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“Antes de ser um grupo armado, somos um partido político”

Guerrilheiros da coluna móvel Teofilo Forero Castro, considerada a elite militar das FARC-EP, estudam e recebem cursos diariamente.
Guerrilheiros da coluna móvel Teofilo Forero Castro, considerada a elite militar das FARC-EP, estudam e recebem cursos diariamente por Mariana Ghirello, enviada especial à Colômbia, para a Revista Opera
(Foto: Mariana Ghirello)

As cores das luzes e da árvore de Natal dispostas ao longo do barracão e o telão com o jornal local iluminam e rompem o silêncio das montanhas de Caquetá, na Colômbia. Todos os dias os combatentes da coluna móvel Teofilo Forero Castro, considerada a elite militar das FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo), se reúnem para saber o que acontece fora dali – enquanto esperam para ir para as zonas de veredas. O controle muda rapidamente o canal para acompanhar as notícias que tratem do processo de paz.

Quando os jornais acabam, todas as luzes apagam e os geradores são desligados. A ordem é deitar e dormir porque alguns têm a obrigação de participar de reuniões que começam às 4h, outros, responsáveis pela alimentação começam nesta hora a preparar o café da manhã. Quase uma hora depois, todos já estão de pé tomando café adoçado com panela (rapadura). Às 6h já começam os estudos.

(Foto: Mariana Ghirello)

“Por conta da guerra, que não deu trégua contra a coluna, eles não tiveram tempo de estudar como outras frentes. Agora a gente corre para poder formar nossas unidades”, comenta Rodolfo, um dos principais comandantes da Teofilo Forero. A maior parte dos guerrilheiros entra para a insurgência ainda na adolescência, a grande maioria vem de regiões próximas ou de territórios onde as FARC-EP possuíam o controle. Nas fileiras é raro encontrar alguém que frequentou a escola por mais de dois anos, exceto os que pertencem a frentes urbanas.

A aula começa com a leitura das principais notícias impressas e da web do dia anterior. Ela também serve para reforçar a compreensão de texto e a leitura crítica. “Sabemos que os principais jornais estão nas mãos da elite do país e que as notícias falam mal das FARC-EP porque nosso objetivo é o bem do povo colombiano, e eles não querem isso”, comenta um guerrilheiro. Duas horas depois é feita uma pausa para o café da manhã.

Nesta região os caldos sempre estão sempre presentes na alimentação matutina. Todos têm alguma proteína animal, seja um pedaço de carne de boi ou ovos. Eles são acompanhados de patacón (plátano frito) ou arepa. Cada um tem seu recipiente próprio e a comida é dividida com todos presentes pelo responsável da cozinha. Todos os guerrilheiros sabem cozinhar e se alternam na função, e quem assume faz todas as refeições do dia, ao todo, cinco.

Currículo escolar

Uma das razões que manteve a guerrilha ativa por 52 anos foi a formação política de seus combatentes. Em qualquer conversa informal, todos respondem rapidamente porquê integram as FARC-EP. As aulas são ministradas por uma monitora enviada à coluna especialmente com esse papel. Diana Granjales também é combatente, ingressou na frente urbana depois de se formar em Bogotá. Ela também participou dos diálogos em Cuba por dois anos.

“Ensinar a ler e escrever, depois compreender o que está escrito e ensinar os combatentes sobre como foi o processo do acordo de paz em Cuba e também o acordo propriamente”, explica ela, é sua principal missão. As aulas parecem ser o sonho de qualquer professor, alunos que estão atentos o tempo todo, anotam tudo e interagem dando suas opiniões e complementando os demais. Tudo de forma extremamente organizada e tranquila.

Ela já está na coluna há dois meses, e num primeiro momento as aulas sobre as quase 300 páginas do acordo de paz começavam às 7h e iam até às 16h. “Eu lia, explicava, respondia perguntas, mas também fazíamos atividades e debates em grupos sobre os pontos dos acordos. E também explicar palavras e conceitos que podem parecer difíceis em um primeiro momento”, destaca. Ao fim de cada módulo, os próprios combatentes tinham que explicar os pontos com suas palavras, que podia ser em forma de obra de teatro, textos e dinâmicas em grupo.

Diana explica que o processo de paz é o ponto de partida das FARC-EP para um novo momento. “Não estamos nos desmobilizando, mas mobilizando politicamente”, reforça. Segundo a professora, eles já terminaram de estudar os acordos e a avaliação foi positiva. “A maioria dos guerrilheiros consegue entender a essência do acordo”, diz. A formação é contínua, já que nas duas horas diárias de conversas sobre as notícias discute-se detalhes do acordo ou ainda como será a implementação do acordo daqui em diante.

Outras armas

O tema agora é a estrutura institucional do Estado colombiano e como ele funciona. Há organogramas com cargos e respectivas funções, nomes dos representantes populares com respectivos partidos. Além disso, as novas estruturas que devem criadas com o acordo de paz. “Eles deverão atuar nos movimentos populares”, diz a professora. As aulas incluem ainda toda a parte de legislação colombiana e competências dos Poderes.

(Foto: Mariana Ghirello)

“A educação deveria ser gratuita. O governo deveria investir esse dinheiro que hoje aplica na guerra em educação para arrumar tudo isso”, diz Karina Lozano. A combatente é uma das veteranas que diz que está nas FARC-EP para lutar contra a desigualdade social que existe na Colômbia. “Eu vim para a guerrilha porque se minha família tinha dinheiro para comprar um sapato para mim, não alcançava para os meus irmãos”, conta.

Karina conta também que foi nas FARC-EP onde aprendeu sobre a igualdade de gênero, onde a violência contra a mulher é duramente punida. “Aqui a mulher não é discriminada e temos os mesmos direitos dos homens. Trabalhamos igual. Na Colômbia existe muita violência contra a mulher e também contra isso lutamos”. Em uma pesquisa feita pelo Instituto Médico Legal do país, chegou-se à conclusão de que a cada 13 minutos uma mulher sofre uma violência na Colômbia, em 2016. Ainda segundo o estudo, a maior parte da violência acontece no ambiente familiar.

A guerrilheira Adriana Villa é outra veterana que aposta nos estudos. Quando perguntada sobre o que queria para o futuro, depois da implementação do acordo de paz, ela diz que gostaria de terminar a escola. “E eu gosto muito de tudo que tem a ver com saúde e veterinária, cursar algum técnico. Quero que o trabalho que eu desenvolva sempre tenha a ver com o que sempre lutei, que retorne para os camponeses pobres”, complementa.

Por sua especialidade em enfermaria, ela é uma das requisitadas pelos camponeses vizinhos quando eles necessitam de algum atendimento médico. “Quando eles vão buscar atendimento médico na cidade, pedem para que voltem em 15 dias porque não tem vaga para atendê-los. Então eles nos procuram e eu me sinto muito satisfeita em poder ajudar com o que sei”, comenta.

Mais cultura

Eles também têm horas dedicadas ao lazer com “bailes”, como chamam. Eles acontecem no mesmo lugar onde acontecem as aulas, onde os combatentes desfrutam de duas horas de música. Aos domingos, os bancos de madeira são colocados de lado, o piso de terra é molhado para evitar a poeira e a festa começa ao som de músicas farianas, no estilo tropical, muito típico nesta região da Colômbia.

Mas aqui, quem não dança, joga xadrez. Agora, as mortes são no tabuleiro em partidas que podem acabar em menos de 5 minutos. A maioria dos guerrilheiros são experts no jogo. “Os jogos de xadrez são para relaxar a mente. Nem tudo é guerra, também é cultura”, outro combatente, Ylbert Vargas, diz.

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