semanas que pude observá-lo atuando vi um comandante respeitado pelos seus subordinados, bastante sério e até mesmo um pouco distante, apesar de ter uma certa autoridade paternal dentro da tropa, talvez por ser mais velho e experiente.

Sua postura tranquila contrastava com a de um militar castrense, autoritário, histriônico – seu olhar  era fixo, sua voz calma e sua barba completamente feita, diferente da maioria de seus subordinados. Tem por volta de 1,74 de altura, porte mediano e seu uniforme se destacava, especialmente por sua boina; aparatos provavelmente adquiridos durante seu serviço militar passado. Devo dizer que isso é um mérito impressionante levando em conta que sua tropa foi uma das mais agitadas com as quais me deparei – barbados e rebarbados.

Segue a entrevista:

Revista Opera: O que te levou  a se juntar à guerra?

Richard: Na segunda guerra mundial meus avós lutaram contra os fascistas. Um deles lutou aqui contra o banderismo, um movimento criminoso que serviu a Hitler. Outro defendeu Moscou.  Além disso, eu cresci vendo o heroísmo da Segunda Guerra em livros e filmes, o que me inspirou muito. Em 1981 terminei a academia de oficiais da URSS e fui major num conflito no Cáucaso que não quero especificar. Essa não é minha primeira guerra, então quando os conflitos começaram eu tinha que servir meu país.

Revista Opera: O que você achou do cessar fogo?

Richard: Não é o primeiro acordo de cessar fogo. Toda vez que temos ganhos significativos acontece um cessar fogo. O cessar fogo é uma demonstração de boa vontade do nosso governo pra mostrar para o Ocidente que não somos nem terroristas nem separatistas e toda aquela figura criminosa que pintam de nós. É sempre o exército ucraniano que rompe, pois ele usa esse cessar fogo pra se reorganizar; se re-estruturam e partem pra ofensiva.

Revista Opera: O Ocidente acusou a libertação de Debaltseva como uma ruptura do cessar-fogo por parte dos rebeldes. O que você acha disso?

Richard: Debaltseva não foi rompimento do acordo porque foi previsto que aquele seria nosso território, inclusive ficou previsto um corredor de saida, que eles usaram pra abastecer a cidade e nos bombardear a partir de lá. É interessante notar que para cada miliciano haviam 21 soldados ucranianos, mas apesar disso conseguimos tomar a cidade e resolver um problema interno das nossas fronterias (segundo o cessar fogo). Vale lembrar que a República da Ucrânia tinha 25 oblasts, ou seja, 23 oblasts contra duas oblasts (NOTA: Lugansk e Donetsk, que atualmente não estão sob total controle dos rebeldes). Vale marcar que agora o estoque soviético de armamento dos ucranianos acabou, então vai ficar evidente o apoio ocidental. Se a Europa quiser entrar nessa guerra, Putin já disse que isso não quer dizer que será uma guerra assimétrica. (NOTA: ele quer dizer que uma intervenção ocidental poderia suscitar uma intervenção russa)

Revista Opera: Como oficial, o que você tem a dizer dos objetivos do Grande Exército do Don?

Richard: Eu particularmente tenho um sonho de ir a um café famoso de Lvov, o Café Kraim. Lvov é a capital dos ultra-nacionalistas, então gostaria tomar um café muito bom e depois explodir o lugar. Mas é só um sonho (risos).

Revista Opera: O que você pensa em relação ao futuro da Ucrânia?

Richard: Meus pais são ucranianos, eu falo ucraniano, mas também sei falar muito bem russo, pois apesar de me considerar ucraniano normalmente, me considero acima de tudo russo. Atualmente existe muito conflito no mundo eslavo,  eslavos que não se consideram eslavos, nacionalismo agressivo, etc. Eu sou a favor de uma reconciliação do mesmo, de uma comunidade nas fronteiras do antigo Império Russo. Praticamente a Rússia nunca começou uma agressão, lidamos sim com agressões, diversas invasões tártaras, mongóis, 1812, a guerra contra os japoneses, a Primeira Guerra e a Grande Guerra Patriótica…

Revista Opera: O que você quer dizer com essa referência às fronteiras do Império?

Richard: Não se trata de restaurar o Império em si, mas de restaurar uma comunidade cultural e política entre esses países com um passado comum. Somos irmãos apesar das diferentes nacionalidades. Sou a favor que todas as nacionalidades convivam bem. O que está acontecendo aqui hoje me lembra muito o que aconteceu na Espanha em 1936. Nós mesmos somos um batalhão internacional, temos pessoas da Europa Ocidental, da América do Sul e países orientais que nunca fizeram parte da União Soviética

Revista Opera: E você acha que aqui estão dando um exemplo para esses países, para os eslavos ou pelo menos para as comunidades russas que vivem fora da Federação?

Richard: Acima de tudo cada povo é senhor de seu próprio destino. Então, cabe a cada um deles decidir o próprio futuro, mas não existe problema em haver um polo na Rússia, bem como na Europa Ocidental, na América do Sul… Sou a favor de um mundo multipolar. O bom relacionamento entre as pessoas que é o importante, com colaboração voluntária, o comércio ocorrendo normalmente e sem política sangrenta.

Revista Opera: O que acha do futuro da guerra?

Richard: Falei com um amigo de Kharkov e ele me passou como está a situação econômica, de crise total, o açúcar que custava 5 grivnas agora custa 20, não tem carne no mercado, a economia está destruida. Eles têm de preparar uma ofensiva e apostar numa vitória ou deixam de existir, pois a situação está insustentável.

Revista Opera: Futuro político da Novorrússia? 

Richard: Até tenho minhas opiniões políticas, mas elas não tem importância. Eu só espero que todos os trabalhadores, intelectuais, empresários e militares trabalhem juntos pelo maior bem social. A função do militar é defender seu povo, sua terra e não se envolver em política atrapalhando as decisões dos cidadãos. Veja, por exemplo; o comando cossaco foi convidado para participar do governo, mas renunciamos categoricamente, pois nossa função é defender nossa pátria somente, a funções políticas dizem respeito ao povo e devem ser exercidas por civis.

Revista Opera: O Sr. gostaria de dizer mais algumas palavras?

Richard: Quero agradecer ao Brasil pelo seu interesse no que está acontecendo aqui e também por enviar um voluntário como o Rafael (NOTA: se refere a Rafael Lusvarghi, que serviu em sua unidade por volta de um mês), que pra mim já é como um de nós, além de ser um grande soldado.

O povo ucraniano não quer mais a guerra. Claro que existem fanáticos nacionalistas, mas a maioria agora são mercenários da União Europeia. O povo em geral está cansado e não quer combater.

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