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Paraguai: O novo rosto do poder colorado

Depois de uma eleição muito disputada que terminou com uma justa diferença de 3,7 pontos, o Partido Colorado garantiu sua permanência na presidência do Paraguai.
por Ignacio González Bozzolasco – Nueva Sociedad – Tradução de Gabriel Deslandes
(Foto: Reprodução/Facebook)

Depois de uma eleição muito disputada que terminou com uma justa diferença de 3,7 pontos, o Partido Colorado garantiu sua permanência na presidência do Paraguai. Diferentemente das eleições anteriores de 2008 e 2013, nas quais triunfaram os candidatos de fora da política tradicional, as últimas eleições gerais tiveram como principais protagonistas dois políticos de carreira. Mario Abdo Benítez, o novo presidente, cresceu no círculo interno do ditador Alfredo Stroessner. Sua plataforma política foi marcada por slogans eleitorais, mas seus planos de governo são incertos.

O perfil do novo presidente

Mario Abdo Benitez, mais conhecido como “Marito”, é filho do conhecido secretário particular de Stroessner de mesmo nome[1], que caiu em desgraça após a derrubada do ditador. Embora sua vida estivesse sempre intimamente ligada ao Partido Colorado, Marito iniciou sua incursão mais ativa na política somente em 2006, nas eleições internas (ou primárias) do partido. Nessa ocasião, foi eleito como membro da Junta de Governo, órgão máximo de direção dos colorados. Para essas eleições internas, Marito formou um movimento com o nome “Paz e Progresso”, lema usado por Stroessner durante seu regime, na companhia de seu amigo Alfredo “Goli” Stroessner, neto do ditador deposto.

Após o triunfo de Fernando Lugo em 2008 e o consequente deslocamento do Partido Colorado da presidência do país após 60 anos ininterruptos de poder, Marito desempenhou um papel ativo na rearticulação do partido. Ele ocupou a vice-presidência da organização até 2011 e, para as eleições internas no final de 2012, formou um movimento independente para concorrer a um lugar na lista do partido para o Senado nas eleições gerais de 2013. Na ocasião, ele apoiou a nomeação de Horacio Cartes[2], mas disputando em uma lista separada. Os resultados foram favoráveis, ascendendo primeiramente à lista oficial do partido e depois ao Congresso Nacional.

Em 2015, quando começou a campanha pela eleição das autoridades do Partido Colorado, Marito se distanciou do presidente Cartes[3]. Na ocasião, Cartes não apoiou sua candidatura e promoveu a nomeação do deputado Pedro Alliana, que acabou se tornando presidente do partido[4]. Apesar da derrota, Abdo Benítez continuou organizando a oposição interna do Partido Colorado e conseguiu se tornar presidente do Congresso em 2015[5], cargo a partir do qual articulou forte oposição aos projetos do presidente Cartes. Um dos destaques dessa disputa foi a tentativa de introduzir a reeleição presidencial[6] por meio da emenda promovida pelo próprio Cartes, que levou aos fatídicos eventos de março de 2017[7].

Marito voltou a se confrontar com Cartes nas eleições internas de dezembro de 2017, para a eleição do candidato à presidência da República pelo Partido Colorado. Desta vez, ele competiu com o ex-ministro da Fazenda, Santiago Peña, e conseguiu se impor como vencedor. Nessa disputa eleitoral, ele teve que enfrentar um presidente em exercício, com a administração de toda a estrutura de Estado, bem como sua imensa fortuna. Enquanto a disputa foi apresentada como uma luta entre David e Golias, Marito teve um apoio significativo de setores adversários a Cartes e da maioria dos herdeiros do stronismo, além de contar com um significativo suporte financeiro[8].

Os resultados: um olhar geral

Os resultados dessas eleições presidenciais foram, sem dúvida, os mais acirrados nos quase 30 anos de democracia no Paraguai[9]. Apesar de dez candidatos competirem pela presidência e vice-Presidência da República, a eleição foi polarizada entre Marito, candidato do Partido Colorado, e Alegre, postulado pela Alliance Ganar, formada pelo Partido Liberal e pela Frente Progressista Guasú. Segundo os resultados provisórios divulgados pelo Superior Tribunal de Justiça Eleitoral[10], enquanto o primeiro foi vencedor com 46,44% dos votos, o segundo alcançou 42,74%. Em números absolutos, a diferença foi de apenas 96 mil votos.

A justiça eleitoral também apresentou alguns resultados provisórios para as listas de governadores e senadores, nos quais também se constata um triunfo colorado. O Partido Colorado triunfou em 13 das 17 províncias do país[11], o que representa um aumento em relação às 12 províncias vencidas nas eleições de 2013. Dessa forma, os colorados conseguiram manter a administração de 10 governos e somar mais três, uma vez que o partido perdeu duas províncias anteriormente sob seu poder.

No Senado, os colorados conquistaram 17 dos 45 assentos[12], um a menos do que nas eleições anteriores, enquanto os liberais ficaram com 13 assentos, o que representa o mesmo número obtido em 2013. Por outro lado, a Frente Guasú, liderada por Fernando Lugo, conseguiu aumentar sua força parlamentar e passou de cinco para seis assentos, o que lhe permitiu se consolidar como a terceira força no Senado[13]. O direitista Partido da União Nacional de Cidadãos Éticos, do falecido general Lino Oviedo, perdeu uma das duas cadeiras obtidas em 2013, enquanto o Partido Democrático Progressista ficou com dois dos três assentos obtidos nas últimas eleições.

Além dos partidos mencionados acima, outras forças políticas fora do Congresso ganharam acesso ao Senado para o próximo período legislativo. Em primeiro lugar, o conservador Partido Pátria Querida, que havia sido deixado de fora do Senado nas últimas eleições, retornará à Câmara ocupando três cadeiras. O novo partido Hagamos, liderado pelo comediante e vereador Tony Apuril, estreou em suas primeiras eleições obtendo dois assentos; enquanto o polêmico advogado paraguaio “Payo” Cubas[14] também conseguiu um banco com seu movimento da Cruzada Nacional.

Outro aspecto a ter em conta nessas eleições para o Senado é a sua baixa composição de mulheres, com apenas oito dos 45 senadores. Além disso, pode-se observar um alto grau de reeleição dos parlamentares, já que 22 dos 45 antigos senadores permanecerão na Câmara[15]. No entanto, sendo provisórios, esses números podem apresentar algumas variações após o escrutínio oficial das atas.

As perspectivas

As perspectivas futuras do novo governo de Mario Abdo Benitez ainda são um tanto incertas. Embora em suas duas campanhas, para as eleições internas e depois para as eleições gerais, ele tenha apresentado muitas de suas ideias e propostas, é difícil discernir entre meros slogans eleitorais e planos efetivos de governo.

Nas eleições internas, Marito atacou muitas das medidas adotadas pelo atual presidente, criticou o endividamento acelerado por meio da emissão de títulos soberanos[16] e qualificou como deficientes as políticas sociais do governo destinadas aos setores mais vulneráveis[17]. Chegou mesmo a criticar severamente o presidente Cartes pelo uso de sua posição para facilitar a expansão de seus negócios, acusando-o de ser um carrapato do Estado[18].

Não obstante tudo o que foi mencionado acima, uma vez eleito o candidato do partido, seus discursos correram em direção a um campo mais conservador e menos focado na gestão eficiente do Estado. Desse modo, suas propostas giravam em torno da promoção do Serviço Militar Obrigatório[19] como espaço educativo para a juventude paraguaia, além de combater as demandas de setores feministas e organizações que promovem os direitos dos homossexuais[20].

Todavia, além de todos esses slogans e propostas, parece que o principal desafio de Marito estará focado na construção da governança. Isso porque, embora tenha conseguido derrotar Cartes nas eleições internas, ele lidera o movimento mais importante dentro do Partido Colorado, com um número maior de senadores e governadores. Além dessa frente interna, Marito terá que lidar com uma Câmara de Senadores com uma minoria colorada, com um Partido Liberal que se mantém em números e com um bloco progressista como a Frente Guasú, que se consolida como a terceira força para o próximo período.

Fontes:

[1] – http://www.ultimahora.com/mario-abdo-benitez-fallece-los-89-anos-edad-n622953.html

[2] – http://www.abc.com.py/edicion-impresa/politica/ganador-de-las-internas-va-a-ser-cartes-anuncia-marito-479121.html

[3] – http://www.hoy.com.py/politica/marito-cartes-me-convirti-en-su-enemigo

[4] – http://www.ultimahora.com/cartes-consolida-su-poder-las-internas-coloradas-n916662.html

[5] – http://www.nanduti.com.py/2015/06/16/mario-abdo-benitez-congreso/

[6] – http://nuso.org/articulo/la-disputa-por-la-reeleccion-presidencial-en-paraguay/

[7] – https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?pid=S0718-090X2017000200543&script=sci_arttext

[8] – http://www.abc.com.py/edicion-impresa/politica/mario-abdo-benitez-un-hijo-del-stronismo-en-carrera-1593691.html

[9] – http://www.abc.com.py/nacionales/marito-gano-con-la-menor-diferencia-en-la-democracia-1696124.html

[10] – https://resultados.tsje.gov.py/publicacion/divulgacion.html

[11] – http://www.abc.com.py/nacionales/elecciones-resultados-de-senadores-para-esta-tarde-1696115.html

[12] – https://www.lanacion.com.py/politica/elecciones-2018/2018/04/23/anr-alcanza-17-bancas-en-el-senado-plra-mantiene-con-13-escanos/

[13] – http://www.ultimahora.com/frente-guasu-suma-un-senador-y-se-mantiene-como-tercera-fuerza-n1144252.html

[14] – http://www.abc.com.py/nacionales/payo-agradece-victoria-y-promete-paredon-a-corruptos-1696240.html

[15] – http://www.paraguay.com/nacionales/la-mitad-del-senado-seguira-por-5-anos-mas-176940

[16] – https://www.5dias.com.py/controlar-la-administracion-es-la-postura-de-mario-abdo/

[17] – http://www.ultimahora.com/tras-las-criticas-marito-cartes-va-escuela-chacarita-n893612.html

[18] – http://www.abc.com.py/edicion-impresa/politica/mario-abdo-califica-de-jatevu-a-cartes-1548147.html

[19] – http://www.ultimahora.com/para-marito-el-cuartel-puede-garantizar-educacion-y-disciplina-los-jovenes-n1142124.html

[20] – http://www.hoy.com.py/nacionales/marito-avisa-que-defender-la-familia-y-vetar-cualquier-proyecto-progay

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