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Mentiroduto: para além do caixa dois

Os “gênios militares” da campanha de Bolsonaro tem de se lembrar de que estão usando uma tática de guerra contra o Brasil.
por André Ortega | Revista Opera
(Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Não é muito impressionante para os nossos leitores a notícia de que existe um caixa dois de empresas financiando a campanha digital de Bolsonaro – isto é, financiando ilegalmente. No mundo das campanhas, onde a nova moda é o disparo estratégico seguindo bancos de dados, não era difícil perceber que Bolsonaro se valeria de uma grande estrutura. A jornalista Patricia Campos Mello foi por essa trilha e apurou que empresas estariam contratando esses serviços para fazer disparos massivos contra a chapa do PT. Cada contrato chegaria a até 12 milhões de reais. A matéria foi publicada na Folha de São Paulo.

Nesse caso, estamos falando de abuso de poder econômico e caixa dois. É crime eleitoral pois a campanha não está declarando esses gastos que estão sendo feitos por empresas (que nessas eleições estão proibidas de fazer doações).

Jair Bolsonaro estaria sendo beneficiado por um esquema de caixa dois que poderia muito bem ser chamado de mentiroduto.

Independente das novas tendências do mercado de propaganda política e do argumento legal que poderia derrubar a campanha de Jair, é claro que o caráter extensivo e sistemático da campanha de desinformação exige estruturas. No caso de uma campanha presidencial majoritária, o dinheiro continua sendo fundamental e parece que o PSL seguiu a “lei de Odebrecht”: “não se ganha eleição no Brasil sem caixa dois”.

Tanto para os conhecedores desse mundo quanto para alguns observadores de fora, porém sábios e atentos, é compreensível que Bolsonaro tenha uma estrutura poderosa aliada a sua campanha.

Precisamos dizer de forma independente dessa publicação da Folha, como se não existissem os contratos de 12 milhões: a onda de mentiras que vem assolando a rede, principalmente o WhatsApp, de forma sistemática, consistente e ampla, demanda uma estrutura poderosa, com especialistas, criadores de conteúdo e mecanismos de disparo que custam muito dinheiro.

Pode haver muito dinheiro por trás de Bolsonaro, o candidato que se tornou, por excelência, o candidato do golpe, do imperialismo e do parasitismo financeiro. Não seria impressionante que empresários desembolsassem largas somas para apoiar o candidato anti-trabalhista.

Bolsonaro se adiantou demais em seu Twitter falando de “apoio voluntário”, se esquecendo que se não fosse voluntário seria roubo e de que se não está declarado é crime do mesmo jeito. Depois disse que “não tem como controlar” (como ele não consegue controlar a violência dos apoiadores, o seu vice, a sua campanha, a JBS depositando na conta dele… melhor tradição do autoritarismo latino americano: o militar que se exime de responsabilidade, omisso, tímido e muito “democrático” na hora de ouvir os pares e o imperialismo).

A onda de mentiras não é espontânea, não é má sorte e não é simples: é uma complexa operação de desinformação. A matéria nos deu, talvez, uma pista. Com muito ou pouco dinheiro, estamos falando de uma operação de guerra de comunicação. Uma operação de guerra.

Já falamos aqui e cada vez se fala mais por aí de que a estratégia de comunicação da campanha de Bolsonaro está aplicando táticas de guerra híbrida, paralisando seus opositores e o restante da sociedade com informações desencontradas, mentiras e desinformação. Até a Folha acabou publicando sobre isso.

Se estamos falando de caixa dois, o que deve nos preocupar mais não é só a tipificação penal e o crime eleitoral cometido em si, mas a finalidade desse dinheiro é que coroa a fraude contra nossas eleições e nosso país. Esse dinheiro não virou santinho, não virou propaganda de TV. Virou combustível de uma máquina de mentiras que espalha ódio, confusão e psicoses por nosso país.

Os “gênios militares” da campanha de Bolsonaro, sejam eles entusiastas vindo de outros países ou os mais vanguardistas da Escola Superior de Guerra (quem sabe?), tem de se lembrar de que estão usando uma tática de guerra contra o Brasil.

Uma tática de guerra que é usada contra inimigos, que os Estados Unidos usa contra países que quer destruir. Do tipo que um país faz contra outro quando invade, bombardeia, mata, financia terrorista e golpes de estado.

Não seria surpresa se a defesa desses empresários alegassem que não possuem vínculos com a campanha e que só estão gastando milhões por sentimento de “dever patriótico”, para “conscientizar as pessoas”. “Conscientizando” com o mais puro esgoto eleitoral, envenenando o nosso povo e nossas famílias com suas mentiras.

Se isso acontecer, acredite quem quiser que um empresário gasta doze milhões de reais e não avisa o candidato beneficiado, sem pensar em favorecimento depois da eleição. É o empresário que gosta mais de gastar dinheiro em eleição do que de dinheiro em si.

Guerra contra o Brasil?

Não podemos ser inocentes e nem nos conter na campanha do Bolsonaro. Devemos ficar atentos à geopolítica e entender Bolsonaro como sintoma do grande confronto de interesses no mundo.

No plano de manutenção da hegemonia dos Estados Unidos no mundo, contempla-se a desarticulação de sociedades que podem fundamentar estados que oferecem riscos a essa dominação. O Brasil é um país grande, rico em recursos e com grande população, além de ser uma peça central de uma articulação de uma outra ordem internacional pela China.

Bolsonaro não é menos do que um agente radical dessa estratégia feita para dominar o xadrez global e manter nosso país subordinado aos interesses dos Estados Unidos. O imperialismo já demonstrou que pode recorrer à destruição de países inteiros para fazer avançar seu poder e hoje isso é feito precisamente com guerra híbrida – a guerra que usa forças ocultas, a rede, a comunicação, o caos e a política suja para alcançar seus objetivos (um tipo de guerra que combina com essa doutrina strausseriana, adotada por um setor dos serviços norte-americanos, que acredita que realmente é melhor desmanchar os estados ao redor do mundo e deixar os Estados Unidos com uma espécie de soberania global de facto).

É para isso que nos alertou Moniz Bandeira em sua obra final, principalmente o volume Desordem Mundial.

Falamos muito de fascistas na Ucrânia, terroristas na Síria e pseudo revolucionários apoiados pelo imperialismo ao redor do mundo. Os nossos agentes de guerra híbrida, os nossos agentes de dissolução social e degradação do Estado são estes que se agrupam ao redor de Jair Bolsonaro.

Nesse grande jogo de interesses, não podemos pensar em imperialismo só como uma única estratégia estatal, mas como uma combinação de super ricos, agências estatais e para-estatais competindo entre si para dominar os rumos da nossa nação. O mundo não é trivial, é sim um grande confronto, uma grande guerra onde vale tudo para subjugar um país como o Brasil.

E agora?

Sobre o fim dessa opereta do Caixa Dois, nós da Revista Opera já expressamos nossa opinião em uma transmissão ao vivo de video no dia 18/10. Existem muitos caminhos para isso não dar em nada, mas a situação poderia ser aproveitada para sustentar um vigoroso movimento contra Jair Bolsonaro, fazendo exigências como o adiamento das eleições e investigação adequada.

É mais provável que contem com a eleição de Bolsonaro e procurem usar isso para manter ele na linha.

A Rede Globo sequer fez a notícia no Jornal Nacional, simplesmente inseriu no bloco sobre o Haddad como uma “acusação de Haddad”, o que não corresponde à realidade. Sem explicação. Sem matéria da Folha. Sem os 12 milhões. Sem listas de empresas. Sem a demonstração de como seriam os crime e porque é crime, falando da lei eleitoral.

 

Legalmente isso pode ter implicações muito severas, até a cassação da chapa de Bolsonaro – e mesmo assim eles não noticiaram.

A possibilidade concreta da cassação da chapa de Bolsonaro no entanto nos parece muito remota. O caso precisaria avançar e ele pode ser melado, a defesa pode ter sucesso. A despeito disso, quem teria coragem de fazer isso? Existe um condomínio de poder envolvendo militares e a alta casta judiciária – ambos sabem dos riscos disso, até pelo clima dentro do exército. Ambos perseguem certos interesses. Bolsonaro mesmo já se preveniu frente a essas possibilidades ao espalhar a ansiedade sobre “fraude”, que não aceita outra coisa que não seja sua eleição.

Outro cenário para se imaginar é um onde isso estimula pretensões golpistas no vice Mourão.

Mais uma vez a institucionalidade se converterá em golpista e quem confiar nela plenamente será – de novo – passado para trás. A política se revelará de novo com sua face mais crua, ligada a força…. afinal, golpe é guerra.

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