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20 anos da Guerra da Iugoslávia: a ‘independência’ do Kosovo e os dilemas da agressão da OTAN

A natureza dita “humanitária” da atuação na Guerra do Kosovo só serviu como um argumento moral para a realização da política dos EUA nos Bálcãs.
por Vladislav B. Sotirović | Global Research – Tradução de Gabriel Deslandes

O aniversário de 10 anos de “independência” da República do Kosovo, que foi celebrado pelos albaneses kosovares em 17 de fevereiro de 2018, abriu novamente o debate sobre a intervenção militar da OTAN contra a República Federal da Iugoslávia em março-junho de 1999, que serviu de base para a secessão do Kosovo da Sérvia e sua proclamação unilateral de quase-independência. Entretanto, Kosovo se tornou o primeiro e único Estado europeu até hoje governado por senhores da guerra terroristas, vindos, nesse caso, do (albanês) Exército de Libertação do Kosovo (ELK).

O objetivo deste artigo é investigar a natureza da guerra da OTAN contra a Iugoslávia em 1999, que tem como resultado final a criação do primeiro Estado terrorista na Europa – a República do Kosovo.

Terrorismo e independência do Kosovo

Os terroristas do ELK, com o apoio dos governos dos EUA e da União Europeia, lançaram uma completa escalada de violência em dezembro de 1998 com o único objetivo de provocar a intervenção militar da OTAN contra a Iugoslávia, como condição prévia para que a Sérvia perdesse sua independência internacionalmente reconhecida. A fim de finalmente resolver a “Questão kosovar” em favor dos albaneses, o governo Clinton trouxe os dois lados em confronto para negociarem formalmente no castelo francês de Rambouillet, na França, em fevereiro de 1999, mas, na verdade, tinha o objetivo de impor um ultimato à Sérvia para que aceitasse a secessão de facto do Kosovo.

Do ponto de vista formal, o ultimato de iure de Rambouillet: 1) reconhecia a integridade territorial da Sérvia; 2) o desarmamento do terrorista ELK; 3) não mencionava a independência do Kosovo da Sérvia. Porém, essas condições cruciais do acordo final ainda eram, em essência, altamente favoráveis ​​ao ELK e seu projeto separatista em defesa de um Kosovo independente e, portanto, a Sérvia os rejeitou.

A resposta dos EUA foi uma ação militar, liderada pela OTAN e apresentada como uma “intervenção humanitária”, para apoiar diretamente o separatismo albanês do Kosovo. Posteriormente, em 24 de março de 1999, a OTAN iniciou sua operação militar contra a Iugoslávia, que durou até 10 de junho de 1999. O porquê de o Conselho de Segurança da ONU não ter sido solicitado para a aprovação da operação é claro a partir da seguinte explicação:

“Sabendo que a Rússia vetaria qualquer esforço para obter o apoio da ONU para a ação militar, a OTAN lançou ataques aéreos contra as forças sérvias em 1999, efetivamente apoiando os rebeldes albaneses kosovares”.[1]

A característica crucial dessa operação foi um bombardeio bárbaro, coercitivo, desumano, ilegal e, acima de tudo, impiedoso contra a Sérvia por quase três meses. A intervenção militar da OTAN contra a Iugoslávia – Operação Força Aliada – foi propagada pelos seus proponentes como uma operação puramente humanitária, mas é reconhecido por muitos estudiosos que os EUA e os seus Estados-clientes tinham, principalmente, objetivos políticos e geoestratégicos que os levaram a essa ação militar.

A legitimidade da intervenção do brutal bombardeio coercitivo de alvos militares e civis na província de Kosovo e no resto da Sérvia e Montenegro se tornou imediatamente polêmica, pois o Conselho de Segurança da ONU não autorizou a ação. Certamente, a ação era ilegal, de acordo com a lei internacional, mas foi formalmente justificada pelo governo americano e pelo porta-voz da OTAN como legítima como sendo inevitável, pois todas as opções diplomáticas estavam esgotadas para impedir a guerra.

Todavia, a continuação do conflito militar no Kosovo entre o ELK e as forças de segurança do Estado da Sérvia ameaçaria produzir uma catástrofe humanitária e gerar instabilidade política na região dos Balcãs. Portanto, “no contexto de temores sobre a “limpeza étnica” da população albanesa, uma campanha de ataques aéreos, conduzida por forças da OTAN lideradas pelos EUA”[2] foi executada, tendo como resultado final a retirada da província das forças e da administração da Sérvia: esse era exatamente o principal requisito do ultimato de Rambouillet.

É de crucial importância salientar, pelo menos, cinco fatos para compreender adequadamente a natureza e os objetivos da intervenção militar da OTAN contra a Sérvia e Montenegro em 1999:

  • Apenas os alvos sérvios foram bombardeados enquanto o ELK foi consentido e mesmo patrocinado totalmente para continuar suas atividades terroristas contra as forças de segurança da Sérvia ou contra os civis sérvios e montenegrinos.
  • A limpeza étnica dos albaneses por forças de segurança sérvias era tão somente uma ação potencial (na verdade, apenas no caso da ação militar direta da OTAN contra a Iugoslávia), mas não um fato real, tal qual servira pretexto para a OTAN iniciar seu bombardeio coercitivo contra a Iugoslávia.
  • A alegação da OTAN de que as forças de segurança sérvias mataram até 100 mil civis albaneses durante a Guerra do Kosovo de 1998 a 1999 era uma pura mentira de propaganda, pois após a guerra foram encontrados apenas 3 mil corpos de todas as nacionalidades no Kosovo.
  • O bombardeio da Iugoslávia foi propagandeado como uma “intervenção humanitária”, tratando-se, portanto, de uma ação legítima e defensável, o que academicamente deveria significar: “uma intervenção militar que é realizada em busca de objetivos humanitários e não estratégicos”.[3] Contudo, hoje está claro que a intervenção tinha objetivos políticos e geoestratégicos e não humanitários.
  • A intervenção militar da OTAN em 1999 foi uma violação direta dos princípios de conduta internacional da ONU, como é dito na Carta da ONU que:

“Todos os membros abster-se-ão em suas relações internacionais da ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outra conduta incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.[4]

O que aconteceu no Kosovo quando a OTAN começou sua campanha militar era bastante esperado e, acima de tudo, desejoso pelo governo dos EUA e pelos líderes do ELK: a Sérvia fez um ataque militar muito mais forte ao ELK e aos albaneses étnicos que o apoiaram. Como consequência, houve um aumento significativo no número de refugiados – até 800 mil, de acordo com as fontes da CIA e da ONU. Assim, a governo americano apresentou todos esses refugiados como vítimas da política liderada pelos sérvios de uma suposta limpeza étnica sistemática e bem organizada (a false flag “Operação Ferradura”), independentemente do fato de que:

  • A esmagadora maioria deles não eram verdadeiros refugiados, mas sim “refugiados da TV”, apresentados como tal pelos meios de comunicação ocidentais.
  • Muitos deles estavam simplesmente escapando das consequências do bombardeio impiedoso da OTAN.
  • Apenas parte dos refugiados foi a vítima real da política sérvia de “vingança sangrenta” pela destruição da Sérvia pela OTAN (mas não tanto de Montenegro).
  • Uma parte dos “refugiados” ou “deslocados” albaneses simplesmente usou a oportunidade da guerra para alcançar legalmente alguns dos países ocidentais (principalmente a Alemanha e a Suíça).

Entretanto, o resultado final da campanha da OTAN contra a Iugoslávia foi que o Conselho de Segurança da ONU autorizou formalmente as tropas terrestres da OTAN (sob o codinome oficial de KFOR)[5] a ocuparem o Kosovo, dando aval ao ELK para o grupo terrorista prosseguir e terminar com a limpeza étnica de todos os não albaneses da província.

Esse foi o começo da elaboração da “independência” kosovar, que foi formalmente proclamada pelo Parlamento de Kosovo (sem referendos nacionais) em 17 de fevereiro de 2008 e imediatamente reconhecida pelos países ocidentais mais importantes.[6] O Kosovo, portanto, se tornou o primeiro Estado mafioso europeu legalizado.[7] Além disso, as políticas da União Europeu e dos EUA para reconstruir a paz no território da ex-Iugoslávia não conseguiram lidar com sucesso com provavelmente o principal e mais sério desafio à sua proclamada tarefa de restabelecer a estabilidade e a segurança regionais: os vínculos com o terrorismo da Al-Qaeda, especialmente na Bósnia-Herzegovina, mas também no próprio Kosovo.[8]

Dilemas

De acordo com as fontes da OTAN, havia dois objetivos na intervenção militar da Aliança contra a Iugoslávia em março-junho de 1999:

  • Forçar Slobodan Milosevic, presidente da Sérvia, a aceitar um plano político para o status de autonomia do Kosovo (projetado pelo governo americano).
  • Impedir a (suposta) limpeza étnica dos albaneses pelas autoridades da Sérvia e suas Forças Armadas.

No entanto, enquanto o objetivo político era, em princípio, alcançado, o humanitário estava com resultados completamente opostos. Bombardeando a Iugoslávia nas três fases dos ataques aéreos, a OTAN conseguiu forçar Milosevic a assinar a capitulação político-militar em Kumanovo, em 9 de junho de 1999, para conceder o Kosovo à administração da OTAN e praticamente autorizar o terror islâmico liderado pelo ELK contra o Sérvios cristãos.[9]

O resultado direto da operação foi certamente negativo, já que as investidas da OTAN causaram aproximadamente a morte de 3 mil militares e civis sérvios, além de um número desconhecido de albaneses mortos. Um impacto indireto da operação foi a série de civis albaneses étnicos mortos, seguidos de um fluxo maciço de refugiados albaneses do Kosovo,[10] de modo que a provocar que a polícia sérvia e o Exército iugoslavo atacasse. Não podemos esquecer que, segundo algumas investigações, a maior escalada de crimes de guerra contra civis albaneses no Kosovo durante o período do bombardeio da Iugoslávia pela OTAN foi provavelmente cometida pelos refugiados sérvios da região croata de Krayina (a autoproclamada “República da Sérvia Krajina”, de 1991 a 1995). Com uniformes das forças policiais regulares da Sérvia, albaneses foram atacados em agosto de 1995. Era uma vingança pelas terríveis atrocidades albanesas cometidas na região contra civis sérvios apenas alguns anos antes,[11] quando muitos dos albaneses do Kosovo lutaram contra os sérvios usando uniformes croatas.

O dilema fundamental é o motivo pelo qual a OTAN apoiou diretamente o ELK – uma organização que, anteriormente, era claramente classificada como “terrorista” por muitos governos ocidentais, inclusive o norte-americano. Sabia-se que uma guerra de estratégia partisan por parte do ELK[12] se baseava apenas na provocação direta das forças de segurança da Sérvia para que elas respondessem atacando os postos do ELK com um número inevitável de baixas civis. Todavia, tais vítimas civis albanesas não foram entendidas pelas autoridades da OTAN como um “dano colateral” mas sim como vítimas de limpeza étnica deliberada. Por outro lado, todas as vítimas civis dos bombardeios da OTAN em 1999 foram apresentadas pelas autoridades exatamente como um “dano colateral” da “guerra justa”[13] contra o “regime opressor” de Belgrado.

Aqui apresentaremos os princípios básicos (acadêmicos) de uma “guerra justa”:

  1. Último recurso – Todas as opções diplomáticas estão esgotadas antes que a força seja usada.
  2. Justa causa – O propósito final do uso da força é autodefender seu próprio território ou pessoas de ataques militares pelos outros.
  3. Autoridade legítima – Implicar legitimidade ao governo constituído de um Estado soberano, mas não por um ente privado (individual) ou grupo (organização).
  4. Intenção correta – O uso da força, ou guerra, deve ser exercido por razões moralmente aceitáveis, mas não baseado em vingança ou intenção de infligir o dano.
  5. Uma perspectiva razoável de sucesso – O uso da força não deve ser ativado em qualquer causa sem esperança, na qual as vidas humanas são expostas sem benefícios reais.
  6. Proporcionalidade – A intervenção militar tem que ter mais benefícios do que perdas.
  7. Discriminação – O uso da força deve ser dirigido apenas contra alvos puramente militares, pois os civis são considerados inocentes.
  8. Proporcionalidade – A força usada não deve ser maior do que a necessária para atingir objetivos moralmente aceitáveis ​​e não deve ser maior que a causa provocadora.
  9. Humanidade – O uso da força não pode ser dirigido contra o pessoal inimigo caso eles forem capturados (os prisioneiros de guerra) ou feridos.[14]

Se analisarmos a campanha militar da OTAN em 1999 em relação aos princípios básicos (acadêmicos) da “guerra justa”, as conclusões fundamentais são:

  1. O governo dos EUA em 1999 não aplicou nenhum esforço diplomático real para resolver a crise do Kosovo, pois Washington simplesmente deu o ultimato político-militar em Rambouillet visando que só um lado do conflito (Sérvia) aceitasse ou não, recorrendo à completa chantagem: 1) Retirar todas as forças militares e policiais sérvias do Kosovo; 2) Entregar a administração do Kosovo às tropas da OTAN; 3) Permitir que as tropas da OTAN transitassem em todo o território sérvio. Em outras palavras, o ponto básico do ultimato americano para Belgrado era que a Sérvia se tornasse voluntariamente uma colônia dos EUA, mas sem a província de Kosovo. Até o presidente dos EUA na época, Bill Clinton, confirmou que a rejeição de Milosevic ao ultimato de Rambouillet foi uma decisão compreensível e lógica. Pode-se dizer que a Sérvia em 1999 fez o mesmo que o Reino da Sérvia em julho de 1914, rejeitando o ultimato austro-húngaro, que também era absurdo e abusivo.[15]
  2. Esse princípio foi totalmente mal utilizado pela administração da OTAN, já que nenhum país da OTAN foi atacado ou ocupado pela Iugoslávia. No Kosovo, naquela época, acontecia uma guerra antiterrorista clássica, lançada pelas autoridades do Estado contra um movimento separatista ilegal, mas totalmente patrocinado neste caso pela vizinha Albânia e a OTAN.[16] Em outras palavras, o segundo princípio da “guerra justa” só pode ser aplicado às operações antiterroristas das autoridades estatais da Sérvia na província do Kosovo contra o ELK e não à intervenção militar da OTAN contra a Iugoslávia.
  3. O princípio da autoridade legítima no caso do conflito do Kosovo de 1998-1999 pode ser aplicado apenas à Sérvia e às suas instituições e autoridades legítimas de Estado, que foram reconhecidas como legítimas pela comunidade internacional e, acima de tudo, pela ONU.
  4. As razões moralmente aceitáveis, oficialmente usadas pelas autoridades da OTAN para justificar sua própria ação militar contra a Iugoslávia em 1999, eram pouco claras e, acima de tudo, não comprovadas e mal utilizadas para propósitos políticos e geoestratégicos. Hoje sabemos que a campanha militar da OTAN não se baseou nas alegações moralmente comprovadas de que ela impediria uma expulsão em massa dos albaneses étnicos das suas casas no Kosovo, uma vez que um número massivo de pessoas deslocadas se deu durante a intervenção militar da OTAN, mas não antes.
  5. As consequências do 5º princípio foram aplicadas seletivamente, pois somente os albaneses do Kosovo se beneficiaram das perspectivas de curto e longo prazo do envolvimento militar da OTAN nos Bálcãs em 1999.
  6. O 6º princípio também se tornou aplicado praticamente somente aos albaneses do Kosovo, o que constituía, de fato, a tarefa final das administrações dos EUA e da OTAN. Em outras palavras, os benefícios da ação foram predominantemente unilaterais. Contudo, partindo dos aspectos geoestratégicos e políticos no longo prazo, a ação foi muito rentável, com um mínimo de perdas para a aliança militar ocidental durante a campanha.
  7. As consequências práticas do 7º princípio se tornaram bastante criticadas, visto que a OTAN obviamente não fazia diferença entre os alvos militares e civis. Além disso, a aliança militar deliberadamente bombardeou muito mais alvos civis e cidadãos não combatentes do que alvos e pessoal militares. Porém, todas as vítimas civis do bombardeamento de todas as nacionalidades foram simplesmente apresentadas pela autoridade da OTAN como um “dano colateral” inevitável, mas, de fato, tratava-se uma clara violação do Direito internacional e de um dos princípios básicos do conceito de “guerra justa”.
  8. O 8º princípio de uma “guerra justa” certamente não foi respeitado pela OTAN, pois a força usada era muito maior que o necessário para alcançar os objetivos proclamados e, acima de tudo, era muito mais forte do que o lado oposto. No entanto, os objetivos moralmente aceitáveis ​​dos policy makers ocidentais foram baseados em “fatos” errados e deliberadamente mal utilizados em relação às vítimas da Guerra do Kosovo entre 1998 e 1999, tal qual aconteceu primordialmente no caso da false flag do “brutal massacre de 45 civis na aldeia de Racak no Kosovo em janeiro de 1999” [17]. Esse caso se tornou um pretexto formal (casus belli) para a intervenção da OTAN. Todavia, sabe-se hoje que aqueles “civis brutalmente massacrados” albaneses eram, de fato, membros do ELK mortos durante uma luta regular, mas não foram executados pelas forças de segurança da Sérvia.[18]
  9. Somente o último princípio de uma “guerra justa” foi respeitado pela OTAN, mas pela simples razão de que não havia soldados capturados do lado adversário. As autoridades sérvias também respeitaram esse princípio, pois todos os dois pilotos capturados da OTAN foram tratados como prisioneiros de guerra de acordo com os padrões internacionais e foram até mesmo libertados logo após a prisão.[19]

 

Conclusões

As conclusões cruciais deste artigo, após a investigação da natureza da intervenção militar “humanitária” da OTAN no Kosovo em 1999, são:

  1. A intervenção militar da OTAN contra a Iugoslávia durante a Guerra do Kosovo em 1998-1999 foi feita principalmente visando fins políticos e geoestratégicos.
  2. A natureza declarativa “humanitária” da operação só serviu como uma estrutura moral formal para a realização dos objetivos genuínos da política dos EUA pós-Guerra Fria nos Bálcãs, cujas diretrizes foram estabelecidas pelos Acordos de Dayton em novembro de 1995.
  3. O governo Bill Clinton usou o terrorista ELK para pressionar e chantagear o governo sérvio para que aceitasse o ultimato de Washington, transformando a Sérvia uma colônia política, militar e econômica visando sua filiação na OTAN no futuro em troca da preservação formal da integridade territorial da Sérvia.
  4. Os governos ocidentais originalmente classificaram o ELK como uma “organização terrorista”, o que deveria significar que sua estratégia de combate de guerrilha, provocando diretamente as forças de segurança da Sérvia, era moralmente inaceitável e não resultaria em apoio diplomático ou militar.
  5. Durante a Guerra do Kosovo em 1998-1999, o ELK basicamente serviu como forças terrestres da OTAN no Kosovo para a desestabilização direta da segurança de Estado sérvia.
  6. O ELK foi militarmente derrotado no início de 1999 pelas forças policiais regulares da Sérvia, mas foi revitalizado pela OTAN durante a campanha de bombardeio de março a junho de 1999.
  7. As missões da OTAN em 1999 tinham como principal objetivo forçar Belgrado a dar a província de Kosovo à administração dos EUA e da União Europeia, a fim de transformá-la na maior base militar dos EUA e da OTAN na Europa.
  8. A intervenção “humanitária” da OTAN em 1999 contra a Iugoslávia violou quase todos os princípios da “guerra justa” e do Direito internacional – uma intervenção que se tornou um dos melhores exemplos na história do pós-Guerra Fria do uso injusto do poder coercivo para propósitos políticos e geoestratégicos e, ao mesmo tempo, um caso clássico de “diplomacia coerciva” usada pelos governos ocidentais.
  9. Cerca de 50 mil tropas da OTAN deslocadas ao Kosovo após 10 de junho de 1999 não cumpriram as tarefas básicas de sua missão: 1) Desmilitarização do ELK, visto que essa formação paramilitar nunca foi devidamente desarmada; 2) Proteção de todos os habitantes do Kosovo, já que, até janeiro de 2001, havia pelo menos 700 cidadãos do Kosovo assassinados por razões étnicas (a maioria deles era sérvia); 3) Estabilidade e segurança da província, uma vez que a maioria dos sérvios e outros não albaneses fugiu da província como consequência da política sistemática de limpeza étnica cometida pelo ELK – uma organização terrorista-criminosa que se encontra no poder no Kosovo desde junho de 1999.
  10. A recompensa dos EUA pela lealdade do ELK foi instalar os membros do Exército nos principais postos governamentais da atual República do Kosovo “independente”, que se tornou o primeiro Estado europeu administrado por líderes de ex-organizações terroristas que, logo após a guerra, iniciaram imediatamente uma política de limpeza étnica de toda a população não albanesa e a islamização da província.
  11. A meta nacional-política final do ELK no poder no Kosovo era incluir essa província em uma Grande Albânia – um projeto político delineado pela Primeira Liga dos Príncipes da Albânia, em 1878-1881, e pela primeira vez realizado durante a Segunda Guerra Mundial.[20]
  12. Provavelmente, a principal consequência da ocupação do Kosovo pela OTAN após junho de 1999 é a destruição sistemática da herança cultural cristã (sérvia) e das características eurocristãs da província, seguidas por sua óbvia e abrangente islamização e, portanto, uma transformação do Kosovo em um novo Estado Islâmico.
  13. O que é preocupante no caso da crise do Kosovo em 1998-1999 é que a primeira e autêntica intervenção “humanitária” foi a das forças de segurança da Sérvia contra o ELK terrorista, a fim de preservar a vida humana dos sérvios étnicos e albaneses anti-ELK na província.
  14. O Pacto de Estabilidade dos Bálcãs, tanto para a Bósnia-Herzegovina como para o Kosovo-Metóquia, tentou subestimar o conceito tradicional de soberania, oferecendo uma possibilidade prática completa de controle administrativo da ONU (na realidade do Ocidente) sobre esses dois antigos territórios iugoslavos.
  15. A intervenção “humanitária” da OTAN em 1999 contra a Iugoslávia violou claramente os reconhecidos padrões internacionais de não intervenção, baseados no princípio da “inviolabilidade das fronteiras”, indo além da ideia de “guerra justa”, segundo a qual a autodefesa é a razão crucial ou, pelo menos, a justificativa formal para o uso da força.
  16. Enquanto a OTAN cumpria declaradamente “a responsabilidade internacional de proteção” (dos albaneses étnicos) bombardeando fortemente a Sérvia (e não tanto Montenegro), contornando o Conselho de Segurança da ONU, é claro que esse esforço terrorista de 78 dias foi contraproducente, “criando mais sofrimento humano de refugiados do que o aliviando”[22].
  17. A questão fundamental hoje relacionada à intervenção “humanitária” no Kosovo é porque os governos ocidentais não estão realizando outra intervenção militar coerciva “humanitária”, após junho de 1999, a fim de evitar mais limpeza étnica e a brutal violação dos direitos humanos contra toda a população não albanesa no Kosovo, mas sobretudo contra os sérvios?
  18. Finalmente, a intervenção militar da OTAN foi vista por muitos construtivistas sociais como um fenômeno de “democracias bélicas”, como uma demonstração de como as ideias da democracia liberal “minam a lógica da teoria da paz democrática”.[23]

Notas

[1] – S. L. Spiegel, J. M. Taw, F. L. Wehling, K. P. Williams, World Politics in a New Era, Thomson Wadsworth, 2004, 319.

[2] – A. Heywood, Global Politics, Nova York: Palgrave Macmillan, 2011, 320.

[3] – Ibid., 319.

[4] – J. Haynes, P. Hough, Sh. Malik, L. Pettiford, World Politics, Harlow: Pearson Education Limited, 2011, 639.

[5] – A resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, de 10 de junho de 1999. As responsabilidades básicas da KFOR eram: 1) Proteger as operações de ajuda humanitária; 2) Proteger toda a população do Kosovo; 3) Criar uma segurança estável na província para que a administração internacional pudesse funcionar normalmente.

[6] – Esse reconhecimento da independência autoproclamada do Kosovo – a partir de um país democrático como a Sérvia – com um regime pró-ocidental basicamente reconheceria a vitória da radical política de limpeza étnica do albanês do Kosovo depois de junho de 1999. Os albaneses de Kosovo começaram suas atrocidades contra os sérvios imediatamente após a assinatura do Acordo de Kumanovo em junho de 1999, quando o ELK retornou ao território juntamente com as tropas terrestres de ocupação da OTAN. Até fevereiro de 2008, havia cerca de 200 mil sérvios expulsos do Kosovo e 1.248 não albaneses que foram mortos, em alguns casos de forma muito brutal. O número de não albaneses sequestrados ainda não é conhecido, mas presumivelmente, a maioria deles foi morta. Havia 151 monumentos espirituais e culturais ortodoxos sérvios no Kosovo destruídos pelos albaneses, além da construção de 213 novas mesquitas com o apoio financeiro da Arábia Saudita. Antes da proclamação da independência do Kosovo, 80% dos cemitérios foram completamente destruídos ou parcialmente profanados pelos albaneses. Sobre o direito do Kosovo à independência, ver [M. Sterio, The Right to Self-Determination under International Law: “Selfistans”, Secession, and the Rule of the Great Powers, Nova York – Londres: Routledge, Taylor & Francis Group, 2013, 116-129]. Na secessão do ponto do direito internacional, ver [M. G. Kohen, Secession: International Law Perspectives, Nova York: Cambridge University Press, 2006].

[7] – T. Burghardt, “Kosovo: Europe’s Mafia State. Hub of the EU-NATO Drug Trai”, 22-12-2010, http://www.globalresearch.ca/kosovo-europe-s-mafia-state-hub-of-the-eu-nato-drug-trail/ 22486

[8] – J. Haynes, P. Hough, Sh. Malik, L. Pettiford, World Politics, Harlow: Pearson Education Limited, 2011, 588.

[9] – Sobre a “paz justa”, veja [P. Allan, A. Keller (eds.), What is a Just Peace?, Oxford-Nova York: Oxford University Press, 2006].

[10] – De acordo com as fontes oficiais ocidentais, até 90% da população albanesa do Kosovo se tornou refugiada durante a intervenção militar da OTAN. Portanto, deve ser o maior deslocamento dos civis na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, todos esses refugiados albaneses são inquestionavelmente considerados “expulsos” de suas casas pelas forças de segurança da Sérvia e pelo Exército iugoslavo.

[11] – Por exemplo, na Operação Medak Pocket, em 9 de setembro de 1993, foram mortos cerca de 80 civis sérvios pelas forças croatas [В. Ђ. Мишина (уредник), Република Српска Крајина: Десет година послије, Београд: Добра воља Београд de 2005, 35], em que serviam também albaneses do Kosovo.

[12] – A guerra “partisan” ou “guerrilheira” é travada por tropas irregulares, usando principalmente táticas que se ajustam às características geográficas do terreno. A característica crucial das táticas da guerra partisan é que ela usa mobilidade e surpresa, mas não batalhas diretas com o inimigo. Normalmente, os civis pagam um preço mais alto no curso da guerrilha. Em outras palavras, é “guerra conduzida por soldados irregulares ou guerrilheiros, geralmente contra forças uniformizadas regulares, empregando a tática “bater e correr”, emboscada e outras táticas que permitem que um número menor de guerrilheiros vença batalhas contra forças regulares numericamente superiores, muitas vezes fortemente armadas “[P. R. Viotti, M. V. Kauppi, International Relations and World Politics: Secularity, Economy, Identity, Harlow: Pearson Education Limited, 2009, 544]. No que diz respeito à Guerra do Kosovo em 1998-1999, a reconstrução da estratégia da guerrilha albanesa é a seguinte:

“Uma patrulha da polícia está passando por uma aldeia, quando um tiroteio repentino é desferido e alguns policiais são mortos e feridos. A polícia devolve o fogo, e o desenvolvimento posterior depende da força da unidade rebelde envolvida. Se a aldeia parece bem protegida e existe risco de ataque por unidades comuns, estas últimas deixam de lutar e pedem apoio adicional. O ataque chega geralmente como uma unidade paramilitar, que lança uma contra-investida” [p. V. Grujić, Kosovo Knot, Pittsburgh, Pensilvânia: RoseDog Books, 2014, 193].

[13] – A “guerra justa” é considerada uma guerra que tem o propósito de satisfazer certos padrões éticos e, portanto, é (alegadamente) moralmente justificada.

[14] – A. Heywood, Global Politics, Nova York: Palgrave Macmillan, 2011, 257.

[15] – Радојевић, Љ. Димић, Србија у Великом рату 1914−1915, Београд: Српска књижевна задруга − Београдски форум за свет равноправних, 2014, 94−95.

[16] – Por exemplo, a Albânia forneceu armas aos separatistas albaneses de Kosovo em 1997, quando cerca dessas 700 mil armas foram “roubadas” dos armazéns do Exército albanês pela máfia albanesa, mas a maioria dessas armas chegou exatamente ao vizinho Kosovo. Os membros do ELK foram treinados na Albânia com a ajuda de instrutores militares da OTAN e depois enviados para o Kosovo.

[17] – R. J. Art, K.N. Waltz (eds.), The Use of Force: Military Power and International Politics, Lanham-Boulder-New York-Toronto-Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2004, 257.

[18] – В. Б. Сотировић, Огледи из југославологије, Виљнус: приватно издање, 2013, 19−29.

[19] – Sobre a intervenção “humanitária” da OTAN na Iugoslávia em 1999, veja mais em [G. Szamuely, Bombs for Peace: NATO’s Humanitarian War on Yugoslavia, Amsterdã: Amsterdam University Press, 2013].

[20] – Uma Grande Albânia como um projeto é “previsto para abranger uma área de cerca de 90 mil quilômetros quadrados (36 mil milhas quadradas), incluindo Kosovo, Grécia, Macedônia, Sérvia e Montenegro” [J. Haynes, P. Hough, Sh. Malik, L. Pettiford, World Politics, Harlow: Pearson Education Limited, 2011, 588].

[21] – R. Johnson, “Reconstruindo os Bálcãs: Os efeitos de uma abordagem de governança global”, M. Lederer, P. Müller (eds.), Criticizing Global Governance, Nova York: Palgrave Macmillan, 2005, 177.

[22] – A. F. Cooper, J. Heine, R. Thakur (eds.), The Oxford Handbook of Modern Diplomacy, Oxford-New York: Oxford University Press, 2015, 766.

[23] – J. Haynes, P. Hough, Sh. Malik, L. Pettiford, World Politics, Harlow: Pearson Education Limited, 2011, 225.

* O Dr. Vladislav B. Sotirović é fundador e diretor do Centro de Pesquisa Privada “A Política Global” (www.global-politics.eu), em Ovsište, na Sérvia.

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