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Newsguard: Um “fact checker” neoconservador contra a imprensa independente

Sob o mote do combate às “fake news”, projeto de neoconservadores que quer se tornar global na prática combate projetos de mídia não-alinhados.
por Whitney Webb | MintPress News – Tradução de Julia Menezes para a Revista Opera

Logo após a depuração de sites e páginas independentes das redes sociais em outubro passado, um membro superior neoconservador – Jamie Fly – foi visto afirmando que a depuração em massa de páginas anti-establishment e anti-guerra do Facebook e Twitter foi “somente o começo” de um esforço comum entre o governo dos Estados Unidos e corporações poderosas, a fim de silenciar a divergência online dentro e fora dos Estados Unidos.

Enquanto alguns meses relativamente rotineiros se passaram na esfera das notícias online desde que Fly deu esse aviso ameaçador, parece que os neoconservadores e outros agentes padrões do complexo industrial-militar e a oligarquia estadunidense agora estão preparados para lançarem a última ofensiva contra a mídia independente que procura expor irregularidades nos setores público e privado.

Assim como o editor-chefe da MintPressNews, Mnar Muhawesh, recentemente escreveu, a MintPress foi informada de que estava sob revisão por uma organização chamada Newsguard Technologies, que se descreveu paraa  Mintpress simplesmente como uma “agência de avaliação de notícias” e pediu à Muhawesh que comentasse sobre uma série de alegações, muitas delas descaradamente mentirosas. No entanto, uma avaliação posterior dessa organização revela que a mesma é fundada e intimamente relacionada com o governo dos Estados Unidos, neoconservadores e poderosos interesses milionários, todos que estiveram trabalhando em tempo integral desde a eleição de 2016 para silenciar a divergência em relação à guerra americana permanente e à oligarquia das grandes corporações.

Ainda mais preocupante é que a Newsguard, em virtude de suas profundas relações com o governo e o Vale do Silício, esteja praticando lobby para que os seus “rankings” de sites de notícias sejam instalados por padrão nos computadores das bibliotecas públicas, escolas e universidades dos EUA, assim como em todos os smartphones e computadores vendidos no país.

Em outras palavras, com o avanço do Projeto Newsguard, em breve será quase impossível evitar esses sistemas de ranking dos sites de notícias aprovados por neoconservadores em qualquer aparelho tecnológico vendido nos Estados Unidos. O pior é que se o esforço para eliminar as vozes divergentes nos EUA for bem sucedido, a Newsguard promete que o próximo passo será globalizar o sistema.

Luz vermelha, luz verde…

A Newsguard tem recebido atenção considerável na grande mídia nos últimos tempos, sendo assunto em diversos artigos no Washington Post, The Hill, The Boston Globe, Politico, Bloomberg, Wired e muitos outros só nos últimos meses. Esses artigos retratam a Newsguard como “jornalismo de velha guarda” e a luta contra as “fake news” através da confiança em nove critérios que pretendem supostamente separar o joio do trigo no que concerne às notícias online.

A Newsguard separa sites considerados confiáveis e sites não confiáveis utilizando uma classificação por cores – verde, amarelo e vermelho – e mais detalhes chamados “rótulos de nutrição” referentes à credibilidade de um site ou à sua ausência de credibilidade. Os rankings são criados por um time de “analistas capacitados” da Newsguard. O sistema de cores pode lembrar alguns leitores do código de cores do terror, um sistema de aviso do nível de ameaça que foi criado depois do 11 de setembro. Vale a pena notar que Tom Ridge, ex-secretário do Departamento de Segurança Interna dos EUA que supervisionou a implantação do sistema do código de cores sob o comando de George W. Bush, está no corpo consultivo da Newsguard.

Newsguard dá à Fox News notas elevadas de confiabilidade.

Conforme a Newsguard lança uma nova avaliação de um site, a avaliação automaticamente se espalha para todos os computadores que possuem o plug-in do ranking de notícias instalado no navegador. Atualmente, o plug-in está disponível gratuitamente para a maioria dos navegadores de internet mais utilizados. A Newsguard comercializa diretamente o plug-in de navegador para bibliotecas, escolas e usuários de internet em geral.

De acordo com o seu site, a Newsguard avaliou mais de 2.000 sites de notícias e informações. No entanto, a empresa planeja levar a iniciativa do ranking mais longe, eventualmente revisando “os 7.500 sites de notícias e informações mais lidos nos EUA – o que chega a 98% de notícias e informações que as pessoas leem e compartilham online” nos Estados Unidos em Inglês.

Um recente estudo do instituto de pesquisa Gallup, apoiado e financiado pela Newsguard assim como pela Knight Foundation (principal investidor na Newsguard), declarou que uma avaliação na cor verde aumentou a probabilidade dos usuários compartilharem e lerem o conteúdo enquanto uma avaliação na cor vermelha diminuiu essa probabilidade. Especificamente, foi encontrado que 63% teriam menos tendência a compartilharem notícias de sites avaliados com vermelho e 56% teriam maior tendência a compartilharem notícias de sites avaliados com verde, mas dado que a Newsguard e um de seus principais investidores financiaram a pesquisa, é necessário olhar para esses resultados com desconfiança.

[button color=”” size=”” type=”” target=”_blank” link=”http://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2018/11/12/a-pos-verdade-ja-existe-ha-muito-tempo-e-se-chama-mentira/”]Leia também: A “pós-verdade” já existe há muito tempo e se chama mentira[/button]

No entanto, alguns dos rankings que a própria Newsguard publicou mostram evidentemente o desinteresse na luta contra a “má informação”. De que outra forma explicar que o Washington Post e a CNN receberam pontuações altas mesmo após ambas terem escrito notícias e feito declarações que posteriormente provaram ser integralmente falsas? Por exemplo, em 2016 a CNN declarou incorretamente que era ilegal que os americanos lessem comunicados da Wikileaks e conspirou de modo antiético com o Comitê Nacional Democrata para elaborar questões para o debate presidencial que favorecessem Hillary Clinton na campanha daquele ano.

Além disso, em 2017, a CNN publicou uma falsa história de que um banco russo vinculado a um aliado próximo ao Presidente Donald Trump estava sob investigação no Senado. Naquele mesmo ano, CNN foi forçada a retirar uma reportagem que dizia que a campanha de Trump havia sido alertada precocemente sobre os documentos da WikiLeaks prejudicando Hillary Clinton quando mais tarde descobriu que o alerta era sobre um material já disponível publicamente.

O Washington Post, cujo conflito de interesse com a CIA de 600 milhões de dólares segue despercebido pela Newsguard, também publicou notícias falsas desde a eleição de 2016, incluindo um artigo que erroneamente afirma que “hackers russos” acessaram a rede elétrica de Vermont. Mais tarde foi descoberto que a própria rede elétrica nunca havia sido violada e o “hack” foi somente um laptop isolado com um pequeno problema de malware. Porém, esses atos de negligência jornalística aparentemente são de pouca preocupação para a Newsguard quando quem comete tais atos são grandes nomes das corporações midiáticas.  

“Você consegue distinguir entre propaganda (RT) e mídia independente (VOA)? A Newsguard pode te ajudar.”

Além disso, a Newsguard dá uma alta pontuação para Voice of America, o meio de comunicação estatal dos EUA, apesar de seu ex-diretor associado dizendo que o meio de comunicação produz “jornalismo chulo”, apesar do jornal ter sido recentemente reformulado para “fornecer notícias que apoie nossos [EUA] objetivos de segurança nacional.” No entanto, o Russia Today (RT) recebe uma baixa avaliação “vermelha” por ter sido financiado pelo governo da Rússia e por “levantar dúvidas sobre outros países e suas instituições” (i.e., incluindo a divulgação de críticas sobre as instituições e governo dos EUA e seus aliados).

Mantendo a conversa segura para a corporocracia

A Newsguard se descreve como uma organização dedicada a “restaurar a confiança e responsabilidade” e usar “o jornalismo para combater notícias falsas, má informação e desinformação”. Enquanto afirma repetidamente no seu website que seus funcionários “não têm alvos políticos específicos” e “se importa profundamente com o papel central do jornalismo confiável em uma democracia”, uma rápida olhada nos seus cofundadores, principais fundadores e o seu corpo consultivo deixa claro que o objetivo da Newsguard é controlar as vozes que pressionam o poder – tanto no governo como no setor privado.

A Newsguard é o investimento mais recente da parceria entre Steven Brill e Louis Gordon Crovitz, que atualmente atende como co-CEO do grupo. Brill é jornalista há muito tempo – publicou na TIME, New Yorker, entre outros – e recentemente fundou a Iniciativa de Jornalismo de Yale, que visa encorajar os estudantes de Yale que “aspiram contribuir com a democracia nos Estados Unidos e ao redor do mundo” para tornarem-se jornalistas de alto escalão nos EUA e em organizações midiáticas internacionais. Inicialmente, Brill formou uma parceria com Crovitz em 2009 para criar o Journalism Online, que procurava fazer presença online entre os maiores jornais americanos e outras editoras lucrativas, e foi também CEO da companhia que fez parceria com a TSA (Administração de Segurança de Transporte) para oferecer que passageiros “registrados” tivessem a capacidade de se locomover mais rapidamente através da segurança do aeroporto – por um preço, obviamente.

Enquanto o próprio passado de Brill não levanta bandeiras vermelhas, Crovitz, seu parceiro na fundação do Journalism Online, Press+, e agora da Newsguard, é a última pessoa que alguém esperaria encontrar promovendo qualquer iniciativa legítima para “restaurar confiança e responsabilidade” no jornalismo. Nos anos 80, Crovitz ocupou um número de cargos no Dow Jones e no Jornal Wall Street, finalmente tornando-se vice-presidente executivo do primeiro e editor do segundo antes que ambos fossem vendidos para a Rupert Murdoch News Corp em 2007. Ele também é um membro do conselho da Business Insider, que recebeu mais de $30 milhões de dólares de Jeff Bezos, dono do Washington Post, nos últimos anos.

Além de ser um membro do Conselho de Relações Internacionais, Crovitz orgulhosamente põe em sua biografia, disponível no site da Newsguard, que tem sido um “editor ou colaborador de livros publicados pelo American Enterprise Institute e Heritage Foundation”. Embora muitos leitores da MintPress estejam familiarizados com essas duas instituições, para aqueles que não estão, vale a pena apontar que o American Enterprise Institute (AEI) é um dos maiores ‘think tanks’ neoconservadores no país e entre os “estudiosos”, diretores e membros estão incluídas figuras conservadoras como Paul Wolfowitz, Richard Perle, John Bolton e Frederick Kagan.

Durante o governo Bush, a AEI foi essencial na promoção da invasão e subsequente ocupação do Iraque e desde então tem defendido soluções militares para os objetivos da política estrangeira dos EUA e expansão do império militar do país, além de também defender a “Guerra ao Terror” durante os anos de Bush, AEI foi intimamente associada com a agora extinta e controversa organização neoconservadora conhecida como o Projeto para o Novo Século Estadunidense (PNAC), que quatro anos antes do 11 de setembro, profeticamente chamou por um “novo Pearl Harbor” como necessário para reunir apoio por trás do aventurismo militar americano.

A Heritage Foundation, como a AEI, também foi favorável à guerra no Iraque e tem impulsionado a expansão da Guerra ao Terror, a defesa por mísseis e o império militar dos EUA. Entre os doadores corporativos ao longo dos anos estão a Procter & Gamble (P&G), Chase Manhattan Bank, Dow Chemical, Exxon Mobil, entre outros.

As associações de Crovitz com a AEI e a Fundação Heritage, assim como seus laços com Wall Street e escalões superiores da mídia corporativa, são o suficiente para fazer qualquer pessoa crítica questionar seu compromisso em ser um vigilante justo do “jornalismo legítimo”. Ainda, por trás dessas inumeráveis conexões com neoconservadores e poderosos interesses milionários, Crovitz tem sido repetidamente acusado de inserir desinformação em suas colunas no Wall Street Journal por grupos como a Electronic Frontier Foundation (EFF), que o acusa de “errar a interpretação dos fatos repetidamente” sobre a vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) e outros assuntos. Uma das falsidades mais gritantes que surgiram no trabalho de Crovitz nunca foi corrigida, mesmo quando suas próprias fontes o acusaram de desinformação.

Por exemplo, em um artigo de opinião do Wall Street Journal, escrito por Crovitz em 2012, ele foi acusado de fazer “alegações fantasticamente falsas” sobre a história da internet pelas próprias pessoas que ele citou para basear as alegações. Como a TechDirt escreveu naquele tempo:

“Quase todo mundo que ele [Crovitz] usou como fonte ou deu créditos para fundamentar seu argumento de que a internet foi criada totalmente em particular na Xerox PARC e quando Vint Cerf ajudou a criar a TCP/IP, se pronunciou dizendo que ele estava errado. E essa lista inclui tanto o próprio Vint Cerf quanto a Xerox. Outras fontes, incluindo Robert Taylor (que estava lá quando a internet foi criada) e Michael Hiltzik rejeitaram a distorção de Crovitz sobre suas próprias histórias.”

A forte bancada do time oligárquico

Enquanto somente as conexões entre Brill e Crovitz já deveriam ser suficientes para causarem inquietação, uma análise superficial do corpo consultivo da Newsguard deixa claro que a empresa foi criada para servir os interesses da oligarquia americana. Entre os conselheiros da Newsguard, o principal é Tom Ridge, primeiro Secretário de Segurança Nacional no governo Bush e o General aposentado Michael Hayden, ex-diretor da CIA, ex-diretor da Agência de Segurança Nacional e diretor no Chertoff Group, uma consultoria de segurança que visa “informar clientes corporativos e governos, incluindo governos estrangeiros” em assuntos de segurança, que foi co-fundada pelo ex-secretário de Segurança Nacional Michael Chertoff, atualmente presidente do conselho de uma das principais fabricantes de arma, BAE systems.

Outro conselheiro notável da Newsguard é Richard Stengel, ex-editor da revista Time, um “membro diferenciado” no Atlantic Council e subsecretário de Diplomacia Pública e Assuntos Públicos no governo do Presidente Barack Obama. Em um painel de discussão realizado em maio pelo Conselho de Relações Estrangeiras, Stengel descreveu sua antiga posição no Departamento de Estado como um “chefe divulgador” e também declarou que ele “não é contra a propaganda. Todo país faz e tem que fazer para a sua população e eu não acho isso obrigatoriamente horrível”.

“No fórum do Conselho de Relações Estrangeiras sobre “fake News”, o ex-editor da Revista Time, Richard Stengel declara diretamente que apoia o uso de propaganda para os cidadãos americanos – e encerra a sessão quando confrontado sobre como a propaganda é utilizada contra o terceiro mundo.”

Entre outros conselheiros, a Newsguard também inclui Don Baer, ex-diretor de comunicações da Casa Branca, conselheiro de Bill Clinton e atual presidente da PBS e da influente agência de Relações Públicas Burson Cohn & Wolfe, e Elise Jordan, ex-diretora de comunicações para o Conselho de Segurança Nacional e ex-escritora de discursos para Condoleezza Rice, e também viúva do jornalista que foi assassinado Michael Hastings – que estava escrevendo uma denúncia sobre o ex-diretor da CIA John Breenan na época de sua morte suspeita.

Uma olhada aprofundada nos investidores da Newsguard demonstra as conexões multifacetadas entre essa organização e a elite política e corporativa americana. Enquanto os próprios Brill e Crovitz são os maiores investidores da empresa, um dos mais importantes investidores da Newsguard é o Publicis Groupe. Publicis é a terceira maior empresa de comunicações do mundo, com mais de 80.000 funcionários em mais de 100 países e uma receita anual de €9.6 bilhões de euros (10.98 bilhões de dólares) em 2017. Não é estranho que uma de suas filiais, Qorvis, recentemente veio à tona por explorar veteranos dos EUA a mando do governo Saudita, e também por ajudar o governo a encobrir o registro de direitos humanos e a guerra genocida no Iêmen depois de receber $6 milhões de dólares do Reino do Golfo em 2017.

Além disso, dado seu tamanho e influência, é esperado que a Publicis Groupe incluísse muitas corporações poderosas e governos entre seus clientes. Entre alguns de seus principais clientes em 2018, estão as gigantes da indústria farmacêutica Eli Lilly, Merck, Pfizer e Bayer/Monsanto, assim como Starbucks, Procter & Gamble, McDonalds, Kraft Heinz, Burger King, e governos da Austrália e Arábia Saudita. Dado o seu papel influente no financiamento da Newsguard, é justo apontar o potencial conflito de interesses expresso pelo fato de que os sites que relatam detalhadamente os clientes poderosos da Publicis – mas geram publicidade ruim – poderiam ser alvos por tais relatos no ranking da Newsguard.

Além do Publicis Groupe, outro principal investidor na Newsguard é a Blue Haven Initiative, que é a capital de risco de “inversão de impacto”, fonte da rica família Pritzker – uma das 10 famílias mais ricas dos EUA, mais conhecida por ser dona do grupo Hyatt Hotel e por ser a segunda maior entre os contribuintes financeiros para a campanha presidencial de Hillary Clinton em 2016.

Um outro investidor é John McCarter, há muito tempo executivo do empreiteiro do governo dos EUA Booz Allen Hamilton, assim como Thomas Gloces, ex-CEO da Reuters e membro do conselho farmacêutico da gigante Merck & Co., a gigante financeira Morgan Stanley, do Conselho de Relações Estrangeiras, assim como membro do Corpo Consultivo da Atlantic Council.

 Através desses investidores, a Newsguard pretende levantar $6 milhões para começar a iniciativa do ranking em Março de 2018. As receitas e financiamento real da Newsguard, no entanto, ainda não foram divulgadas, apesar de exigir que os sites avaliados revelem seu financiamento. Em uma manifestação de pura hipocrisia, o formulário (Form D) da Newsguard na Comissão de Bolsa de Valores dos Estados Unidos – apresentado em 5 de março de 2018 – declara que a empresa “rejeitou divulgar” o tamanho da sua receita total. 

Por que dar uma escolha ao pessoal?

Enquanto mesmo uma olhada rápida somente no corpo consultivo seria o suficiente para muitos americanos rejeitarem instalar a extensão para navegador da Newsguard em seus aparelhos, o perigo da Newsguard está no esforço dedicado para tornar a adesão ao aplicativo involuntária. De fato, se o caso fosse a adesão voluntária ao aplicativo da Newsguard, não haveria grandes preocupações, já que seu website atrai somente 300 visitas por mês e o número de seguidores nas redes sociais é relativamente pequeno, com um pouco mais de 2.000 seguidores no Twitter e apenas 500 curtidas no Facebook até o momento da publicação deste artigo.

Para ilustrar a estratégia de passar despercebida, a Newsguard foi diretamente aos governos dos estados para pressionar a extensão para navegador para todos os sistemas das bibliotecas públicas de cada estado, mesmo que o seu website já sugira que as bibliotecas individualmente podem instalar a extensão se quiserem. O primeiro estado que instalou Newsguard em todos os computadores de suas bibliotecas públicas através de suas 51 divisões foi o Havaí – o primeiro parceiro da Newsguard em sua iniciativa de “investigação de notícias” (news literacy) só no último mês.

“Aloha, bibliotecas havaianas! O estado adicionou a extensão da Newsguard em todos os computadores utilizados em todas as suas bibliotecas públicas. Obrigado à Microsoft por patrocinar a investigação de notícias”, twittou a Newsguard.

De acordo com a mídia local, a Newsguard “agora trabalha com sistemas bibliotecários representando bibliotecas públicas por todo o país, e também é parceira de escolas secundárias, ensino médio, universidades e organizações educacionais que apoiam a iniciativa de investigação de notícias”, sugerindo que os serviços da Newsguard direcionados à bibliotecas e escolas estão próximos de tornar-se um elemento obrigatório das bibliotecas norte-americanas e seu sistema educacional, apesar dos evidentes conflitos de interesse da Newsguard com as enormes corporações multinacionais e poderosos power-brokers do governo.

Notavelmente, a Newsguard tem um parceiro poderoso que permitiu que ela começasse a encontrar um caminho até os computadores de bibliotecas públicas e escolas por todo o país. Como parte de sua nova iniciativa “Defending Democracy”, a Microsoft anunciou em agosto passado que se associaria com a Newsguard para comercializar efetivamente o aplicativo de ranking da empresa e outros serviços para bibliotecas e escolas por todo o país. O comunicado à imprensa da Microsoft a respeito da parceria declara que a Newsguard “capacitará os eleitores fornecendo a eles informação de alta qualidade sobre a integridade e transparência dos sites de notícias online”.

Desde então, a Microsoft adicionou o aplicativo da Newsguard como uma funcionalidade embutida no Microsoft Edge, seu navegador para aparelhos celulares iOS e Android, mas dificilmente parará por aí. Aliás, uma última reportagem favorável à parceria da Microsoft com a Newsguard apontou; “nós podemos esperar também que essa nova parceria possibilite que a Microsoft adicione a Newsguard para o Microsoft Edge no Windows 10 [sistema operacional para computadores]”.

A Newsguard parece confiante de que seu aplicativo em breve será adicionado por padrão em todos os aparelhos celulares. Em seu website, a organização aponta que “NewsGuard estará disponível em aparelhos celulares quando as plataformas digitais, assim como os sites das redes sociais e mecanismos de pesquisa ou sistemas operacionais de celulares, adicionarem diretamente nossas classificações e Rótulos de Nutrição.” Isso mostra que a Newsguard não está esperando que seu sistema de classificação seja oferecido como uma aplicação disponível para download para aparelhos celulares, mas que seja algo que as redes sociais como Facebook, mecanismos de pesquisa como Google, e sistemas operacionais de celulares controlados pela Apple e Google integrem “diretamente” dentro de quase todo smartphone e tablet vendido nos Estados Unidos.

Um artigo da Boston Globe sobre a Newsguard de outubro passado torna esse plano muito mais claro. A Globe escreveu na época:

“A Microsoft já aceitou fazer NewsGuard uma funcionalidade embutida nos seus futuros produtos, e [o co-CEO da Newsguard] Brill disse que está conversando com outras gigantes online. ‘O objetivo é ter a Newsguard funcionando por padrão em nossos computadores e celulares sempre que nós verificarmos a internet por notícias.’”

Essa eventualidade é ainda mais provável pelo fato de que, além da Microsoft, a Newsguard também é intimamente ligada a Google, já que tem sido uma parceira da Publicis Groupe desde 2014, quando duas enormes empresas uniram-se à Condé Nast para criar um novo serviço de marketing chamado La Maison que é “focado em produzir conteúdo atraente para marqueteiros em um espaço luxuoso”. Dado o poder do Google na atmosfera digital como um mecanismo de pesquisa dominante, criador do sistema operacional de celular Android, e dono do Youtube, sua parceria com a Publicis significa que o sistema de classificação da Newsguard brevemente estará sendo promovido ainda por outra poderosa empresa do Vale do Silício.

Além disso, existe uma iniciativa em curso para integrar a Newsguard em redes sociais como Facebook e Twitter. De fato, assim que a Newsguard foi inaugurada, o co-CEO Brill declarou que planejava vender as classificações dos sites de notícias da empresa para o Facebook e Twitter. Em março passado, Brill disse à CNN que “nós estamos os convidando [Facebook, Twitter, Microsoft e Google] a pagar uma fração do que eles pagam para as Relações Públicas e seus lobistas para falar sobre o problema.”

Recentemente, o instituto de pesquisas Gallup realizou uma pesquisa que provavelmente servirá como principal motivo de venda para os gigantes das redes sociais. A intenção da pesquisa – financiada pela Newsguard e a Knight Foundation, que é um investidor-chave da Newsguard e recentemente financiou uma série de pesquisas da Gallup relacionadas às notícias online – parece ser criar um consenso para a integração da Newsguard com os principais sites de redes sociais.

Isso porque os resultados promovidos pelo estudo são os seguintes: “83% do total de 89% de usuários das redes sociais querem que as redes sociais e mecanismos de pesquisa integrem as classificações e revisões da NewsGuard em seus feeds de notícias e em resultados de pesquisas” e “69% confiariam mais nas redes sociais e em empresas de pesquisas se eles dessem esse simples passo que é incluir a Newsguard em seus produtos.” No entanto, uma correção no fim da pesquisa declara que os resultados, baseados nas respostas de 706 pessoas, em que cada uma recebeu $2 dólares para participar, “podem não refletir as posições da população adulta mais ampla dos EUA.”

Com a confiança na intervenção do Facebook e a censura da mídia independente na rede social já em andamento, os resultados dessa pesquisa podem ser bem utilizados para justificar a sua integração na plataforma do Facebook. Os contatos entre a Newsguard e o Facebook para o Atlantic Council mostram um indicativo.

Censura financeira

Outro serviço da Newsguard mostra que essa organização está também procurando prejudicar a mídia independente financeiramente ao marcar a receita online. Através de um serviço chamado “Brandguard”, que é descrito como uma “ferramenta segura para marcas destinada a ajudar anunciantes a manter suas marcas longe de notícias e sites de informação não confiáveis enquanto garante que os anunciantes precisam apoiar as dezenas de notícias e sites de informações grandes ou pequenos, avaliados na cor verde [i.e., aprovação da Newsguard]”.

Na época que o serviço foi anunciado, em novembro passado, o co-CEO da Newsguard, Brill, declarou que a empresa estava “em discussões com empresas técnicas em anúncios, agências líderes e principais anunciantes” ansiosos para adotar uma lista negra de sites de notícias considerados “não-confiáveis” pela Newsguard. Isso é esperado dado o papel principal que a Publicis Groupe, uma das maiores empresas de publicidade e relações públicas, tem no financiamento da Newsguard. Como consequência, parece provável que muitos, senão todos os clientes da empresa Publicis, escolherão adotar a lista para ajudar a quebrar muitos sites de notícias que não temem pressioná-los.

É importante notar também que a ligação da Google com a Publicis e portanto com a Newsguard pode significar um problema para as páginas de notícias independentes que dependem do Google Adsense[1] para algumas ou todas as receitas baseadas em publicidade. O Google Adsense tem atingido sites como MintPress, desmonetizando artigos por informação ou fotografias consideradas controversas, incluindo a desmonetização de um artigo por incluir uma foto mostrando soldados dos EUA envolvidos na tortura de pessoas detidas no Iraque, na abominável prisão de Abu Ghraib.

Desde então, a Google – uma contratante dos serviços militares norte-americanos – repetidamente tentou bloquear anúncios para artigos da MintPress que envolvem divulgações que são críticas à expansão imperialista e militar dos EUA. Um artigo que tem sido repetidamente apontado pela Google mostra como muitos afro-americanos têm questionado se a Marcha das Mulheres tem auxiliado ou prejudicado seu avanço nos EUA. A Google tem repetidamente afirmado que o artigo, que foi escrito por Jon Jeter, autor afro-americano e ex-chefe de escritório do Washington Post, contém “conteúdo perigoso”.

Dada a prática já estabelecida da Google em atingir divulgações verdadeiras que considera controversa através do Adsense, é provável que a Brandguard ofereça às gigantes da tecnologia a desculpa de que necessita retirar completamente sites como a MintPress, e outras páginas igualmente críticas ao império.  

Um plano de ação para a genuína proteção do jornalismo

Ainda que esteja apenas começando, o plano da Newsguard de inserir seu aplicativo em todos os aparelhos e nas principais redes sociais é uma ameaça a qualquer site de notícias que regularmente publica informações que podem importunar qualquer investidor, parceiro ou anunciante da Newsguard. Segundo seu plano de classificar os sites de notícias em língua inglesa dos EUA que contam com 98% do consumo de notícias digitais do país, a agenda da Newsguard é a maior preocupação para toda página de mídia independente ativa nos Estados Unidos e em outros países – dada a promessa da Newsguard de globalizar o projeto.

Ao se associar com ex-diretores da CIA e NSA, as gigantes do Vale do Silício e as enormes empresas de Relações Públicas que trabalham para um dos governos e corporações mais controversos do mundo, a Newsguard tem traído o fato de não estar realmente procurando “restaurar a confiança e responsabilidade” no jornalismo, mas “restaurar a confiança e responsabilidade” em meios de notícias que protegem o poder e estrutura existentes e protegem as oligarquias lideradas por corporações e o complexo militar-industrial da crítica.

Ao tornar seu sistema de ranking padrão dentro de todos os computadores e celulares vendidos nos EUA, a Newsguard não busca somente acabar com a reputação da mídia independente através do seu sistema parcial de ranking, mas também procura atacar essas vozes alternativas financeiramente.

No entanto, a Newsguard e sua agenda de manter as instituições longe da crítica podem ser superadas. Ao ajudar a mídia independente e desativando plug-ins dos sites das redes sociais comprometidos com a censura, como Facebook e Twitter, nós podemos reforçar a comunidade da mídia independente e mantê-la funcionando apesar da natureza incomparável desses ataques à liberdade de expressão e desse jornalismo vigilante.

Além disso, o caminho chave para manter a Newsguard e quem está por trás dela em seu próprio lugar é pressioná-los destacando seus óbvios conflitos de interesse e hipocrisia, corrompendo a narrativa cuidadosamente elaborada de que a Newsguard é “apartidária”, “confiável” e verdadeira guardiã contra a maldição das “fake-news.”

Enquanto essa reportagem tem procurado ser o ponto inicial para esse trabalho, qualquer um que tem preocupações com a Newsguard e suas conexões com a máquina de guerra e corporações corruptas deveriam se sentir encorajados a apontar os conflitos de interesse da própria organização e suas ligações obscuras via páginas do Facebook, Twitter e a seção de feedback no site da Newsguard. O melhor caminho para vencer essa nova ferramenta dos neoconservadores é colocá-los em destaque e continuar a expor a Newsguard como guardiã de um império, não como guardiã do jornalismo.

Notas:

[1] – O Google Adsense é o serviço de anúncios da Google, que pode ser embutido em qualquer website.

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