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Ucrânia: entrevista com Bandera, combatente cossaco da Unidade Babay

por André Ortega | Revista Opera
(Foto: André Ortega / Revista Opera)

Bandera (sim, esse é o nome dele) é um miliciano da Unidade Babay (cossaca, parte do Primeiro Regimento do Grande Exército do Don), originário de Lvov, cidade do extremo-oeste ucraniano e considerada “capital do ultra-nacionalismo”, o que torna a sua escolha pelos rebeldes certamente curiosa. Assim como o comandante Richard, ele também é, por assim dizer, um ucraniano étnico.  A entrevista foi realizada na praça principal da cidade de Stakhanov, um dia depois do “Dia do Defensor da Pátria” e por ocasião do velório de soldados que tombaram em Debaltseva. A entrevista era constantemente interrompida pelos bombardeios ucranianos à região.

“Eu nasci em 1973, em Lvov, mas já faz dez anos que estou aqui no Donbass, em Licithiansk.  Já sou miliciano faz um ano. Vivo aqui deve fazer doze anos. Lvov é uma cidade muito bonita, é de onde eu vim, e eles tem a gente como inimigo, querem acabar com a gente e não se fala mais sobre isso – é acabar conosco e ponto.

Toda minha família e amigos de infância estão atualmente no oeste, em Lvov. Mas aqui também é meu país, eu fui bem acolhido, sei o que aconteceu e vou lutar até o fim.

Prefiro ser tido por terrorista no oeste do que servir a um homem como Poroshenko – o meu presidente é Vladmir Vladmirovitch (Putin)”, diz o rebelde.

Revista Opera: Você sabe alguma coisa sobre o que está ocorrendo em Lvov, tem notícias da família? O que sabem da situação?

Bandera: Tenho contato só com meus pais. A última vez que falei com eles foi em junho. E é isso.

Revista Opera: E você teme por eles?

Bandera: Não, eles sabem que estou lutando mas eu não me preocupo com eles porque não acredito que o Estado ucraniano vá tocar neles, eu sou visto como uma ovelha negra, podemos dizer.

Revista Opera: O que você espera do futuro da Ucrânia? Separação, reconciliação nacional? Ir até Kiev? O que vai acontecer depois da guerra?

Bandera: O que eu sei é que essa guerra foi planejada e prevista há muitos anos atrás. Durante os últimos meses o que vai acontecer vem sendo acertado entre Rússia, Ucrânia e Belarus – eu sozinho simplesmente não tenho como pensar.

Revista Opera: Algum momento marcante que você queira citar?

Bandera: Não somos terroristas, aqui não tem terrorista. Os “terroristas” aqui estão tomando conta de suas casas, da sua cidade, do seu povo, da sua família. Os terroristas são os que saem da minha terra natal (Lvov), não do Donbass. Terroristas que entram nas cidades para conquistar e tomar a casa dos outros, nós não estamos fazendo isso, nós defendemos nossas casas.  (o entrevistado assume um tom irônico) Mas agora quando nós prosseguirmos em diante, ai nós seremos “terroristas”, e nós vamos avançar, ai vamos ser “terroristas” (risos) – mas por ora não.

Revista Opera: É possível esperar alguma piedade para a Junta de Kiev?

Bandera: Não. Eles são terroristas e não há desculpa para o que eles fizeram, a lei sempre foi contra o terrorismo. Quantas pessoas eles já não mataram? Incontáveis cidadãos pacíficos, incontáveis! Podem matar eu ou ele (indicando um outro miliciano), mas cidadão que nunca pegou em arma? Que risco eles representam? Para quê matar mulheres e crianças, o que eles fizeram?

Até nazistas não fizeram coisas dos jeito que eles estão fazendo, o que a Guarda Nacional tem feito é absurdo, é absurdo. Veja, na Grande Guerra Patriótica, da mesma maneira que tive parentes que ajudaram o pessoal daqui (a resistência),  por exemplo a mãe de minha primeira esposa, também tenho parente que lutou na SS Galícia e essa é uma das coisas que querem reviver lá no Oeste, o que é criminoso.

(Foto: André Ortega / Revista Opera)

Revista Opera: O que você acha do desenrolar do conflito no curto prazo, das perspectivas militares?

Bandera: Não vai mudar nada. Essa paz não quer dizer coisa nenhuma. A guerra vai continuar como tem sempre sido. Ainda mais agora que tem tropa, BTR e tanque polonês na região.

Revista Opera: Qual é sua unidade atualmente? Quer falar um pouco sobre ela? Dou liberdade para fazer as considerações que preferir e enviar uma mensagem.

Bandera: Babay. E quero pedir pra informar os ucranianos que o Babay não faz prisioneiros (risos).  O objetivo da unidade Babay é expulsar daqui todos os inimigos do Donbass, todos esses terroristas e bandidos, não importando como eles se chamam ou como chamam eles, eles não são nem gente. Nós vamos até o fim e vamos lutar por nossa terra, até Karkhov se precisar, e além. 

Como membro da Unidade Babay quero dizer para o mundo que vivam bem, com saúde e que evitem fazer guerra. Para todo o mundo! (começa-se ouvir alguns estrondos da artilharia ucraniana) Os ucranianos ainda estão saudando a gente pelo 23 de fevereiro!

Para os ucranianos, quero dizer que vocês são todos pederastas. (risos; xingamento comum, “malditos”, fora a provocação sexual em si mesma). Cessar fogo ou não, a gente vai até o fim, o tempo que precisar, enquanto tiver terrorista “ukropa” (trocadilho derrogatório usado contra os soldados ucranianos, significa “pepino”) aqui. Quanto mais rápido eles pegarem sua armas e saírem daqui, por bem ou por mal, mais rápido acaba esse problema.

Que o Donbass possa viver com saúde em breve! Não há nada que se preocupar, a vitória será nossa.

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