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Promova Michael Parenti, não Slavoj Zizek

A vida acadêmica raramente está disponível para quem fornece ideias perigosas ou para a defesa de uma versão de Marx que clama por mudanças revolucionárias.
por Greg Godels | Morning Star – Tradução de Gabriel Deslandes para a Revista Opera (Foto: Mariana Costa / UnB)
(Foto: Mariana Costa/UnB)

O Google sabe que tenho um interesse permanente no marxismo. Consequentemente, recebo frequentemente links direcionados para artigos que os algoritmos do Google selecionam como populares ou influentes. Consistentemente no topo da lista estão artigos de ou sobre o irreprimível Slavoj Zizek.

Zizek dominou os truques de um intelectual popular – divertido, pomposo, escandaloso, calculadamente obscuro e educado. A pose desgrenhada e a barba se somam a uma quase caricatura do professor europeu, presenteando o mundo com grandes ideias profundamente enraizadas em camadas de obscurantismo – uma maneira infalível de demonstração de profundidade. E uma maneira infalível de promover o valor de entretenimento comercial de alguém.

Seguidores próximos do “mestre” até postam vídeos de Zizek devorando cachorros-quentes – um em cada mão! Ele está atualmente lucrando com um debate público tendo como contraparte um tagarela desimportante da direita, que, dizem alguns, cobra preços obscenos pelos ingressos para assisti-lo. O marxismo como empreendedorismo.

Zizek é uma das mais recentes iterações de uma longa linhagem de acadêmicos europeus que se constroem como modestas celebridades a partir de uma identificação com o marxismo ou a tradição marxista. De Sartre e o existencialismo, passando pelo estruturalismo, pós-modernismo, pós-essencialismo, pós-fordismo e políticas identitárias, os acadêmicos se apropriaram de pedaços da tradição marxista e reivindicaram repensar essa tradição, mantendo uma distância segura e medida de qualquer movimento marxista. Eles são marxistas ao atraírem uma audiência, mas raramente respondem ao chamado à ação.

O curioso sobre esse marxismo intelectual, esse salão diletante do marxismo, é que ele nunca é completo – é o marxismo com sérias ressalvas. O marxismo é bom se for o Marx “primitivo”, o Marx “humanista”, o Marx “hegeliano”, o Marx dos Grundrisse, o Marx sem Engels, o Marx sem a classe trabalhadora, o Marx antes do bolchevismo, ou antes do comunismo. Compreensivelmente, se você quer ser o próximo grande encantador de Marx, deve se separar da manada, deve repensar o marxismo, redescobrir o Marx “real”, localizar onde Marx errou.

Gerações anteriores de estudantes universitários bem-intencionados, mas confusos, foram seduzidos por pensadores “radicais” que oferecem um gostinho de rebeldia em um pacote acadêmico sexy. Pacotes de livros de estudantes continham livros não lidos, mas da moda de autores como Marcuse, Althusser, Lacan, Deleuze, Laclau, Mouffe, Foucault, Derrida, Negri e Hardt – autores que compartilhavam como características comuns títulos de livros provocativos e exóticos e prosa impenetrável. Livros que prometiam muito, mas entregavam a obscuridade.

Com uma nova geração de jovens de mentalidade radical buscando alternativas ao capitalismo e curiosos sobre o socialismo, é inevitável que muitos estejam olhando para Marx. E para onde eles se dirigem?

Um professor de Yale abertamente oferece uma cartilha útil, apresentada na Jacobin Magazine, intitulada “Como ser um marxista”. O professor Samuel Moyn é atualmente o professor Henry R Luce de Jurisprudência. Aparentemente, Moyn não se sente desconfortável em assumir uma cadeira herdada por um dos mais notórios editores anticomunistas e antimarxistas do país, enquanto apresenta um guia sobre marxismo.

A presunção de Moyn para guiar o desconhecimento acerca do marxismo não é justificada nem explicada. Contudo, ele se sente confiante em recomendar dois acadêmicos recentemente falecidos, Moishe Postone e Erik Olin Wright (juntamente com o ainda vivo Perry Anderson), como representantes da “última geração de grandes intelectuais cujas experiências dos anos 1960 os levaram a adotar um trabalho de recuperação e reimaginação do marxismo.”

Confesso que sua escolha de Moishe Postone me deixou desconcertado. Será que eu ficaria constrangido em dizer que nunca conheci o trabalho do professor Postone como marxista? Quando encontrei uma entrevista no YouTube com o estimado professor Postone, descobri rapidamente que ele nega enfaticamente e sem reservas ser marxista. Além disso, Postone afirma que a maior parte do que chamamos de marxismo foi escrita por Friedrich Engels. Postone admite que Engels era “um cara realmente bom”, mas Engels nunca entendeu Marx direito. Postone, por outro lado, entendeu. E seu Marx não “glorifica” a classe trabalhadora industrial.

Estou, todavia, familiarizado com o outro alegado exemplo de “grande devoção intelectual” ao marxismo, Erik Olin Wright. Wright foi um membro de longa data e proeminente da chamada escola do “marxismo analítico”. Wright, como os outros integrantes desse movimento intelectual, tentou colocar o marxismo em uma base “legítima”, na qual a legitimidade era obtida submetendo o marxismo aos rigores da ciência social anglo-americana convencional.

A concepção de que a ciência social anglo-americana é despida de falhas ou que não tem nada a aprender com o método de Marx nunca é questionada por essa camarilha. Porém, para crédito de Wright, ele lutou fortemente para entender o conceito de classe social.

A fim de “salvar a esquerda de ficar presa de novo em vários becos sem saída”, o professor Moyn recomenda o último livro de seu “colega brilhante”, Martin Hagglund. Moyn nos assegura que “Esta Vida: Fé Secular e Libertação Espiritual’ é um excelente começo para aqueles que querem energizar a teoria do socialismo, ou mesmo construir a sua própria teoria como uma variante marxista dela”.

Pois demora apenas um breve momento para perceber que Martin Hagglund e seu admirável colega também estão nos levando para outros becos sem saída, os mesmos que foram trilhados por muitas gerações anteriores. A jornada de Hagglund revisitaria o existencialismo, as tradições hegelianas e cristãs em busca do elusivo “significado da vida”.

Embora muitos de nós pensássemos que Marx oferecia uma análise profundamente informada da mudança social e da justiça social, Moyn/Hagglund, seguindo Postone, apresentaram os “últimos questionamentos que qualquer um deveria fazer: que trabalho devo exercer? Como devo gastar meu tempo finito?”. Eles respondem: acumulando contrastes do capital e “maximizando o tempo livre de cada indivíduo para ele gastar como quiser…”. Assim, a luta pela emancipação, nesse repensar do marxismo, não é a emancipação da classe trabalhadora, mas o arrancar do tempo livremente descartável das garras do trabalho.

Os professores admitem que essa luta é muito mais fácil para os acadêmicos do que para os “miseráveis ​​da Terra”.

“E finalmente”, conclui Moyn, “há a proposta de Hagglund de que os marxistas podem abandonar o comunismo – que, em qualquer caso, Marx descreveu vagamente – em favor da democracia. Não está totalmente claro o que Hagglund quer dizer com democracia, algo que nem o próprio Marx nem muitos marxistas escolheram seguir teoricamente”. Então, Hagglund destila o “marxismo” em uma rejeição ao comunismo e um abraço de uma vaga “democracia”.

Eu teria que concordar com Moyn: “De fato, é notável como o pouco que as pessoas têm feito em relação à teoria marxista equivale à tentativa de Hagglund de ‘reiniciá-la para o nosso tempo’”. Aparentemente, o segredo, agora revelado, para alguém se tornar marxista é descartar Marx. Tal qual tantos autoproclamados “marxistas” que vieram antes de Postone, Hagglund e Moyn, sua intenção parece ser mais defraudar o marxismo do que promovê-lo.

Ideias perigosas

A verdade nua e crua é que o marxismo – desde a época da censura de Marx e de suas múltiplas expulsões de diferentes países – é uma ideia perigosa. A incapacidade de Marx de garantir nomeações acadêmicas e sua constante vigilância e assédio por parte das autoridades provaram ser um prenúncio do destino de quase todos os intelectuais marxistas autênticos.

O capitalismo não dá honra acadêmica ou status de celebridade àqueles que defendem sua destruição. E aqueles “marxistas” que se tornam aclamados como acadêmicos, que obtêm lucrativos negócios com seus livros, que desfrutam da exposição na mídia, raramente representam uma grande ameaça ao sistema.

É um fato revelador que, embora a história tenha produzido muitos marxistas “orgânicos”, marxistas com raízes na classe trabalhadora e em movimentos que desafiam o capitalismo, suas contribuições raramente povoam as bibliografias de professores universitários, a menos que seja para serem ridicularizadas. O emprego universitário raramente está disponível para fornecedores de ideias perigosas ou para a defesa de uma versão de Marx que clama por mudanças revolucionárias.

Um historiador marxista como o falecido Herbert Aptheker, que fez mais do que qualquer outro intelectual para desafiar a representação distorcida do benigno Sul dos EUA presente em O Nascimento de uma Nação (1915) e E o Vento Levou (1939) e suas defesas heroicas de um estilo de vida nobre, não conseguiu encontrar trabalho nas universidades americanas. De fato, foi necessário um movimento de liberdade de expressão para permitir que ele falasse nos campi dos EUA. Seus livros desapareceram de circulação e poucos estudantes de história afro-americana estão expostos às suas contribuições.

Ninguém elaborou uma historiografia do movimento trabalhista americano capaz de rivalizar com os 10 volumes de História do movimento trabalhista nos EUA, do marxista Philip Foner. Os cinco volumes de Foner A vida e os escritos de Frederick Douglass restabeleceram Douglass como uma figura proeminente na Abolição da Escravidão nos EUA. Uma universidade historicamente negra, a Lincoln University, contratou corajosamente a Foner após anos de listas negras. Infelizmente, suas obras são hoje amplamente ignoradas nas áreas em que ele foi pioneiro.

As contribuições sérias de muitos outros intelectuais marxistas americanos podem ser encontradas em edições passadas de publicações como Science and Society, Political Affairs, Masses & Mainstream e Freedomways, descansando em prateleiras de bibliotecas fora de mão acumulando poeira, prejudicadas pelo macarthismo, listas negras, covardia acadêmica e anticomunismo flagrante.

As portas e o discurso público da academia e dos meios de comunicação de massa foram igualmente fechadas aos marxistas da classe trabalhadora (a menos que renunciem a seus pontos de vista).

Apesar de sua liderança nos movimentos da classe trabalhadora e de sua escrita prolífica, os trabalhos do marxista William Z Foster sobre organização, estratégia e táticas trabalhistas e economia política são amplamente esquecidos, a menos que reapareçam como o pensamento de outra pessoa.

Outras figuras marxistas-chave responsáveis pela análise de alguns dos melhores momentos trabalhistas, como Len De Caux e Wyndham Mortimer, são negadas como membros do clube. Da mesma forma, os pioneiros marxistas nos movimentos de igualdade dos negros e das mulheres, como Benjamin Davis, William Patterson e Claudia Jones, não são aclamados como tais, nem apresentados como exemplos de “Como ser um marxista”. O trabalho do economista político marxista Victor Perlo em identificar os maiores ganhos do capital financeiro e a economia do racismo estão curiosamente ausentes de qualquer conversa acadêmica relevante.

O que todos esses marxistas compartilham é uma vida política militante no Partido Comunista dos EUA, um distintivo de dar orgulho, mas denegrido pela maioria dos intelectuais americanos.

Os melhores redatores da venerável revista Monthly Review sofrem a mesma marginalização. Seus fundadores já estavam ameaçando o suficiente para serem vitimados pelo perigo vermelho. E o co-fundador Paul Sweezy, um sério economista político marxista, nunca foi entusiasticamente recebido em círculos acadêmicos.

Hoje, Michael Parenti é o mais perigoso intelectual marxista dos EUA. Eu sei disso porque, apesar de incontáveis ​​livros, vídeos e palestras, apesar de um compromisso intransigente com uma interpretação marxista da história e dos eventos atuais, apesar de um profundo, mas raciocinado ódio ao capitalismo, e apesar de um estilo admiravelmente acessível e com grandes ideias, ele está desempregado nas universidades e tem acesso negado a todas, com exceção da mídia mais esquerdista ou marginal.

Outro impressionante estudioso marxista dos EUA, Gerald Horne, embora desfrutando de estabilidade acadêmica, merece ser estudado por todos os “esquerdistas” nos EUA pela integridade, acessibilidade e qualidade de seu trabalho.

O marxismo autêntico, em oposição ao marxismo da moda ou na moda, é implacável, agressivo e inspirador de ação. Ele disseca diligentemente o funcionamento interno do sistema capitalista. É implacável e impiedoso em sua rejeição ao capitalismo. Desafia o pensamento convencional, fazendo poucos amigos na imprensa capitalista e abalando a gentileza e a colegialidade do liberalismo acadêmico.

O marxismo não é uma mudança de carreira, mas um compromisso ingrato. Os marxistas reais são necessariamente isolados. Até que as condições para as mudanças revolucionárias amadureçam, eles são frequentemente sujeitos ao ceticismo, desinteresse, até escárnio e hostilidade. Os poseurs marxistas são alérgicos a organizações políticas, ativismo e risco intelectual, enquanto marxistas comprometidos são obrigados a buscar e unir movimentos de mudança; eles são levados a servir à citada 11ª tese de Marx, mencionada sobre Feurbach: “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo”.

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