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A greve dos caminhoneiros é um revés para o neoliberalismo

A obra do governo Temer foi sabotada precisamente no seu momento de orgulho triunfalista, na hora em que faziam campanhas publicitárias no tom de “melhoramos muito, o Brasil voltou”.
Ainda que o movimento não passe de reivindicações limitadas ou até de interesses particulares, concessões mostram que política acima do mercado está na ordem do dia.
.(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Domingo, 27/05, Temer de joelhos em rede nacional anuncia as concessões que serão feitas ao movimento dos caminhoneiros que bloqueou estradas durante  (até agora) uma semana no mês de maio, paralisando a distribuição de bens essenciais por todo país e gerando uma grande comoção política.

O governo anunciou uma redução de R$ 0,46 no preço do litro diesel por 60 dias. Temer declarou que isso será feito com redução a zero das alíquotas do PIS-Cofins (que vai para a previdência) e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre o diesel. O presidente também anunciou três medidas provisórias (MPs) para atender reivindicações.

As medidas incluem:

– Isenção da cobrança de pedágio para eixo suspenso de caminhões vazios, em rodovias federais, estaduais e municipais;

– Reserva para que 30% dos fretes da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) sejam feitos por caminhoneiros autônimos (ano passado a estatal gastou 107 milhões com frete);

– Criação da tabela mínima de fretes (que tem um projeto de lei de 2017 tramitando no congresso nacional).

Como foi dito no último comentário sobre estratégia, Temer estava em uma posição fraca e demonstrou a sua fraqueza. Os acontecimentos provaram que ele não tinha nenhuma carta genial dentro da manga e nem mesmo apoio incondicional dos militares: ele não aplicou, mas violou a recomendação de Sun Tzu de parecer fraco quando se está forte e parecer forte quando se está fraco.

O leão pula com mais confiança na presa hesitante. Quando os representantes dos caminhoneiros autônomos chegaram hoje no Palácio do Planalto, chegaram com uma pauta mais extensa e exigências mais duras.

Dentre essas exigências, a reserva de cerca de um terço do transporte da Petrobras e dos Correios. Pediram também a votação com urgência do novo marco regulatório dos transportes e exigiram o congelamento do preço do litro de diesel por 90 dias.

Diferente do que cogitamos em nosso exercício, Temer não criou uma grande infraestrutura de distribuição usando o exército, somente se utilizou de algumas escoltas paliativas para poucos caminhões. Não é impressionante que cedeu rapidamente, mas ele mesmo testemunhou o próprio fracasso ao chorar sobre as perdas em rede nacional e conclamar ao “patriotismo” dos caminhoneiros para que cessem os bloqueios.

Nesse momento vimos muito de imaturidade política no Brasil. A adesão entusiasmada das pessoas foi acompanhada por um discurso genérico, sem programa definido. Falavam de muitas coisas abstratas e de pouco significado específico, sem oferecer um caminho concreto.

Não há identificação clara de problemas, inimigos e soluções. Fala-se muito contra os políticos e contra os impostos, numa aplicação de uma lógica simplista, sem identificar outros problemas.

Baixo nível de politização e de liderança.

A esquerda particularmente ficou muito ansiosa com manifestações desse tipo e com algumas poses favoráveis a uma intervenção militar (vista como uma ruptura revolucionária com essa sensação generalizada de caos e roubo). Dentro disso, alguns elementos mais organizados e com discursos de uma ala da direita conservadora que se desenvolveu na oposição ao petismo.

Este artigo não é sobre ideologia ou distribuição política do movimento, mas sobre as implicações estratégicas que ele trouxe para o cenário político nacional.

É verdade que os caminhoneiros não chegaram a tratar o problema num ataque direto a política de preços da Petrobras adotada pelos neoliberais da trinca Parente – Temer – Meirelles, a jogada Pá-mê-tê contra o trabalhador.

Seria, de fato, avanço político maior uma união consequente com a pauta patriótica dos petroleiros em defesa da Petrobras.

Ficaram focados nos impostos que incidem no combustível, discurso que pode alimentar certas ilusões, até porque quem vai pagar por isso vai ser o Estado de toda maneira.

A contrapartida é que a própria prática está mostrando a mistificação por trás das ilusões da ideologia liberal. O liberalismo e o programa neoliberal de Michel Temer estão sofrendo um grande revés, uma sabotagem, independente de quantos caminhoneiros adotem discursos em que “o problema central é o imposto”.

Não importa se muitos culpam o governo, os políticos e até a política, o movimento na prática tem reafirmado a consciência dos brasileiros de que esses problemas precisam de decisões políticas fortes, medidas saídas do Estado, de bom governo – se o governo não é bom, que a sociedade o obrigue.

O movimento esbarrou no fato de que não adianta tirar imposto se os preços não baixarem nas bombas de gasolina.

Ou seja, é preciso de controle. Quem quer continuar ganhando e finge que não tem nada a ver, enquanto a sociedade brasileira faz diversos sacrifícios, são as grandes distribuidoras e os donos de posto.

Tanto o pronunciamento de Marun em nome de Temer como o do governador de São Paulo falaram de criar mecanismos de controle, usando talvez o PROCON como agência reguladora. As negociações com o governo de São Paulo, relativas ao fechamento do Rodoanel e da Rodovia Régis Bittencourt, foram marcadas pelos caminhoneiros exigindo o controle nas bombas.

É exigência do movimento que existam garantias de que se o preço baixar na refinaria, tem que baixar no tanque também.

Isso é um duro golpe contra a lógica de que o mercado deve mandar em tudo. O liberalismo como bandeira falha em se comunicar com as demandas reais dos caminhoneiros.

A isenção de taxas em pedágios também é positiva, um custo contra uma instituição rentista muitas vezes questionável, um golpe contra o privatismo em nome de uma lógica de produtividade e bem nacional.

A reserva de cerca de um terço do transporte da Petrobras e dos Correios para os caminhoneiros é o reconhecimento de uma função nacional dessas empresas, colocando uma decisão política acima de flutuações do mercado e vinculando os caminhoneiros a preservação dessas empresas enquanto patrimônio público. Ambas são de economia mista e tomada por acionistas privados, que agora terão de receber a proposta do governo de adotar a reivindicação dos caminhoneiros organizados.

“Usar uma empresa pública para aplicar uma política” foi demonizado pelo discurso neoliberal no Brasil e marcou o tom das reformas de Temer em seus ataques contra a Petrobras. O coro midiático repetia como uma claque as prescrições de “modernização” da doutrina Pá-mê-tê, com Parente declarando que nada o pararia no seu objetivo de remunerar bem os acionistas da empresa.

Foi parado pelos caminhoneiros e calado pela volta do controle do preço do diesel. Parente fracassou no plano de deixar o preço dos combustíveis flutuar com mercado e esse golpe paralisa a política dominante na direção da estatal.

O programa de Parente foi interrompido e desmoralizado, a autoridade está corroída e outros grupos com outras ideias e ambições dentro da empresa estão num momento de força relativa.

Em escala maior, a obra do governo Temer foi sabotada precisamente no seu momento de orgulho triunfalista, na hora das campanhas publicitárias no tom de “melhoramos muito, o Brasil voltou”. Mais do que isso, justo quando lançaram o ministro da Fazenda financista, Henrique Meirelles como pré-candidato a Presidente da República.

Afinal, a farsa temerária encontrou seu ponto de ruptura no encontro de uma recessão com os preços dos combustíveis: os fretes já pagavam os caminhoneiros e o livre mercado não fez milagre nessa situação, a resposta foi a greve.

Se esse momento será aproveitado por outros grupos dentro do golpe para ganhar mais poder ou até derrubar o incumbente Michel Temer, é para outra análise. Se o movimento vai se ampliar em prol de uma redução na gasolina ou espirrar para outras áreas, se tornando um movimento grevista de dimensões superiores, veremos em breve.

Dentre os jovens liberais mais inocentes, desses que militam na rede, é possível encontrar a preocupação do encontro dos caminhoneiros com as pautas patrióticas de defesa da riqueza nacional.

Na liga dos tubarões, o movimento toda hora esbarra em coisas que estão além do governo, que são de grandes interesses econômicos e esses choques podem terminar em uma explosão. Cada vez mais fica claro o papel de certos interesses econômicos que estão acima do Estado e ganham com a pobreza dos outros. O papel central do governo em arrumar uma solução e o que está sendo proposto tem pouco a ver com delírios de “livre mercado”. É o Estado tem que tomar atitude.

O que já aconteceu até agora foi um golpe duro, um atraso para as reformas neoliberais, o triunfo de uma mobilização contra a racionalização capitalista, uma sabotagem contra a ofensiva dos financistas – uma fatalidade trágica. Um movimento grevista está chutando o castelo de areia de tecnocratas neoliberais a serviço do capital financeiro global.

No setorial, caminhoneiros pedem a aprovação de um marco regulatório que formula exigências e regulamentos no exercício da profissão, bem como obriga as empresas seguradoras a ampliar as coberturas para essa classe e aprimora os dispositivos referentes ao descanso dos trabalhadores (o que certos “representantes” na quinta-feira, empresários, estavam com vontade de contornar).

Pode até ter caminhoneiro falando lugares comuns liberais, que o problema é a carga tributária, que é o custo dos políticos, mas a prática do própria movimento é mais eloquente do que qualquer argumento que eu possa dar contra essa ilusão.

Esse acontecimento traz novas e velhas lições para a consciência popular. Uma vitória e mesmo uma grande frustração podem despertar consciências para a necessidade de organização, de liderança e de vias políticas mais claras – o grito de uma velha pergunta: o que fazer?

Se a situação política dos caminhoneiros é mais grave e deveríamos dar mais atenção para lideranças que fazem um discurso direitista conservador*, esses frutos que presenciamos não deixam de ser positivos – a desorganização da fileira inimiga é uma coisa boa.

Quando bandoleiros atacam uma coluna inimiga, não achamos coisa ruim mesmo que estes também queiram nos saquear.
A própria ideia de greve está virada a favor dos movimentos sociais.
Ainda que o movimento não passe de reivindicações limitadas ou até de interesses particulares, basta ver o que está acontecendo e o caráter das concessões para perceber que o neoliberalismo sofre um revés. Quebrando as ilusões da ideologia liberal, a política acima do mercado está na ordem do dia.

*No atual estágio da sociedade do espetáculo, qualquer vídeo de propaganda específica em uma massa relativamente despolitizada pode ganhar dimensões que tem aparência de liderança. Há muita confusão por conta da multiplicidade das comunicações e os próprios conservadores entram numa guerra de narrativa – “esse caminhoneiro está errado, eles tem que tomar cuidado, tem que parar de ter controle de preço, estou preocupada; ah, mas veja esse aqui, esse é bom, esse é dos nossos, falou em nome da direita São Paulo, contra os petralhas” (a desinformação vai ser menos contraditória e fazer afirmações unilaterais: a linha auxiliar do PMDB, o MBL, procurou fazer acusações tratando de sindicatos e esquerdismo, já movimentos conservadores intervencionistas fazem um retrato de um movimento completamente de acordo com sua agenda). Este artigo não é sobre ideologia ou distribuição política do movimento, insisto.

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