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Norte ou Sul: Que Coreia enfrenta uma “crise alimentar”?

No sentido contrário das narrativas hegemônicas, a Coreia do Norte tem 93,67% de autossuficiência em grãos, a Coreia do Sul apenas 23,1%.
por Zoom in Korea | Tradução de Gabriel Deslandes para a Revista Opera
(Foto: Stephan/ Flickr)

Considere essas perguntas simples: Qual lado produz maior rendimento de safras agrícolas – Coreia do Norte ou do Sul? Qual lado dispõe da maior autossuficiência em grãos? Qual lado tem maior consumo de alimentos per capita?

Para sua referência, a população do Norte, em dezembro de 2013, era de 24,8 milhões. A população do Sul, a partir de julho de 2013, era de 51,06 milhões. Se pensarmos em imagens de pessoas norte-coreanas morrendo de fome ou sofrendo de desnutrição, como já foram divulgadas pela mídia e por funcionários dos governos sul-coreano e americano, a resposta pode parecer simples. Com base nessas imagens, você pode dizer que a produção agrícola, a autossuficiência de grãos e o consumo per capita de alimentos da Coreia do Sul certamente devem exceder em muito os do Norte.

Porém, se sua resposta é essa, bem, você provavelmente foi enganado pela propaganda manipuladora. A realidade é exatamente o oposto.

Na verdade, o Norte tem uma produção agrícola superior à do Sul, embora o Sul tenha o dobro da população. O rendimento anual estimado da colheita da Coreia do Norte é de 5.030.000 toneladas. O rendimento da safra de 2013 da safra do Sul foi de 4.833.148 toneladas. A autossuficiência de grãos do Norte é de 93,67%, enquanto a do Sul é de apenas 23,1%. O consumo de alimentos per capita é de 174 kg no Norte e 126,7 kg no Sul. A média per capita diária é de 476g no Norte e 347g no Sul.

Produção de alimentos da Coreia do Norte, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e o Programa Alimentar Mundial

É impossível saber a produção agrícola exata da Coreia do Norte. Isso porque o governo norte-coreano não divulga dados oficiais sobre sua produção agrícola para o mundo externo. Os números mais utilizados pelo mundo exterior sobre o rendimento das colheitas norte-coreanas são estimativas fornecidas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Programa Alimentar Mundial da ONU (PMA). Todos os anos, a FAO/PMA publica o Relatório Especial: Missão de Avaliação de Segurança Alimentar e Agrícola da FAO/PMA para a República Popular Democrática da Coreia.

A Missão de Avaliação das Culturas e do Abastecimento Alimentar da FAO/PMA (CFSAM), que produz o relatório especial, visitou 51 cooperativas em 27 distritos em uma missão de averiguação na Coreia do Norte de 27 de setembro a 11 de outubro de 2013. Por meio de visitas in loco, a CFSAM verificou a queda do rendimento da safra no país em 2013 e fez projeções para sua produção agrícola no inverno/primavera de 2014 a fim de elaborar e divulgar estimativas sobre o rendimento da safra norte-coreano entre 2013 e 2014 (novembro a outubro).

De acordo com o relatório especial da FAO/PMA, o rendimento da safra da Coreia do Norte 2013-2014 (novembro a outubro) foi de 5,03 milhões de toneladas (grãos moídos). Por tipo de cultura, são 1,915 milhões toneladas de arroz branco, 2,247 milhões toneladas de milho, 105 mil toneladas de trigo/cevada, 66 mil toneladas de outros cereais, 501 mil toneladas de batata e 196 mil toneladas de soja.

De acordo com a FAO/PMA, enquanto a produção total norte-coreana é de 5,03 milhões de toneladas, a demanda total do país é de 5,37 milhões de toneladas. A Coreia do Norte enfrenta uma escassez de safras, portanto, de 340 mil toneladas. Expresso em termos de autossuficiência em grãos, sua relação produção/demanda é de 93,67%. A FAO/PMA afirma que a Coreia do Norte é capaz de compensar 300 mil toneladas de sua escassez por meio da importação comercial e, portanto, requer 40 mil toneladas de ajuda internacional.

As estimativas da safra agrícola da Coreia do Norte 2013/2014 revelam que o país se recuperou do período de Árdua Marcha da década de 1990 e início de 2000, quando as inundações e outros desastres naturais causaram sérios danos às colheitas anuais, e que sua situação alimentar se estabilizou ao nível de autossuficiência. Segundo as estimativas da FAO/PMA, a produção de colheitas alimentares da Coreia do Norte aumentou de forma constante nos últimos anos, de 4,25 milhões de toneladas em 2010/2011 para 4,45 milhões de toneladas em 2011/2012 e 4,844 milhões de toneladas em 2012/2013. O rendimento atual é o dobro de seu recorde mais baixo de 2,6 milhões de toneladas em 1996.

Na sua “Avaliação Internacional de Segurança Alimentar, 2014-2024”, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estima a escassez de alimentos norte-coreana em 70 mil toneladas. Também concluiu que a escassez na Coreia do Norte – 1 milhão de toneladas em 2010, 810 mil toneladas em 2012 e 440 mil em 2013 – está claramente em declínio.

Produção vegetal e autossuficiência da Coreia do Sul

O rendimento de safra da Coreia do Sul em 2013, divulgado pelo Escritório Nacional de Estatística da Coreia do Sul (NSO) em 18 de junho de 2014, foi de 4.833.148 toneladas. A Coreia do Sul produziu 4,23 milhões de toneladas de arroz, o que representa a maior proporção de sua produção total. Também produziu 247 mil toneladas de batatas, 172 mil toneladas de feijão, 87 mil toneladas de cevada/trigo e 95 mil de vários cereais, como painço e milho.

A Coreia do Sul produziu 6,99 milhões de toneladas de cultivos em 1985 e 6,2 milhões de toneladas em 2001. Porém, devido à liberalização do mercado e ajustes estruturais, a indústria agrícola da Coreia do Sul entrou em colapso, e seu rendimento anual caiu continuamente. De 5,55 milhões de toneladas em 2009, declinou para 4,83 milhões de toneladas em 2010, 4,77 milhões de toneladas em 2011 e 4,56 milhões de toneladas em 2012.

A safra da Coreia do Sul é extremamente insuficiente em relação à sua taxa de consumo. A demanda total do país a cada ano é de 20,8 milhões de toneladas, mas produz apenas 4.833.148 toneladas, de modo que requer 16 milhões de toneladas em importações estrangeiras. A autossuficiência de grãos da Coreia do Sul, segundo o NSO, é de 23,1%, e também está em declínio – de 80,5% em 1970 para 43% em 1990 e 31,4% em 1998.

A autossuficiência em arroz foi de 83,2% em 2011, 86,1% em 2012, 89,2% em 2013, mas a projeção era para despencar após a liberalização do mercado de arroz em 2015. De acordo com um relatório do Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais divulgado em 15 de abril de 2013, a autossuficiência da Coreia do Sul em cevada em 2011 foi de 22,3%, feijão 7,9%, trigo 1% e milho apenas 0,9%.

Batalhas por água e comida

Segundo o relatório especial acima mencionado da FAO/PMA, o consumo médio anual per capita de alimentos na Coreia do Norte é de 174 kg. A projeção da FAO para o consumo global de alimentos per capita no período 2013/2014 foi de 151,7 kg. No caso da China, sua dieta nutricional nacional, divulgada em janeiro de 2014, sugere um consumo anual de alimentos per capita de 135 kg. E no caso da Coreia do Sul, segundo o NSO, sua taxa de consumo per capita de alimentos em 2011 foi de 126,7 kg. A média diária per capita é de 476 g no Norte e de 346 g no sul.

Como podemos ver, o Norte consome mais alimentos per capita do que o Sul, mas o relatório especial da FAO/PMA conclui incongruentemente que um grande número de norte-coreanos está sofrendo de desnutrição. Além de elevar o rendimento agrícola para um nível de autossuficiência, a Coreia do Norte está concentrando seus esforços no desenvolvimento e aumento da produção em outras fontes de alimentos, como vegetais, frutas, carnes e peixes. Construiu estufas e pomares em grande escala, bem como complexos pecuários, e está expandindo sua indústria pesqueira. Todos esses esforços parecem ter como objetivo diversificar a dieta dos habitantes do país e melhorar a qualidade nutricional.

O Sul, pelo contrário, enfrenta uma situação precária com uma taxa de autossuficiência alimentar de somente 23,1%. A liberalização do mercado agrícola está ocorrendo em ritmo acelerado, enquanto a produção agrícola e as taxas de autossuficiência alimentar continuam a cair. A indústria agrícola do Sul está morrendo rapidamente, e a autossuficiência alimentar e a segurança declinam. Como resultado, o país está indefeso diante da agroinflação, ou seja, o aumento dos preços dos alimentos e do custo de vida como resultado das condições globais do mercado de grãos e da tirania dos gigantes transnacionais do agronegócio.

Alguns profetizam que as guerras do futuro serão sobre comida. “Batalhas por água e comida entrarão em erupção nos próximos cinco a dez anos”, previu o ex-presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, em abril de 2014. Se uma guerra alimentar estourar ou uma crise global impedir importações de alimentos, é a Coreia do Sul – não a do Norte – a mais propensa a enfrentar uma crise alimentar que poderia levar à fome em massa.

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