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11 de Setembro: o dia em que o terrorismo americano calou Allende

Calaram Allende, mas ainda o ouvimos por toda a América, em todo 11 de setembro.
por Pedro Marin | Revista Opera

Foi em 1973, há exatos 45 anos. O Presidente Salvador Allende, eleito em 4 de setembro de 1970, se encontrava trancafiado no Palácio de La Moneda, junto somente do jornalista Augusto Olivares, que resistiu com o amigo até o definhamento, e com outro fiel companheiro: um fuzil AK-47 presenteado por Fidel Castro.

Diferentemente dos momentâneos bombardeios e tiroteios que aconteciam para fora das portas e janelas do Palácio, o golpe garantiria ao Chile 17 anos de ditadura militar, marcada à ferro nos corpos de pelo menos 40 mil pessoas, de acordo com dados oficiais, e de 100 mil, de acordo com os dados das organizações de familiares.

Mas não foi o acaso que levou o terror ao Chile. Um rebuscado plano havia sido traçado ainda antes de Allende pisar em La Moneda. Ainda em 1970, a CIA já havia dado forma ao esquema, e nomeado-o como “Projeto Fubelt”, ou “Política dos dois trilhos”. O escritor colombiano Gabriel García Márquez narrou em detalhes a odisseia golpista:

“No final de 1969, três generais do Pentágono jantaram com quatro mi­litares chilenos numa casa dos subúrbios de Washington. O anfitrião era o então coronel Gerardo López Angulo, adido aeronáutico da missão militar do Chile nos Estados Unidos, e os convidados chilenos eram seus colegas das outras armas. O jantar era em homenagem ao diretor da Escola de Aviação do Chile, general Carlos Toro Mazote, que chegara no dia anterior para uma temporada de estudos. Os sete militares comeram salada de frutas e assado de vitela com ervilhas, beberam vinhos suaves da remota pátria do sul — onde havia pássaros reluzentes nas praias enquanto Washington afundava na neve — e falaram em inglês sobre a única coisa que parecia interessar aos chilenos naquele momento: a eleição presidencial de setembro.

À sobremesa, um dos generais do Pentágono perguntou o que faria o exército chileno se o candidato da esquerda, Salvador Allende, ganhasse a eleição. O general Mazote respondeu:

— Tomaremos o palácio de La Moneda em meia hora, ainda que te­nhamos de incendiá-lo.”

O plano inicial foi atrasado em três anos, mas realizado com proeza. Somado à brutalidade dos militares, o golpismo contava também com o difícil cenário econômico no Chile, produto de anteriores tramas e sanções dos americanos.

A história, no entanto, em seus improváveis caminhos (ou seriam trilhos?) terminaria por garantir ao país que matou Allende uma impetuosa ironia: em outro 11 de setembro, em 2001, um avião atravessava as torres gêmeas do World Trade Center, causando destruição e pânico, como similarmente ocorreu em 1973, com os aviões de Pinochet bombardeando La Moneda. Dessa vez, no entanto, o terror que os EUA haviam financiado para combater os soviéticos no Afeganistão – da mesma forma que financiaram para combater a “praga vermelha” na América Latina – não se limitou ao território do país, e acabou por bater na porta dos americanos, ceifando a vida de quase 3 mil civis inocentes.

O erro fatal de Allende foi pensar que poderia, pela via da ordem burguesa, estabelecer seu fim – especialmente em uma época tão conturbada quanto os anos 70, quando os gorilas em farda se alastravam por toda a América Latina, sob os auspícios norte-americanos. Mas acertou colossalmente em seu último discurso: “Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la.”

Calaram-no, mas ainda o ouvimos por toda a América, em todo 11 de setembro.

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