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A nova Guerra Fria contra a China [parte 2]

O grande salto adiante na tecnologia está alimentando a “nova guerra fria” com a China e deixa em alerta uma possível ameaça real de guerra quente.
por Fred Goldstein | Struggle- La Lucha – Tradução de Matheus Ferreira para a Revista Opera
“Visita pacífica”: O general Peter Pace com soldados do Exército Popular de Libertação da China, 24 de março de 2007. (Foto: Sgt. D. Myles Cullen / Departamento de Defesa dos EUA)

O texto que segue é a segunda parte do artigo “A nova Guerra Fria contra a China”.
Confira aqui a primeira parte.

As empresas estatais e de planejamento da China superaram a crise capitalista mundial de 2007-2009

Sem o planejamento estatal na economia, a China poderia ter sido prejudicada pela crise econômica de 2007-2009. Em junho de 2013, este autor escreveu um artigo intitulado “Marxismo e o caráter social da China”. Aqui estão alguns trechos:

“Mais de 20 milhões de trabalhadores chineses perderam seus empregos em muito pouco tempo. Então, o que o governo chinês fez?”

O artigo cita Nicholas Lardy, especialista burguês da China no prestigiado Instituto Peterson de Economia Internacional e inimigo da China. (O artigo completo de Lardy pode ser encontrado no livro Sustaining China’s Economic Growth After the Global Financial Crisis [Sustentando o crescimento econômico da China após a crise financeira global])

Lardy descreveu como “o consumo na China realmente cresceu durante a crise de 2008-09, os salários aumentaram e o governo criou empregos suficientes para compensar as demissões causadas pela crise global”.

Lardy continuou:

“Em um ano em que o crescimento do PIB [na China] foi o mais lento em quase uma década, como o crescimento do consumo em 2009 foi tão forte em termos relativos? Como isso aconteceu em um momento em que o emprego nas indústrias orientadas para a exportação estava em colapso, com uma pesquisa realizada pelo Ministério da Agricultura relatando a perda de 20 milhões de empregos em centros industriais de exportação ao longo da costa sudeste, notadamente na província de Guangdong? O crescimento relativamente forte do consumo em 2009 é explicado por vários fatores.

Primeiro, o boom de investimentos, particularmente nas atividades de construção, parece ter gerado emprego adicional suficiente para compensar uma parcela muito grande das perdas de empregos no setor de exportação. Durante todo o ano, a economia chinesa criou 11,02 milhões de empregos nas áreas urbanas, quase igualando os 11,13 milhões de empregos urbanos criados em 2008.

Segundo, enquanto o crescimento do emprego desacelerou um pouco, os salários continuaram subindo. Em termos nominais, os salários no setor formal aumentaram 12%, alguns pontos percentuais abaixo da média dos cinco anos anteriores (Fonte: National Bureau of Statistics of China 2010f, pg.131). Em termos reais, o aumento foi de quase 13%.

Terceiro, o governo continuou seus programas de aumento de pagamentos para aqueles que sacavam pensões e aumento dos pagamentos de transferência para a população de baixa renda da China. Os pagamentos mensais de pensão para aposentados aumentaram 10% em janeiro de 2009, substancialmente mais do que o aumento de 5,9% nos preços em 2008. Isso elevou o total de pagamentos aos aposentados em cerca de 75 bilhões yuans. O Ministério dos Assuntos Civis aumentou um terço os pagamentos transferidos, para cerca de 70 milhões de cidadãos de baixa renda da China, aumentando um montante de RMB 20 bilhões em 2009 (Ministério de Assuntos Civis 2010).”

Lardy explicou ainda que o Ministério das Ferrovias introduziu oito planos específicos, com conclusão em 2020, a serem implementados na crise.

Segundo Lardy, o Banco Mundial chamou de “talvez o maior programa planejado de investimento em transporte ferroviário que já existiu em um país”. Além disso, foram realizados projetos de rede de ultra-alta tensão, entre outros avanços.

As estruturas socialistas reverteram o colapso

Assim, a renda aumentou, o consumo aumentou e o desemprego foi superado na China – enquanto o mundo capitalista ainda estava envolvido em desemprego em massa, austeridade, recessão, estagnação, crescimento lento e aumento da pobreza, e ainda está em grande parte dos países.

A reversão dos efeitos da crise na China é o resultado direto do planejamento nacional, das empresas estatais, dos bancos estatais e das decisões políticas do Partido Comunista Chinês.

Houve uma crise na China, e foi causada pela crise capitalista mundial. A questão era qual princípio prevaleceria diante do desemprego em massa – o princípio racional e humano do planejamento ou o implacável mercado capitalista. Na China, o princípio do planejamento, o elemento consciente, teve preferência sobre a anarquia da produção provocada pelas leis do mercado e pela lei do valor do trabalho nos países capitalistas.

Socialismo e a posição da China no mundo

A China levantou centenas de milhões de pessoas da pobreza. Segundo um relatório das Nações Unidas, a China, sozinha, é responsável pela redução global da pobreza. As universidades chinesas formaram milhões de engenheiros, cientistas, técnicos e permitiram que milhões de camponeses entrassem no mundo moderno.

“Made in China” 2025

Em 2015, Xi Jinping e a liderança do Partido Comunista Chinês estabeleceram um plano de dez anos para elevar a China a um nível tecnológico e produtivo mais alto com o intuito de aumentar a modernização do país.

Xi anunciou uma abrangente política industrial apoiada por centenas de bilhões de dólares em investimentos estatais e privados para revitalizar a China. É nomeado “Made in China 2025” (Fabricado na China 2025) ou “MIC25”. É um projeto ambicioso que requer coordenação e participação local, regional e nacional.

O Mercator Institute for Economics (MERICS) é um dos think-tanks alemães mais relevantes ​​da China. Ele escreveu um grande relatório sobre o MIC25 em 7 de fevereiro de 2019. De acordo com o MERICS,

“o programa MIC25 chegou para ficar e, assim como as metas de PIB do passado, representa as ordens oficiais do PCCh para um ambicioso desenvolvimento industrial. As economias capitalistas de todo o mundo terão que enfrentar essa ofensiva estratégica.

As mesas já começaram a virar: hoje, a China está à frente no desenvolvimento de muitas tecnologias emergentes – e observa como o mundo tenta acompanhar o ritmo”.

O relatório MERICS continua:

“A China avançou em áreas como a próxima geração de Tecnologia da Informação (empresas como Huawei e ZTE devem ganhar domínio global na implantação de redes 5G), ferrovias de alta velocidade e transmissões de eletricidade de voltagem ultra-alta. Mais de 530 parques industriais de fabricação inteligente surgiram na China. Muitos se concentram em Big Data (21%), novos materiais (17%) e computação em nuvem (13%). Recentemente, a ‘manufatura verde’ e a criação de uma ‘Internet industrial’ receberam ênfase especial nos documentos políticos, sustentando a visão do presidente Xi Jinping de criar uma ‘civilização ecológica’ que prospera no desenvolvimento sustentável.

A China também garantiu uma forte posição em áreas como Inteligência Artificial (IA), nova energia e veículos inteligentes. […] As empresas estatais chinesas (SOEs) continuam a desempenhar um papel crítico no desenvolvimento de indústrias estratégicas e equipamentos de alta tecnologia associados ao MIC25. Nos chamados setores-chave, como telecomunicações, construção naval, aviação e ferrovias de alta velocidade, as empresas estatais ainda têm uma participação na receita de cerca de 83%. No que o governo chinês identificou como indústrias de pilares (por exemplo, eletrônicos, fabricação de equipamentos ou automotivo), isso equivale a 45%.”

Rompimento inevitável da relação EUA-China

A guerra tarifária entre os EUA e a China está indo e voltando. Pode ou não ser resolvida ou pode acabar compromissada. É improvável que as provocações do Pentágono no Mar da China Meridional e no Pacífico diminuam. A caça às bruxas contra cientistas chineses está ganhando força.

Os EUA acabaram de entregar cerca de 2,2 bilhões de dólares em armas para Taiwan. O conselheiro de segurança nacional e o falcão de guerra John Bolton recentemente viajou a Taiwan. O presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, fez uma recente parada nos EUA a caminho do Caribe e está programado para fazer outra no caminho de volta.

Todas essas medidas indicam a ruína da reaproximação entre Pequim e Washington. Essa separação entre os dois poderes não é apenas uma ação de Donald Trump. Flui do crescente medo das seções predominantes da classe dominante dos EUA de que a aposta de tentar derrubar o socialismo chinês por dentro falhou, assim como a agressão militar impulsionada entre 1949 a 1975 também falhou.

Alta tecnologia é a chave para o futuro

Desde o final do século 18, a classe capitalista dos EUA sempre cobiçou o mercado chinês. Os gigantescos monopólios capitalistas foram avançando através de acordos conjuntos, salários baixos, exportações baratas e grandes lucros quando a China “abriu” no final dos anos 70.

Mas, quanto mais forte o núcleo socialista da República Popular da China se torna, mais peso ele carrega no mundo e, acima de tudo, quanto mais forte a China se torna tecnologicamente, mais Wall Street teme por seu domínio econômico e mais o Pentágono teme por seu domínio militar.

O exemplo do sufocamento da colaboração internacional na pesquisa do câncer é uma demonstração de como a cooperação global é essencial não apenas para curar doenças, mas também para o desenvolvimento da sociedade como um todo. É necessária cooperação internacional para reverter o desastre climático causado pela propriedade privada – nada disso pode ser realizado dentro da estrutura da propriedade privada e do sistema de lucro. Somente a destruição do capitalismo pode provocar a libertação da humanidade.

O marxismo afirma que a sociedade avança através do desenvolvimento das forças produtivas, do comunismo primitivo à escravidão, feudalismo e capitalismo. Marx escreveu: “O moinho a mão dá-nos a sociedade com o suserano: o moinho a vapor, a sociedade com o capitalista industrial” (A Miséria da Filosofia, 1847). E agora a revolução da alta tecnologia lança as bases para o socialismo internacional.

A burguesia sabe que a sociedade que conseguir avançar ao mais alto grau de desenvolvimento tecnológico será capaz de moldar o futuro. É por isso que o imperialismo, liderado pelos EUA, impôs um estrito bloqueio ao fluxo de tecnologia à União Soviética, bem como ao Bloco Oriental e à China. Isso foi feito pela COCOM, uma organização informal de todos os países imperialistas, criada em 1949 e sediada em Paris.

Os principais alvos eram a URSS e os países socialistas mais industrializados, como a República Democrática Alemã, a República Tcheca, etc. Foram elaboradas listas detalhadas de cerca de 1.500 itens tecnológicos que eram proibidos de exportar para esses países.

Marx explicou que as relações socialistas desenvolvidas dependem de um alto grau de produtividade do trabalho e da resultante abundância disponível para a população (Crítica do Programa de Gotha, 1875).

No entanto, como observou Lênin, a cadeia do imperialismo quebrou em seu elo mais fraco na Rússia – isto é, a revolução foi bem-sucedida no país capitalista mais pobre e atrasado. O resultado foi que um sistema social avançado foi estabelecido com base material insuficiente. Isso deu origem a muitas, muitas contradições. Os países que os revolucionários chamaram corretamente de socialistas estavam realmente aspirando ao socialismo. Suas revoluções lançaram as bases para o socialismo. Mas o bloqueio imperialista, a guerra e a subversão nunca lhes permitiram desenvolver livremente seus sistemas sociais.

O grande salto adiante na tecnologia chinesa hoje tem o potencial de aumentar a produtividade do trabalho e fortalecer as fundações socialistas. É esse grande salto adiante que está alimentando a “nova guerra fria” com a China e deixa em alerta uma possível ameaça real de guerra quente.

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