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Por trás da narrativa televisiva sobre Hong Kong, Washington apoia o nativismo e a violência

O ressentimento xenófobo tem definido a sensibilidade dos manifestantes, que prometem “retomar Hong Kong” dos chineses.
por Dan Cohen* | The Grayzone Project – Tradução de Gabriel Deslandes
(Foto: Studio Incendo)

O presidente Donald Trump tuitou no dia 13 de agosto que “não consegue imaginar por que razão” os Estados Unidos estão sendo responsabilizados pelos protestos caóticos que tomaram conta de Hong Kong.

A confusão de Trump pode ser compreensível, considerando a narrativa cuidadosamente administrada pelo governo dos EUA e seu aparato de mídia não oficial, que tem retratado os protestos como uma expressão orgânica de uma base juvenil “pró-democracia”. Entretanto, um olhar mais profundo sobre esse roteiro simplista, escrito especialmente para a televisão, revela uma rede ferozmente antichinesa por trás das manifestações, cultivada com a ajuda de milhões de dólares do governo americano, bem como de um magnata de mídia local ligado a Washington

Desde março, protestos estridentes tomaram conta de Hong Kong. Em julho e agosto, essas manifestações se transformaram em horrendas exibições de xenofobia e de violência popular.

Os protestos começaram ostensivamente em oposição a uma proposta de emenda à lei de extradição entre Hong Kong, Taiwan, China continental e Macau, que permitiria que autoridades taiwanesas processassem um cidadão de Hong Kong por, durante suas férias em Taiwan, assassinar sua namorada grávida e jogar seu corpo no mato.

Redes altamente organizadas de manifestantes anti-China se mobilizaram rapidamente contra a lei, obrigando a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, a suspender o projeto.

Contudo, os protestos continuaram mesmo depois que a lei de extradição foi retirada da pauta – e essas manifestações degeneraram em cenas perturbadoras. Nos últimos dias, centenas de manifestantes mascarados ocuparam o aeroporto de Hong Kong, forçando o cancelamento de voos enquanto assediavam viajantes e agrediam violentamente jornalistas e policiais.

 

Os objetivos declarados dos manifestantes continuam sendo vagos. Joshua Wong, uma das figuras mais conhecidas do movimento, fez um apelo para que o governo chinês “retratasse sua proclamação de que os protestos seriam distúrbios” e reafirmou a demanda consensual por sufrágio universal.

Wong é um jovem de 22 anos de óculos que foi alardeado na mídia ocidental como um “defensor da liberdade”, promovido no mundo anglófono por meio de seu próprio documentário da Netflix e recompensado com o apoio do governo dos EUA.

Porém, por trás dos porta-vozes telegênicos como Wong, estão elementos mais extremistas, como o Partido Nacional de Hong Kong, cujos membros participaram de protestos agitando a bandeira americana e cantando versões cacofônicas do Star-Spangled Banner. Os líderes desse partido oficialmente banido ajudaram a popularizar o apelo pela independência total de Hong Kong, um objetivo radical que é música para os ouvidos dos radicais em Washington.

O ressentimento xenófobo tem definido a sensibilidade dos manifestantes, que prometem “retomar Hong Kong” dos chineses, que são retratados como uma horda de gafanhotos. Os manifestantes adotaram até um dos símbolos mais amplamente conhecidos da alt-right, estampando Pepe, o Sapo, em seus folhetos de protesto. Embora não esteja claro se os moradores de Hong Kong veem Pepe da mesma maneira que os nacionalistas brancos americanos, os membros da extrema-direita dos EUA abraçaram o movimento de protesto como se fossem seu e até mesmo se juntaram pessoalmente a suas fileiras.

Entre os principais influenciadores das manifestações, está um magnata local chamado Jimmy Lai. Autodescrito “chefe da mídia opositora”, Lai é amplamente referenciado como o Rupert Murdoch da Ásia. Para as massas de manifestantes, Lai é uma figura transcendente. Eles clamam por fotos com ele e aplaudem o oligarca freneticamente quando ele passa por seus acampamentos.

Lai estabeleceu suas credenciais despejando milhões de dólares nos protestos do Occupy Central de 2014, conhecidos popularmente como o Movimento dos Guarda-Chuvas. Desde então, ele gastou sua enorme fortuna para financiar agentes políticos e agitadores anti-China enquanto injetava nos protestos uma marca virulenta de sinofobia por meio de seu império midiático.

 

Embora a mídia ocidental tenha descrito os manifestantes de Hong Kong como a voz de todo um povo ansioso por liberdade, a ilha se encontra profundamente dividida. Em agosto deste ano, um grupo de manifestantes se manifestou do lado de fora da casa de Jimmy Lai, denunciando-o como um “cão de corrida” de Washington e acusando-o de traição nacional ao promover o caos na ilha.

 

Dias antes, Lai estava em Washington, em coordenação com membros da linha-dura da equipe de segurança nacional de Trump, incluindo John Bolton. Seus laços com Washington são profundos – assim como os dos líderes da linha de frente dos protestos.

Milhões de dólares fluíram a partir de projetos de mudança de regime dos EUA, como a National Endowment for Democracy (NED), para a sociedade civil e organizações políticas que formam a espinha dorsal da mobilização anti-China. E Lai a suplementou com sua própria fortuna enquanto instruía taticamente os manifestantes por meio de seus vários órgãos de mídia.

Com Donald Trump na Casa Branca, Lai está convencido de que seu momento pode estar no horizonte. Trump “entende os chineses como nenhum presidente entendeu”, disse o magnata ao Wall Street Journal. “Eu acho que ele é muito bom em lidar com gângsteres.”

“Parem a invasão ilimitada de mulheres grávidas do continente!”

Nascido no continente em 1948 de pais ricos, cuja fortuna foi expropriada pelo Partido Comunista durante a Revolução no ano seguinte, Jimmy Lai começou a trabalhar aos nove anos de idade, carregando bolsas para os viajantes de trem durante os duros anos da Grande Fome Chinesa.

Inspirado pelo sabor de um pedaço de chocolate presenteado a ele por um homem rico, Lai decidiu emigrar clandestinamente para Hong Kong para descobrir um futuro de riqueza e luxo. Lá, Lai ascendeu no ramo da indústria têxtil, ficando enamorado das teorias libertárias dos economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman – deste último se tornou seu amigo íntimo.

Friedman é famoso por desenvolver a doutrina neoliberal da Terapia de Choque que os EUA impuseram a vários países, resultando na mortes de milhões de pessoas. De sua parte, Hayek é o padrinho econômico da Escola Austríaca que forma a base dos movimentos políticos libertários em todo o Ocidente.

Lai construiu seu império de negócios com a Giordano, marca de roupas que se tornou uma das mais reconhecidas da Ásia. Em 1989, ele jogou seu peso por trás dos protestos da Praça da Paz Celestial, vendendo camisetas pelas ruas de Pequim pedindo que Deng Xiaoping “renunciasse”.

As ações de Lai provocaram o governo chinês a proibir sua empresa de operar no continente. Um ano depois, ele fundou a revista Next Weekly, iniciando um processo que revolucionaria os meios de comunicação como um todo em Hong Kong, com uma mistura de jornalismo obsceno no estilo tabloide, fofocas de celebridades e uma forte dose de campanha anti-China.

O barão ferozmente anticomunista logo se tornou o líder da mídia de Hong Kong, que valia US$ 660 milhões em 2009. Hoje, Lai é o fundador e acionista majoritário da Next Digital, a maior empresa de mídia sediada em Hong Kong, usada por ele para agitar o fim do que ele chama de “ditadura chinesa”.

Sua principal saída é o popular tabloide Apple Daily, que mistura peças comerciais com uma dose pesada de propaganda nativista e xenófoba. Em 2012, o Apple Daily publicou um anúncio de página inteira mostrando os chineses do continente como gafanhotos invasores que drenavam os recursos de Hong Kong. O anúncio pedia a interrupção da “invasão ilimitada de mulheres grávidas do continente para Hong Kong”. (Essa era uma referência grosseira às cidadãs chinesas que migraram para a ilha durante o período de gravidez para garantir que seus filhos pudessem ganhar residência em Hong Kong e se assemelhava ao ressentimento da direita norte-americana com os “bebês âncora” imigrantes.)

Anúncio no Apple Daily de Lai: “Já basta! Parem a invasão ilimitada de mulheres grávidas do continente!”

A transformação da economia de Hong Kong forneceu solo fértil para a marca de demagogia de Lai. Como a base manufatureira do país se mudou para a China continental após os anos dourados dos anos 1980 e 1990, a economia da cidade foi rapidamente financeirizada, enriquecendo oligarcas como Lai. Abandonada com o aumento da dívida e com perspectivas reduzidas de carreira, a juventude de Hong Kong se tornou presa fácil para a política demagógica do nativismo.

Muitos manifestantes foram vistos agitando a bandeira do Reino Unido na semana passada, expressando um anseio por um passado imaginário sob controle colonial que eles pessoalmente nunca experimentaram.

Em julho, manifestantes vandalizaram o Escritório de Ligação de Hong Kong, pichando com spray a palavra “Shina” em sua fachada. Esse termo é um insulto xenófobo utilizado em Hong Kong e Taiwan para se referir à China continental. O fenômeno antichinês também foi visível durante os protestos do Movimento dos Guarda-Chuvas de 2014, com cartazes em toda a cidade dizendo “Hong Kong para hong-kongueses”.

 

Neste mês, os manifestantes voltaram sua fúria contra a Federação de Sindicatos de Hong Kong, pichando “desordeiros” em seu escritório. O ataque é uma demonstração de ressentimento contra o papel da federação durante o violento levante de esquerda em 1967 contra as autoridades coloniais britânicas, que agora são vistas como heróis entre muitos dos manifestantes antichineses.

Além de Lai, grande parte do crédito pela mobilização de latente xenofobia vai para o líder do partido de direita Indígenas de Hong Kong, Edward Leung. Sob a direção de Leung, de 28 anos, seu partido pró-independência brandiu bandeiras coloniais britânicas e assediou publicamente os turistas chineses do continente. Em 2016, Leung foi exposto se reunindo com autoridades diplomáticas americanas em um restaurante local.

Embora atualmente ele esteja preso por ter liderado um motim de 2016 em que a polícia foi bombardeada com tijolos e pedaços do calçado – e no qual ele admitiu ter atacado um oficial –, a política direitista de Leung e seu slogan “Retomar Hong Kong” ajudaram a definir os protestos em curso.

Um legislador local e um líder de protesto descreveram Leung ao New York Times como “o Che Guevara da Revolução de Hong Kong”, referindo-se sem ironia ao revolucionário comunista latino-americano morto em uma operação apoiada pela CIA. Segundo o Times, Leung é “a coisas que mais aproxima os protestos tumultuados e sem lideranças de Hong Kong de um guia”.

A sensibilidade xenófoba dos manifestantes forneceu solo fértil para o recrutamento promovido pelo Partido Nacional de Hong Kong. Fundado pelo ativista pró-independência Andy Chan, o partido oficialmente proibido combina o ressentimento contra os chineses com pedidos para que os EUA intervenham. Em fotos e vídeos, os membros do Partido Nacional de Hong Kong apareceram balançando bandeiras dos EUA e do Reino Unido, cantando o Star-Spangled Banner e carregando bandeiras com imagens de Pepe, o Sapo, o símbolo mais conhecido da alt-right americana.

Ainda que o partido não tenha uma base ampla de apoio popular, talvez seja o mais explícito dentro das fileiras do protesto e atraiu como resultado uma atenção internacional desproporcional. Chan pediu a Trump que intensifique a guerra comercial e acusou a China de realizar uma “limpeza nacional” contra Hong Kong. “Nós já fomos colonizados pelos britânicos e agora estamos sendo pelos chineses”, declarou ele.

 

As exibições do jingoísmo pró-americano nas ruas de Hong Kong têm sido como uma erva de gatos para a extrema-direita internacional. O fundador da Patriot Prayer (EUA), Joey Gibson, apareceu recentemente em um protesto anti-extradição em Hong Kong, transmitindo o evento para dezenas de milhares de seguidores. Um mês antes, Gibson foi visto atacando os ativistas antifa junto às fileiras do clube fascista. Em Hong Kong, o promotor da alt-right ficou maravilhado com a multidão.

“Eles amam a nossa bandeira aqui mais do que na América!”, Gibson exclamou enquanto os manifestantes passavam, mostrando-lhe um sinal de positivo enquanto tremulava a bandeira americana, Stars and Stripes.

“O passado colonial britânico nos deu o instinto de revolta”

Tal propaganda xenófoba coincide com a teoria do Choque de Civilizações que Jimmy Lai promulgou por meio de seu império midiático.

“Você tem que entender que o povo de Hong Kong – um número muito pequeno de 7 milhões ou 0,5% da população chinesa – é muito diferente do restante da China, pois crescemos sob os valores ocidentais, legado do passado colonial britânico que nos deu o instinto de revolta, já que essa lei de extradição estava ameaçando nossa liberdade”, afirmou Lai à Maria Bartiromo, da Fox News. “Até mesmo a América precisa olhar para o mundo daqui a 20 anos: se vocês querem que os valores ditatoriais chineses dominem este mundo ou se querem que os valores que vocês conservam continuem”.

Durante um painel de discussão na Fundação para a Defesa das Democracias, think-tank neoconservador em Washington, Lai disse ao lobista pró-Israel, Jonathan Schanzer: “Precisamos saber que a América está nos apoiando. Ao apoiar-nos, os EUA também estão semeando a vontade de sua autoridade moral, pois somos o único lugar na China, uma pequena ilha chinesa, que compartilha de seus valores, que está lutando a mesma guerra que vocês lutam com a China”.

Enquanto Lai não faz nenhuma tentativa de esconder sua agenda política, seu apoio financeiro a figuras centrais do movimento Occupy Central de 2014 ou aos protestos do Movimento dos Guarda-Chuvas nem sempre foi público.

E-mails vazados revelaram que Lai distribuiu mais de US$ 1,2 milhão para partidos políticos anti-China, incluindo US$ 637 mil para o Partido Democrata e US$ 382 mil para o Partido Cívico. Lai também doou US$ 115 mil à Fundação de Educação Cívica de Hong Kong e à Rede de Desenvolvimento Democrático de Hong Kong, ambas cofundadas pelo reverendo Chu Yiu-ming. Lai também gastou US$ 446 mil no referendo não-oficial do Occupy Central em 2014.

O consigliere de Lai nos EUA é um ex-analista de inteligência da Marinha que fez estágio com a CIA e alavancou suas conexões de inteligência para construir o império de negócios de seu chefe. Chamado de Mark Simon, o veterano fantasma fez com que a ex-candidata republicana à vice-presidência, Sarah Palin, se reunisse com um grupo do campo anti-China durante sua visita a Hong Kong em 2009. Cinco anos depois, Lai pagou US$ 75 mil ao mentor neoconservador da Guerra no Iraque e subsecretário de Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, para organizar uma reunião com altas figuras militares em Mianmar.

Em julho, quando os protestos de Hong Kong ganharam força, Lai foi a Washington para se reunir com o vice-presidente Mike Pence, o secretário de Estado, Mike Pompeo, o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e os senadores republicanos Ted Cruz, Cory Gardner e Rick Scott. O correspondente da Bloomberg News, Nicholas Wadhams, comentou sobre a visita de Lai: “muito incomum para um visitante [não governamental] obter esse tipo de acesso”.

Um dos aliados mais próximos de Lai, Martin Lee, também teve uma reunião com Pompeo, e cortejou lideranças americanas, incluindo Nancy Pelosi e o ex-vice-presidente Joseph Biden.

Entre as figuras mais proeminentes dos partidos políticos pró-EUA de Hong Kong, Lee começou a colaborar com Lai durante os protestos da Praça da Paz Celestial em 1989. Como premiado em 1997 com o “Democracy Award” (“Prêmio Democracia”, em tradução livre) da National Endowment for Democracy, financiada pelo governo americano, Lee é o presidente-fundador do Partido Democrata de Hong Kong, considerado hoje parte da velha guarda do campo pró-EUA.

Enquanto Martin Lee tem aparecido fortemente no cenário pró-ocidental de Hong Kong, uma nova geração de ativistas surgiu durante os protestos do Occupy Central de 2014 com uma nova marca de políticas focalizadas.

O Adolescente vs. Superpotência, com a ajuda de uma superpotência maior

Joshua Wong se encontra com o senador Marco Rubio em Washington, em 8 de maio de 2017.

Joshua Wong tinha só 17 anos quando o Movimento dos Guarda-Chuvas tomou forma em 2014. Depois de emergir das fileiras dos protestos como uma de suas vozes mais carismáticas, ele foi fortemente preparado como o garoto-propaganda do campo pró-Ocidente. Wong recebeu generosos elogios das revistas Time, Fortune e Foreign Policy como um “defensor da liberdade” e se tornou tema de um premiado documentário da Netflix chamado “Joshua: Teenager vs. Superpower”.

Não surpreendentemente, essas peças jornalísticas ignoram os laços de Wong com todo o aparato de mudança de regime do governo dos EUA. Por exemplo, o National Democratic Institute (NDI) da National Endowment for Democracy, mantém um relacionamento próximo com Demosistō, o partido político fundado em 2016 pelo ex-estudante do Movimento dos Guarda-Chuvas, Nathan Law.

Em agosto, emergiu uma cândida foto de Wong e Law reunidos com a conselheira política do Consulado Geral dos EUA em Hong Kong, Julie Eadeh, levantando questionamentos sobre o conteúdo do encontro e dando início a um confronto diplomático entre Washington e Pequim.

O Escritório do Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Hong Kong apresentou uma queixa formal ao Consulado Geral americano, apelando aos EUA para “interromperem imediatamente as forças anti-China que estão causando problemas em Hong Kong, pararem de enviar sinais errados para infratores violentos, absterem-se de se intrometer nos assuntos de Hong Kong e evitarem avançar no caminho errado”.

O jornal hong-konguês pró-Pequim Ta Kung Pao publicou detalhes pessoais sobre Eadeh, incluindo os nomes de seus filhos e seu endereço. O porta-voz do Departamento de Estado, Morgan Ortagus, acusou o governo chinês de estar por trás desse vazamento, mas sem oferecer provas. “Eu não acho que vazar informações privadas de uma diplomata americana, fotos, nomes de seus filhos, seja um protesto formal. É o que um regime bárbaro faria”, disse ela em um documento do Departamento de Estado.

Contudo, a foto ressaltou a estreita relação entre o movimento pró-ocidental de Hong Kong e o governo americano. Desde os protestos do Occupy Central de 2014 que colocaram Wong em destaque, ele e seus colegas foram cultivados assiduamente pelas instituições de elite de Washington para atuarem como as faces e vozes do crescente movimento anti-China de Hong Kong.

Em setembro de 2015, Wong, Martin Lee e Benny Tai Lee, professor de Direito da Universidade de Hong Kong, foram homenageados pela Freedom House, uma organização de soft-power direitista fortemente financiada pela National Endowment for Democracy e outras armas do governo americano.

Apenas alguns dias após a eleição de Trump como presidente, em novembro de 2016, Wong estava de volta a Washington para pedir mais apoio dos EUA. “Sendo um homem de negócios, espero que Donald Trump conheça a dinâmica de Hong Kong e saiba que, para manter os benefícios do setor empresarial na cidade, é necessário apoiar plenamente os direitos humanos em Hong Kong para manter sua independência judicial e seu Estado de Direito”, afirmou.

A visita de Wong fez com que dois dos membros neoconservadores mais agressivos do Senado americano, Marco Rubio e Tom Cotton, apresentassem a “Lei de Hong Kong sobre Direitos Humanos e Democracia”, que “identificaria os responsáveis ​​por sequestro, vigilância, detenção e confissões forçadas e faria com que tivessem seus ativos nos EUA, se houver, congelados e sua entrada no país negada”.

Wong foi então levado para um grupo de instituições de elite dos EUA, incluindo o think-tank de direita Heritage Foundation e as redações do New York Times e do Financial Times. Ele também teve uma audiência com Rubio, Cotton, Pelosi e o senador Ben Sasse.

Em setembro de 2017, Rubio, Ben Cardin, Tom Cotton, Sherrod Brown e Cory Gardner assinaram uma carta para Wong, Law e o ativista anti-China, Alex Chow, elogiando-os por seus “esforços para construir uma Hong Kong genuinamente autônoma”. O grupo bipartidário de senadores declarou que “os EUA não podem ficar de braços cruzados”.

Um ano depois, Rubio e seus colegas propuseram os nomes do trio Wong, Law e Chow para o Prêmio Nobel da Paz de 2018.

 

O apoio de Washington aos porta-vozes da “retomada do movimento de Hong Kong” foi suplementado com incontáveis somas de dinheiro de projetos de mudança de regime dos EUA, tal qual a National Endowment for Democracy (NED) e subsidiárias como o Instituto Nacional Democrático (NDI), para a sociedade civil, mídia e grupos políticos.

Como relatou o jornalista Alex Rubinstein, o Monitor de Direitos Humanos de Hong Kong, membro-chave da coalizão que se organizou contra a extinta lei de extradição, recebeu mais de US$ 2 milhões em fundos do NED desde 1995. E outros grupos da coalizão colheram centenas de milhares de dólares da NED e do NDI só no ano passado.

Enquanto os legisladores dos EUA nomeiam líderes de protesto de Hong Kong para prêmios de paz e impulsionam suas organizações com dinheiro para “promoverem a democracia”, as manifestações começaram a sair do controle.

Da “Teoria da Violência Marginal” à realidade da violência da máfia

Depois que a lei de extradição foi descartada, os protestos entraram em uma fase mais agressiva, lançando ataques contra alvos do governo, erguendo barreiras nas estradas, cercando delegacias de polícia e adotando as modalidades extremas exibidas durante operações de mudanças de regime apoiadas pelos EUA, da Ucrânia à Venezuela e à Nicarágua.

 

As técnicas refletiam claramente o treinamento que muitos ativistas receberam de manuais de soft-power ocidentais. Porém, eles também trazem a marca da operação midiática de Jimmy Lai.

Além das vastas somas de dinheiro que Lai gastou em partidos políticos diretamente envolvidos nos protestos, seu grupo midiático criou um vídeo animado “mostrando como resistir à polícia no caso de a força ser empregada para dispersar as pessoas em um protesto de massa”.

Enquanto despejava dinheiro no campo político pró-EUA de Hong Kong em 2013, Lai viajou para Taiwan para uma consulta secreta com Shih Ming-teh, uma figura-chave no movimento social de Taiwan que forçou a renúncia do então presidente Chen Shui-bian em 2008. Shih supostamente instruiu Lai sobre táticas não-violentas visando derrubada de governos, enfatizando a importância de um compromisso de ir para a cadeia.

Segundo o jornalista Peter Lee, “Shih supostamente aconselhou Lai a colocar estudantes, meninas e mães com crianças na vanguarda dos protestos de rua, a fim de atrair o apoio da comunidade internacional e da imprensa e a sustentar o movimento com atividades contínuas para mantê-lo dinâmico e fresco”. Lai teria desligado seu gravador durante várias seções do tutorial de Shih.

Um manifestante explicou ao New York Times como o movimento tentou adotar uma estratégia chamada “Teoria da Violência Marginal”: usar “força moderada” para provocar serviços de segurança a atacarem os manifestantes, os manifestantes pretendiam afastar internacionalmente a simpatia para seu Estado.

Todavia, à medida que o movimento de protesto se intensifica, sua base está acabando com suas restrições táticas e tem atacado seus alvos com fúria total. Eles lançaram coquetéis molotov em cruzamentos para bloquear o tráfego; atacaram veículos e seus motoristas para tentar bloquear de estradas; bateram em seus oponentes com cassetetes; atacaram um homem ferido com uma bandeira dos EUA; ameaçaram um repórter a apagar suas fotos; sequestraram e espancaram sem motivo um jornalista; espancaram um viajante do continente inconsciente e impediram que os paramédicos alcanssem a vítima; e jogaram bombas de gasolina em policiais.

 

A atmosfera carregada impulsionou o império midiático de Lai, que vinha sofrendo pesadas derrotas desde a última rodada de protestos nacionais em 2014. Após a massiva marcha contra o projeto de extradição em 9 de junho, promovida agressivamente pelo Apple Daily de Lai, seu Next Digital dobrou de valor, segundo o Eji Insight.

Enquanto isso, os líderes dos protestos não demonstram sinais de recuo. Nathan Law, o ativista jovem celebrado em Washington e fotografado na reunião com autoridades americanas em Hong Kong, usou o Twitter para exortar seus colegas: “Temos que persistir e manter a fé, não importa quão devastada a realidade pareça ser”.

Law estava tuitando de New Haven, em Connecticut, onde ele se matriculou com uma bolsa de estudos integral na Universidade de Yale. Enquanto o jovem ativista se deleitava com a adulação de seus patronos americanos a milhares de quilômetros do caos que ele ajudava a desencadear, um movimento que definia a si próprio como uma “resistência sem liderança” forjou uma voltando para casa.

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* Dan Cohen é jornalista e coprodutor do premiado documentário Killing Gaza. Ele produziu reportagens em vídeo amplamente conhecidas e despachos impressos a partir de Israel-Palestina, América Latina, a fronteira EUA-México e Washington.

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