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As manifestações no Líbano e a estratégia do Hezbollah

No Líbano, manifestações viram campo de batalha de dura disputa geopolítica na qual guerreiam partidos políticos e forças internacionais.
por André Ortega | Revista Opera
(Imagem: Estúdio Gauche)

No dia 17 de outubro, o governo libanês apresentou um pacote de medidas de austeridade que causaram uma reação de ultraje em manifestações por grandes cidades e também em vilarejos do Líbano. Dentre as medidas, que incluem novos impostos, há a polêmica taxa de 20 centavos diários para a realização de ligações no aplicativo de celular WhatsApp (ou 6 dólares por mês).

As ruas foram ocupadas por libaneses de diversas religiões e classes sociais. Desempregados, proletários, a ralé urbana, os estudantes – também marcharam militares e professores aposentados, que tiveram suas pensões ameaçadas.

Jornais libaneses relatam a presença de trabalhadores demitidos do complexo econômico ligado ao “Movimento Futuro”, do primeiro-ministro Saad Hariri. Dentre eles, trabalhadores da empresa de construção saudita da propriedade da família Hariri, a Saudi Oger Limited. A empresa, que atuava pelo menos em seis países, fechou em julho de 2017 e deixou um rastro de destruição econômica, abandonando seus trabalhadores – que já não recebiam os salários corretamente desde novembro de 2015.

Outros são ex-funcionários do jornal do Movimento Futuro, o Al Mustaqbal, que era um dos maiores jornais de Beirute. Neste ano, o jornal fez cortes e anunciou o encerramento da edição impressa, mantendo somente seu portal digital. Pessoas dependentes dos escritórios e das coordenadorias regionais do movimento também estariam se manifestando.

O alemão Deutsche Welle citou um manifestante que reclama da pretensão do governo de taxar 15% de seu salário, que já é baixo. “Deveriam cobrar impostos dos mais ricos”, completa. Outra entrevistada é uma manifestante identificada como Kholoud Hussein, que vive em um campo de refugiados palestinos no sul de Beirute (o que os brasileiros identificariam como um tipo de favela), que disse que seu marido só recebeu metade do salário nos últimos quatro meses.

A publicação alemã ainda entrevistou Nassib Ghobil, que tocou em um ponto que vem aparecendo reiteradamente em diversas falas sobre a crise no Líbano, desde professores, economistas, jornalistas, militantes, ativistas até os próprios manifestantes: de que o problema no Líbano não é a falta de impostos, mas os impostos que não são pagos. A proposta de impostos progressivos, de taxação dos mais ricos e das grandes companhias, aparece de vários lados.

Isso contrasta com o discurso focado mais em “disciplina fiscal” dos apoiadores da proposta original, declarada pelo governo, e que alguns comentaristas de think tanks ocidentais – ao lado de figuras ligadas ao FMI – defendem para o Líbano.

O estado libanês possui uma dívida pública de 85 bilhões de dólares, 150% do PIB nacional. 50% de seu orçamento anual é consumido com dívida pública. Robert Fisk escreveu no The Independent que os libaneses se revoltam devido à sua “pobreza e fome”.

O Líbano possuí uma história com o neoliberalismo, cujas bases foram estabelecidas pelos 12 anos (cinco governos) de Rafiq Hariri (que foi assassinado 14 de fevereiro de 2005, em Beirute). O país seria reconstruído sobre a promessa de uma era de livre mercado, modernização financeira e investimentos estrangeiros. O Líbano assistiu ao crescimento de um cedro neoliberal com galhos característicos: privatização do próprio espaço público, especulação imobiliária, expropriações, apagamento do patrimônio histórico, criação de complexos de luxo, financeirização da economia, taxas de juro altíssimas, dependência do capital de xeiques do Golfo, decadência de setores produtivos, contração e degradação dos serviços públicos.

Nessa árvore, figurões da elite política, a começar por aqueles ligados à família Hariri, seguidos por velhos representantes das elites libanesas que sobreviveram à destruição da guerra civil, se acomodaram no topo, com os frutos da economia, através do rentismo e dos contratos de construção super vantajosos (Hariri fez sua fortuna já como construtor na Arábia Saudita). A reconstrução do centro de Beirute gerou um titã capitalista, o cartel de construção civil Solidere. Ao mesmo tempo, o povo dependia de uma outra forma de rentismo, ligado à criação de redes clientelistas dos partidos sectários, que podem distribuir empregos e favores em seus distritos.

Nos últimos anos, os libaneses assistiram à degradação ambiental de seus centros urbanos e redutos naturais. Em suas casas gastavam cada vez mais com água e luz, sofrendo com a falência dos serviços (num processo cumulativo que pode ser remetido a vários momentos, dentre eles a invasão do país por Israel em 2006).

As manifestações a princípio foram causadas por essas condições. O Banco do Líbano (o banco central) e o sistema bancário foram alvos especiais.

Nesse ano, a jornalista Rima Maktabi, da Al-Arabiya, fez entrevistas com importantes figuras da política libanesa, como Samir Geagea e Walid Jumblatt – em ambas, ela questionou os políticos diretamente sobre a deterioração econômica levar a “revoltas e revoluções”. Jumblatt, reconhecido por uma visão de longo prazo, disse que era muito provável que ocorressem. Geagea subestimou essa possibilidade.

O início das manifestações abriu oportunidades e impôs desafios a todas as forças políticas libanesas, que passaram a aderir ou a se opor à onda de manifestações. O partido que mais atrai atenção é o Hezbollah, que após uma semana de discussões econômicas, se tornou centro das polêmicas.

O sistema político libanês

Para compreender a problemática das manifestações no Líbano, é importante ter uma noção geral do sistema político e a forma como o governo se organiza. A quantidade de nomes e de referências pode ser um pouco confusa, mas não pretendemos nos ater em pequenos detalhes.

O sistema político é confessionalista, engessado em divisões sectárias. Isto é, o estado e o sufrágio são divididos em comunidades religiosas.

A formação desse sistema tem uma longa história, remontando a imposições do colonialismo francês. Antes, o sistema era dominado por cotas destinadas ao domínio de uma comunidade cristã maronita. Sua forma atual, no entanto, nasceu depois da guerra civil que envolveu várias milícias sectárias e em uma situação em que o país servia de campo de batalha entre a República Árabe Síria e Israel. Depois do período de maior violência entre libaneses, o sistema atual foi desenhado, em 1989, no Acordo de Taif.

O Acordo tem como ideal remoto a abolição do sectarismo, mas enquanto isso as 128 cadeiras do parlamento são divididas em: 64 para cristãos (34 para maronitas, 14 para ortodoxos orientais, o restante divido entre outras cinco comunidades), 64 para as comunidades islâmicas mais os druzos (27 sunitas, 27 xiitas, 2 alawitas, 8 druzos).

O país é mapeado segundo essas divisões nas eleições, o que gera muitas contendas.

Além disso, existe uma troika dos principais cargos de chefia: o presidente deve ser um maronita; o que preside o parlamento, um xiita; o primeiro ministro que chefia o gabinete, um sunita.

Os partidos dentro desse sistema, de forma geral, se organizaram entorno de velhos senhores da guerra ou chefes de famílias tradicionais. A maior parte dos partidos não oferece um exemplo de organização política coesa, com programa e ideologia, ou um ente burocrático desenvolvido para a política profissional, não sendo, no geral, mais do que listas eleitorais que articulam interesses de famílias patrícias, bairros e chefes políticos em diferentes níveis.

A família Hariri, por exemplo, é ao mesmo tempo uma das famílias mais ricas do país e uma das principais da política.

Os partidos podem se organizar para além das comunidades confessionais, mas devem disputar as eleições de acordo com essas divisões. Em geral, os partidos possuem uma comunidade predominante.

Seguindo essa camisa de força, Saad Hariri é líder do maior partido dos distritos sunitas, o Movimento Futuro, liberal-conservador e próximo da Arábia Saudita.

Isso, claro, é um problema derivado do sectarismo, e mesmo assim é possível contar exceções: o Movimento Futuro possui uma ministra cristã ortodoxa, Violette Safadi (que é uma exceção por ser uma personalidade midiática), o Hezbollah possui um parlamentar em cadeira sunita, Elwalid Sukkarieh. De toda forma, o sistema incentiva as divisões, já que estimula uma certa especialização da atividade política em torno das comunidades. A eficiência na manutenção de bastiões sectários é recompensada pelo sistema.

Os partidos no cenário atual se dividem, basicamente, entre duas coalizões: a Aliança 8 de Março e Aliança 14 de Março.

A Aliança 8 de Março – a coalizão política aliada com o Hezbollah, que dentro dela ocupa 13 cadeiras, sendo portanto a terceira força dentro da coalizão – é maioria no parlamento libanês, com 71 cadeiras contra 48 da Aliança 14 de Março.

Essa divisão corresponde a diferentes orientações geopolíticas. A orientação é indiciada na posição em relação ao Hezbollah e se formou a partir da postura histórica das forças políticas do Líbano no período em que o país foi ocupado pelo Exército Árabe Sírio, em 1976.

O Hezbollah é um caso especial. Além de partido político, é reconhecido como movimento de resistência contra Israel no sul do Líbano, controlando suas próprias forças militares (mais ou menos ligadas ao Exército Libanês). O movimento é altamente politizado e é liderado por um secretário-geral, Hassan Nasrallah.

Os partidos que são mais pró-ocidentais e hostis ao Hezbollah, defendendo o desarmamento do grupo como necessidade para a construção do estado nacional, estão na Aliança 14 de Março. Se identificam com um programa de reforma modernizadora, ligada à globalização e ascensão do neoliberalismo. Para eles, o Hezbollah é o maior obstáculo para esse projeto.

Nela está o velho partido da extrema direita maronita, o Kataeb (a “Falange Libanesa” da família Geymael) e seu sub-produto, as Forças Libanesas. O partido que predomina na aliança, no entanto, é o Movimento Futuro de Saad Hariri.

A Aliança é fundada a partir do assassinato do primeiro ministro Rafiq Hariri (pai de Saad) em 2005, por aqueles que eram contrários à presença da Síria no Líbano. O assassinato fez estourar a Revolução dos Cedros, que culminou na retirada das tropas sírias no mesmo ano.

Os que acreditam na necessidade da resistência estão na Aliança 8 de Março, onde atua o Hezbollah. Nela, Israel é identificado como um problema regional de primeira importância para a existência nacional do Líbano, e a República Árabe Síria teria cumprido um papel importante nesse conflito e na manutenção da unidade do país.

Para o Movimento Marada, por exemplo, que veio de uma milícia maronita liderada por Suleiman Frangieh, os sírios cumpriram um papel em evitar a separação do país por um projeto de separatismo cristão chefiado pela Falange ou pela ocupação de Israel do sul, ao mesmo tempo que protegeu os cristãos da violência retaliatória de milícias muçulmanas.

O 8 de Março foi a data de uma grande contra-manifestação oposta à Revolução dos Cedros, que agradeceu aos sírios por, na visão dos manifestantes, garantir a unidade libanesa e apoiar a resistência.

Outro componente importante dentro da Aliança 8 de Março é o Movimento Amal, que atua em distritos xiitas e provém de um movimento histórico da comunidade em defesa de seus direitos civis alinhado com famílias xiitas proeminentes, posteriormente criando as próprias auto-defesas em meio às guerras do Líbano.

Quando boa parte do Amal original se retirou para compor o Hezbollah, o movimento se converteu em um partido político centrado na figura de Nabih Berri como um chefe carismático, populista e “defensor de sua comunidade” – em suma, uma agência política personalista, localizada, conservadora, clientelista e pragmática. Nabih Berri preside as sessões do parlamento libanês desde 1992. [1]

Ademais, o Amal lutou contra o Hezbollah no fim dos anos 80 pelos bairros do sul e oeste de Beirute. O conflito terminou com a intervenção de tropas sírias.

Grupos que se combateram na guerra civil se misturaram em duas alianças orientadas por uma nova questão. Por isso ofereço o exemplo de diferentes milícias maronitas: na Aliança 14 de Março, os elementos mais radicais da extrema-direita maronita se articularam com velhos inimigos muçulmanos.

Hoje, com a retirada das tropas sírias, o principal ponto de referência segue sendo o Hezbollah. A maior prova disso é que o movimento aounista – o Movimento Patriótico Livre,  ligado à figura do Presidente Michel Aoun – é atualmente o maior partido (em cadeiras parlamentares) dentro da aliança. Michel Aoun liderou um esforço de guerra contra a Síria e ficou quinze anos exilado por conta da ocupação.

Os velhos clãs de senhores da guerra “maronitas” se dividiram. Geagea e Geymael com o 14 de Março; Aoun e Frangieh com o 8 de Março.

Aoun e seu partido foram nos últimos anos, talvez, um dos principais portadores de um nacionalismo cívico no Líbano. Sua campanha presidencial em 2016 foi um tanto unificadora e começa a consolidar os termos de uma aliança eleitoral com o Hezbollah que culmina na campanha parlamentar de 2018.

Se os aounistas foram anti-Síria no passado, hoje assumiram uma postura de aliança com o governo de Bashar al-Assad em meio à guerra no território sírio.

O Movimento Patriótico Livre assumiu um papel protagonista na Aliança. Sua campanha foi marcada por ataques contra as Forças Libanesas, como concorrente nos distritos cristãos. Na aliança com o Hezbollah, reforçaram um discurso de oposição ao radicalismo salafista que cresceu no Líbano depois da guerra na Síria, o que serviu contra Hariri na forma de um discurso anti-saudita. Hariri e outros políticos tradicionais também foram atacados por uma proposta dura de combate à corrupção.

Todos esses três pilares ficaram algo de lado no poder: no fim Hariri virou primeiro ministro, as Forças Libanesas apoiaram Aoun para presidência e eventualmente entraram na composição do governo de unidade nacional. O movimento de Aoun perdeu um certo ethos militante em prol de um ethos do poder e do pragmatismo.

Nenhuma das coalizões domina o governo, que é um governo de unidade nacional feito depois de um impasse de nove meses consecutivos em que o país ficou sem governo. Nos últimos 14 anos, o Líbano passou dois anos e meio sem governo – todos os governos foram formados com dificuldade e passaram por crises consideráveis.

Este governo foi formado a partir de um pacto, que tem tanto o interesse imediato de acabar com o impasse político quanto um objetivo subjacente de evitar problemas maiores – como uma nova guerra (civil ou com Israel, possivelmente as duas coisas).

Dentro do mesmo governo convivem ministros tanto do Hezbollah (três) como das Forças Libanesas (quatro). Em suma: uma estrutura delicada, complexa e onde as maiores forças políticas do país (a começar pelos oligarcas) têm seu espaço.

Quando Hariri propôs o pacote de austeridade no dia 17, os outros partidos relutaram em apoiá-lo, que em retaliação ameaçou renunciar ao cargo. Os quatro ministros das Forças Libanesas renunciaram no domingo (que foi o ápice das manifestações em termos de participação) e passaram a se dedicar, ao lado da Falange, na tentativa de assumir a direção do movimento.

As manifestações foram marcadas por gritos diversos de dissolução do governo. Alguns manifestantes sugerem um gabinete de transição, de emergência e não-sectário, que poderia ser composto a partir do exército libanês. Também fala-se de novas eleições, com novas regras eleitorais.

O político mais atacado pelos manifestantes é Gebran Bassil, presidente do Movimento Patriótico Livre, talvez o principal articulador dos ministros do partido dentro do governo e figura importante da reformulação do movimento dentro do poder – ele representa um afastamento do elemento militar que predominava no partido em prol de outro mais ligado a empresários. Foi Ministro de Águas e Energia de novembro de 2009 até fevereiro de 2014 (em diferentes gabinetes). No setor energético, presidiu reformas ditas modernizantes e também esteve envolvido em escândalos de corrupção. Atualmente é Ministro de Assuntos Exteriores e Emigração, cargo que ocupa desde fevereiro de 2014 (também em diversos gabinetes).

Massas e dirigentes

Desde o início dos protestos se firmou uma tendência de desinformação: a narrativa de que os protestos no Líbano são contra o Hezbollah, que no Líbano “o povo se revolta contra o Hezbollah”. Equivocando e distorcendo os protestos, fomenta-se uma narrativa de que se tratam de protestos contra o Hezbollah e “contra o Irã”.

A Revista Exame, no Brasil, publicou uma matéria com o título “Líbano quebra tabu em protestos contra Hezbollah e líder xiita”. O texto é uma tradução do francês de um jornalista que trabalha para a AFP, que sugere que os protestos são dirigidos contra o Hezbollah, “acusando-o de corrupção e de empobrecer o país”.

É uma narrativa falsa de que os libaneses – ou, mais restritamente, os libaneses xiitas – estão sob o “regime” do Hezbollah. Essa narrativa não é ventilada só por ocidentais: alguns libaneses também não hesitam em contrabandear sua própria intolerância contra o Hezbollah e sectarismo dirigido contra os xiitas. Um retrato falsificado que identifica os xiitas automaticamente com o Hezbollah.

Amal Saad, professora de ciência política na Universidade Libanesa, acadêmica notória por ter escrito um grande livro sobre a história do Hezbollah e que escreve para o Al Akbar, notou a existência de uma cobrança de que o partido aja de acordo com seus discursos e com a imagem que procura vender de si, de um movimento revolucionário, distinto das oligarquias e preocupados com o povo – essa cobrança pode ser sincera (como no caso das bases do Hezbollah) ou cínica (pessoas de outras filiações políticas interessadas em desmoralizar o partido). Ainda acrescentou que apoiadores do Hezbollah estavam tomando parte nas manifestações.

O Hezbollah luta por manter suas credenciais de partido revolucionário, preocupado com os pobres e com a opressão econômica – luta que é vista por uns como oportunismo e por outros como louvável.

Segundo Amal Saad, em seu Twitter, “grande parte da base de apoio do Hezbollah não se convence com a proposta de reforma do governo” e “mesmo que leais à resistência, as pessoas estão exigindo que ela cobre responsabilidade de seus parceiros de governo ou se juntem aos protestos” [2], para em seguida citar precisamente a limitação que é o medo de um vácuo político e de segurança no país, que seja explorado pelo eixo EUA/Reino Saudita/Israel.

Existe um retrato distorcido quando se enfatiza um suposto “domínio” do Hezbollah no Líbano, inquestionável ao ponto de criar um “tabu” na região sul do país.

Em julho de 1997, no ápice do conflito militar com Israel, Subhi al-Tufayli organizou protestos (com violência, incluindo a queima de prédios públicos) contra a pobreza e as políticas neoliberais do governo, nos assim chamados “territórios” do Hezbollah e com a oposição do partido. Tufayli foi secretário geral do Hezbollah no ano de sua fundação, 1985, se convertendo posteriormente em uma espécie de “Leon Trotsky” e fundando um movimento alternativo.

Tendo como referência central de sua atuação política a oposição a seu antigo partido, al-Tufayli já transitou por um discurso de se apresentar como mais radical e ortodoxo na religião em alguns momentos, e em outros como o mais secular e nacionalista.

O discurso de al-Tufayli, hoje, é uma conjunção de ataques ao Hezbollah como “traidor da causa social”, ataques contra o Irã, ataques contra o “imperialismo russo”, cinismo em relação ao papel da resistência libanesa (que na sua visão seria um “favor” para Israel) e apoio à política regional da Turquia. Também já atacou o Hezbollah por este “explorar o sectarismo” e já desferiu ataques contra seu antigo movimento pelo envolvimento na guerra da Síria, além de se dedicar desde o ano passado a uma série de discursos dirigidos contra o Irã, que são viralizados através da Internet.

Em Duris e Brital, vilas do vale do Beca e próximas de Baalbek, apoiadores do xeique al-Tufayli fizeram suas marchas. Brital reapareceu nos últimos anos no noticiário internacional por conta da presença de tropas controladas pelo Hezbollah posicionadas para dissuadir o fluxo de terroristas devido à guerra na Síria. Alguns bloqueios foram feitos em estradas da região.

Mesmo nessas localizações, protestos se destacaram por seu foco na deterioração da situação econômica e pedindo a renúncia de ministros corruptos. Brital ainda é um dos diversos exemplos de uma região que teve suas fontes de água contaminadas pelo lixo.

No entanto, tão logo as manifestações começaram, muitos observadores externos e políticos locais já expressaram que sua única preocupação é o destino do Hezbollah – não a pobreza dos libaneses.

O jornal El Nashra contrapôs as manifestações partidárias a demandas locais: como exemplificado no caso de manifestantes em uma vila do norte do Beca que reivindicaram anistia geral e legislação que regule o cultivo da cannabis. Por outro lado, em Jal El Dib as falanges marcharam contra o governo – e agora estão acompanhadas pelo seu líder Sami Gemayel -, como fizeram adeptos do líder druzo Walid Jumblatt em Chouf e Aley. As Forças Libanesas marcharam fortes em Keserwan e em Koura. Em Tripoli, as manifestações massivas teriam servido também para chefes políticos sunitas acertarem contas entre si.

É natural que todas as forças anti-Hezbollah apostem sua sorte, principalmente pelo fato de que até então a correlação de forças não estava a seu favor. O partido, mesmo depois da guerra da Síria, parece mais forte do que nunca.

No decorrer dessa semana de manifestações, a atitude do Hezbollah foi cuidadosa, porém passou por mudanças. Na sexta-feira passada (18), o secretário-geral Hassan Nasrallah saudou as manifestações em suas pautas econômicas, mas disse que o seu movimento não pode apoiar a dissolução do governo, pois isso geraria um novo impasse e um vácuo institucional.

O governo deveria ser responsabilizado e responder ao clamor das ruas.

Por isso, receberam bem pacote que Hariri e seu governo ofereceram como resposta aos protestos no dia 21. Neste novo plano, o déficit do orçamento foi zerado e não haverá novos impostos. Os salários dos parlamentares e ministros deverão ser cortados pela metade. Os bancos terão que cobrir 3,4 bilhões do déficit e Hariri diz que os impostos aumentarão contra as instituições financeiras.

O governo também reduziu quatro ministérios, medida que pode ser considerada cosmética. Fechou o ministério das comunicações e algumas agências; também reduziu em 70% o orçamento da agência responsável por projetos de construção e desenvolvimento, que é objeto de polêmicas devido aos esquemas imobiliários. Serão distribuídos ainda 160 milhões de dólares em empréstimos para a construção de casas e milhões de dólares (não especificado) serão distribuídos para famílias na pobreza.

Na última sexta-feira (25), depois da progressão dos acontecimentos, dos conflitos políticos e da guerra de narrativas, a fala de Nasrallah mudou para um tom menos simpático, de reprimenda. Disse que o Líbano está na mira de potências estrangeiras e que o movimento que começou sem infiltração agora estava parcialmente infiltrado.

Se referiu ao discurso que o Presidente Michel Aoun fez no dia anterior, em que ele abriu uma porta para negociar com líderes das manifestações. “O Presidente abriu uma porta, se vocês não possuem liderança, escolham, se vocês não conseguem concordar, escolham uma para cada região”, dizendo que é justo permanecer na rua enquanto eles negociam – “e organizem em distritos, escolham líderes, escrevam suas demandas, negociem, pressionem e fiquem nas ruas”.

Nasrallah disse que de outra maneira os manifestantes estão aceitando uma liderança secreta e vão trocar um corrupto por outro.

Disse que também que fechar estradas é um ato legítimo de desobediência civil, mas que está se criando um problema de abastecimento. Declara que não quer que o exército os retire, mas sim que eles saiam por vontade própria ou pelo menos liberem espaço para a passagem. Condenou, no entanto, os que estão revivendo “práticas da guerra civil”: pedindo identidades (o que foi relatado por Nawal Berri), dinheiro ou atrapalhando o acesso aos hospitais.

Se posicionou dizendo que o Hezbollah não vai aceitar a queda do governo, nem uma nova eleição e nem um racha na coalizão. “Se as coisas continuarem dessa maneira a anarquia vai dominar”, mas que de outra forma é possível seguir o diálogo propositivo.

No meio do seu discurso, conclamou a “multidão da resistência” para que deixassem as manifestações, o que gerou um movimento massivo de manifestantes se retirando. Ocorreram conflitos e trocas de insulto – a retirada foi coberta por linhas de divisão organizadas pelo exército.

Conflitos já haviam ocorrido mais cedo entre apoiadores do Hezbollah e do Kataeb na Praça dos Mártires, em Beirute. Na praça Riad al-Solh, também na capital, o exército usou blindados para organizar a saída de manifestantes. Alguns conflitos foram retratados na mídia como “ataques de apoiadores do Hezbollah contra manifestantes”.

O jornal Al-Mustaqbal foi um dos que publicou que os manifestantes na praça Riad al-Solh foram atacados por apoiadores do Hezbollah, que gritavam contra Samir Geagea, líder das Forças Libanesas. [3] Um atirador desconhecido disparou contra apoiadores do Hezbollah que se retiravam da praça. Duas pessoas ficaram feridas.

Ensaios de uma guerra civil?

O famoso jornal libanês progressista Al-Akbar publicou que o faccionalismo político dentro das manifestações pode gerar o caos, o que ameaça não só o movimento, mas o país. O artigo é assinado pelo presidente do comitê editorial, Ibrahim al Amin. O editor alerta contra falsos slogans que apelam para a “unidade” do país, denunciando também “forças oportunistas” que querem se aproveitar dos protestos para reviver certas posições ou questionar a legitimidade “desse ou daquele grupo”, usando o problema do sectarismo de forma sorrateira. Nesse “exército de oportunistas”, al Amin conta não só os partidos políticos tradicionais, mas “clérigos, mercadores, homens de negócio, economistas, profissionais de classe média, especialistas e ativistas de organizações financiadas do exterior”.

“O caos que reanima as tensões, que rapidamente ganham dimensões regionais e sectárias, que em breve chamará por financiamento, apoio, armamentos e cobertura política”, situação que também trás mecanismos de provocação, de “ataque e retaliação”, e que vai transformar os desempregados em exércitos da próxima geração de “herdeiros” de todas as seitas, diz o jornal. O texto também denuncia setores da mídia que fazem “papéis sujos” ao apresentar certos slogans provocativos nesse momento.

Denuncia os que teriam interesse em uma nova guerra e acusa o presidente do banco central, Riad Salamé. O banqueiro em tese seria um alvo primário das manifestações, mas estaria interessado na manipulação delas através de setores midiáticos ligados a seu império de negócios, que veiculam discursos provocadores.

Reafirma a necessidade do movimento prosseguir em suas demandas econômicas, mas que a maior ameaça contra ele é o caos e o militarismo. No dia anterior, o editor do Al Akbar também denunciou interesses sauditas e a irresponsabilidade de grupos como o partido Forças Libanesas, o Kataeb e o Partido Socialista de Jumblatt. “As Forças Libanesas estão tentando mudar a direção do movimento de um contexto de demandas para atender à campanha saudita contra o Hezbollah”, escreveu.

Também se referiu a grupos menores diretamente financiados pelos sauditas e ao general Ashraf Rifi em específico. O general é diretor geral das Forças de Segurança Interna (polícia nacional) do Líbano, e foi Ministro da Justiça entre 2014 e 2016.

No Twitter, o general não esconde a postura provocativa, com afirmações como: “o Hezbollah assassinou nossos líderes e participou do assassinato do povo sírio”, “o movimento não é financiado por estrangeiros mas pelo povo, diferente do que afirma Nasrallah”, “o Hezbollah mandou seus shabihas para agredir manifestantes no centro de Beirute” (shabiha é um termo usado na guerra civil na Síria para se referir a milicianos a serviço de Bashar al-Assad). Ataques ao Hezbollah se misturam com slogans revolucionários e odes ao norte do país, especialmente sua cidade de origem, Tripoli.

Especula-se que quando Saad Hariri foi forçado a renunciar pelos sauditas (sob a custódia deles) em 2017, Rifi seria o herdeiro de sua posição de “líder sunita”.

O ex-chefe do mesmo serviço do general Rifi, as Forças de Segurança Interna, e atual deputado, o major-general Jamil al Sayyed, um aliado histórico da resistência (além de ter sido preso por um período, acusado pelo assassinato de Rafiq Hariri), assumiu um tom mais cuidadoso na sua rede social. Apoiou as manifestações em tom mais tranquilo, condenando a corrupção e o sistema sectário. Também defendeu o Hezbollah do que seria uma campanha fake news com bandeira falsa no WhatsApp, em que um texto ameaçador contra os manifestantes é atribuído ao Hezbollah. No entanto, respondeu ao discurso do líder do partido falando de uma “tragédia do destino” se abatendo sobre Nasrallah, “o mais puro”, “que tem que proteger os corruptos para o estado não desmanchar, enquanto ele se desmancha por culpa desses mesmos corruptos”, falando por fim que Nasrallah já carregou o peso do sangue dos mártires para salvar o Estado antes.

Osama Saad, deputado eleito pelo distrito de Sidon e chefe do partido Organização Popular Nasserista, declarou que existem tentativas “americanas e israelenses” de empregar partes do movimento de protesto.

Para o embaixador russo em Beirute, Alexander Zabeskin, os Estados Unidos já planejavam estimular o caos na região para atingir o Hezbollah e outros “adversários regionais” (leia-se: o Irã), incluindo a manipulação de divisas para intensificar a crise cambial que é uma das razões do descontentamento popular.

As ruas são disputadas, e a mídia faz parte dessa disputa.

A estratégia do Hezbollah

Alguns simpatizantes do Hezbollah ficaram preocupados com o posicionamento de Nasrallah na última sexta-feira.

O Hezbollah alcançou a fama internacional como um raio de genialidade estratégica. No ano 2000, nove anos depois de decretado o “Fim da história”, e décadas depois de diversas derrotas do arabismo nas mãos de Israel, um movimento guerrilheiro de resistência impôs uma derrota sem precedentes ao exército israelense. Esse movimento de libertação nacional não tomou o poder depois de sua vitória.

Como Amal Saad expõe em seu famoso livro – publicado em inglês no ano de 2002 como “Hizbu’llah – Politics and Religion” – , a prioridade do partido sempre foi a organização e a garantia da resistência contra Israel, sacrificando outros objetivos e conflitos políticos como menores perante esse objetivo.

Assim se orientaram tanto na oposição, como no governo, se engajando gradualmente. Se tomassem o poder, uma nova guerra civil estouraria e Israel poderia voltar.

Quando Israel invadiu o país em 2006 – confiante com a retirada das tropas sírias depois da chamada Revolução dos Cedros – o Hezbollah se enfrentou com uma situação difícil, em que várias facções foram coniventes com a invasão. Mesmo países árabes do Golfo e grupos muçulmanos não se importaram com o que isso significaria para a região e para a Palestina; nacionalistas libaneses das velhas milícias cristãs que não se preocuparam com a destruição trazida pelas tropas israelenses, desde que ela levasse o Hezbollah junto. Até mesmo comandantes do exército libanês foram coniventes com a operação.

Vencendo mais uma vez os israelenses, o Hezbollah conduziu uma estratégia política para evitar que isso voltasse a acontecer. Buscaram aliados no campo dos cristãos adeptos do nacionalismo libanês. Encontraram Aoun. Foi em 2006 que o Movimento Patriótico Livre rompeu com a Aliança 14 de Março e assinou um memorando de entendimento com o Hezbollah.

Ao invés de atropelar o movimento Amal – o que poderia ter feito concorrendo contra ele em diversos distritos – respeitaram o velho adversário sabendo que uma confrontação direta poderia jogar o partido de Berri nos braços do imperialismo.

Dentro da política sectária do Líbano, o eleitorado sunita era (e ainda é) prisioneiro da hegemonia de Hariri. Como o cargo de primeiro-ministro é destinado a um sunita, não havia opção. O general Ashraf Rifi não era opção. Hariri tentou usar sua posição de força e recusar o posto, mas acabou concordando.

No dia 4 de novembro de 2017, em uma viagem para a Arábia Saudita, abruptamente Saad Hariri declarou em televisão que renunciava ao cargo de primeiro-ministro devido à “intervenção iraniana” no Líbano, e que o Hezbollah desejava matá-lo. O governo, o presidente e o Hezbollah negaram as acusações como parte de um complô, não aceitaram a renúncia e exigiram que a monarquia saudita libertasse seu primeiro-ministro. Os sauditas mantiveram ele sob custódia e obrigaram Hariri a fazer o pronunciamento como forma de precipitar o desmantelamento do sistema libanês, para que as forças políticas se devorassem em um conflito pelo poder. A jogada era mais um passo nas tentativas da administração dos Estados Unidos de provocar uma guerra contra o Irã.

O Hezbollah não cedeu à provocação e Hariri eventualmente foi libertado, voltando para a sua posição de governante. Hariri viu do que os sauditas são capazes. Naquele momento, o príncipe Salman havia terminado seu grande expurgo contra a própria família. Na Síria, Hariri viu o que extremistas podiam fazer e como os peões na região são descartáveis para o imperialismo. Ele sabe que os extremistas que estão na franja de seu próprio campo são um perigo para sua fortuna e uma guerra civil um perigo para seus negócios.

Se Hariri se recusa a incendiar o próprio país, os Estados Unidos e seus fantoches precisam encontrar outros caminhos. Uma “revolução colorida” é um ótimo caminho, como comprova uma discussão pautada no The Washington Post (que vamos ver a seguir).

É natural que os apoiadores do Hezbollah se frustrem. Afinal, são velhos inimigos de Hariri. Nos últimos dois anos, o partido vem pressionando tanto o Movimento Futuro como o Amal, exigindo medidas anti-corrupção. Também vem buscando articular uma postura econômica mais ativa perante o sofrimento dos libaneses: inclusive com propostas mais radicais do que o pacote de Hariri em resposta as manifestações, contemplando ataques mais diretos aos banqueiros e cancelamento de dívidas.

Manteve sua prioridade estratégica: a preservação da resistência e de sua capacidade organizacional. Sua posição de ator político que protegeu a integridade do estado libanês lhe dá mais força para garantir a realização das reformas. Prefere os inimigos e os cleptocratas que já conhece, em um arranjo político delicado que se esforçou para montar, do que confiar em um movimento que já está recebendo apoio de velhos oligarcas e da direita cristã colaboracionista, imprevisível.

Nasrallah saiu da postura defensiva e assumiu uma postura ativa – colocou as cartas na mesa, obrigando os adversários a fazer o mesmo. Tentar surfar como um oportunista não era a melhor opção, pois diversos grupos que tem menos a perder e tentam fazer o mesmo já estavam tentando colocar o partido contra a parede. Nasrallah impôs limites, ofereceu uma narrativa, dividiu os manifestantes e cravou sua própria bandeira.

Os que se preocupam hoje lembram os apoiadores que ficaram assustados quando Nasrallah, em discursos sérios e tensos, reviu as posições do partido sobre a primavera árabe em 2011 (fazendo uma crítica) e quando em 2013 anunciou a participação no confronto sírio. O líder político por fim teve uma visão estratégica mais acertada que a reação apocalíptica de alguns de seus apoiadores.

Os que lamentaram a falta de discursos inflamados a favor das manifestações em 2011, terminaram por compreender a visão estratégica de Nasrallah pouco tempo depois.

Com a linha traçada no discurso de sexta-feira, os elementos de oposição ao Hezbollah vão se expor, colocar suas posições contra a resistência e se isolar. Até agora, a saída dos apoiadores do Hezbollah reduziu as manifestações. Um grupo de soldados aposentados que participavam das manifestações se retirou devido à direção contrária à resistência.

O movimento perdeu o momento, apesar da mobilização midiática e o investimento de certas forças políticas ter aumentado.

É natural esperar provocações. No norte, em Al-Badawi, o exército foi atacado por um grupo armado em circunstâncias mal esclarecidas. Em Tripoli existem grupos anti-xiitas, mas sem Hariri é difícil considerar que esses grupos vão superar o próprio isolamento.

No pior dos casos, a estratégia do Hezbollah vai falhar, as manifestações vão crescer ou a violência sectária voltar. O Hezbollah é o partido mais forte: é que mais tem condições de assumir um novo governo e é o mais bem preparado para enfrentar uma guerra civil.

O que não faz sentido é precipitar uma guerra civil.

No país, a esquerda não tem condições, organização ou músculo para manter uma presença de rua ou dirigir os movimentos. Os que dizem que o Hezbollah é igual aos outros partidos ou que Nasrallah é como qualquer outro político no cenário libanês estão cometendo um equívoco, que nos impede de avaliar bem a correlação de forças naquele país. Depois de anos lutando na guerra da Síria, inclusive se enfrentando com ataques israelenses, as forças do Hezbollah acabaram de ter conflitos bem sucedidos com Israel na fronteira. Nenhum outro partido consegue colocar apoiadores nas ruas como o partido de Nasrallah – nenhum faz nada parecido com o que eles fizeram no Ashura.

Por agora, eles podem preservar a sua capacidade de mobilização como uma carta. O Hezbollah hoje não é só visto como uma garantia contra Israel, como também uma garantia contra extremistas muçulmanos. É o Hezbollah que pode ostentar um mártir como Adel Termos, que no ano de 2015, em um mercado de Burj al-Barajneh (sul de Beirute), se jogou contra um homem bomba, se sacrificando mas salvando possivelmente centenas.

Nasrallah não apela portanto só para a sua força e ao poder do realismo: os seus adversários se revoltam com o tom “maternal” de sua declaração de sexta-feira por saber que ela aposta em uma autoridade moral.

Nesse momento, uma coalizão internacional de interesses tenta forçar um discurso sectário nas manifestações libanesas. É verdade que a outra alternativa é uma revolução colorida por excelência, “democrática”, com liberais da sociedade civil e das classes médias, organizados em ONGs. Adotaram uma narrativa de que o confronto entre Forças Libanesas e Hezbollah é uma “sabotagem” contra as manifestações, no entanto não parecem ter assumido (ainda) a direção do processo.

As questões sobre financiamento – o que inclui o estabelecimento de palanques, transporte, equipamentos de som e roteadores de Wi-Fi colocados nas praças para a manifestação – continuam válidas. [4]

Desde sexta-feira (25), diretores da American University of Beirut passaram a cumprir um papel nas manifestações – inclusive seu presidente falando deste “fim de semana crítico” e do papel da violência (o discurso foi feito em inglês).

Um americano também fez um discurso falando sobre a necessidade de um “governo paralelo” em uma localização próxima da Praça dos Mártires.

Como funcionaria uma alternativa de aventura revolucionária a partir das manifestações?

Se o Hezbollah dá apoio unilateral e decisivo, ou faz um chamado aberto para que seus apoiadores ocupem as ruas, ele abre a porta para provocações. Os seus inimigos – não só os adversários internos, mas os Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel – vão acusar o partido de estar fazendo uma insurreição, se jogando à conquista do poder.

O conflito iria escalar em um efeito dominó. Os Estados Unidos iriam dizer que é a “ofensiva iraniana” na região. A oposição diria que o Hezbollah rompeu o pacto social para tomar o poder. Os sectários da direita cristã maronita agitariam as águas para causar divisão espalhando terror perante a iminência de uma “revolução islâmica”.

A Arábia Saudita e seus agentes iriam reforçar a narrativa sectária do “crescente xiita”. Esse discurso foi usado quando as tropas sauditas ocuparam o Bahrein para reprimir as manifestações populares contra a monarquia al-Khalifa, identificando o proletariado urbano que se revoltou nas ruas com a filiação religiosa majoritária no país (xiitas; a casa real não é xiita). Apesar do sistema ser marcado por uma grande exclusão econômica que opera recompensando algumas famílias poderosas (incluindo um patriciado xiita), a monarquia apoiada pelos sauditas retratou a revolta de 2011 como “xiita” e através da dinâmica sectária reforçou a lealdade para si de grupos como a Irmandade Muçulmana e o partido salafista Al-Asala.

O mesmo discurso é usado para justificar a agressão dos sauditas contra o Iêmen e no seu apoio a grupos radicais na Síria como parte de uma luta contra a “expansão persa xiita”.

Por fim, Israel usaria a instabilidade como pretexto para avançar contra o território libanês. Hoje, o discurso da extrema-direita sionista que defende uma expansão israelense está mais forte e descarado do que nunca – partes do Líbano estão dentro desse projeto e o governo sionista acabou de anexar, de forma unilateral, o território ocupado nas colinas do Golã, que pertencem à soberania síria.

Toda essa dinâmica justificaria uma futura tutela internacional sobre o Líbano e o prolongamento de sua divisão.

Se o Hezbollah sai abertamente para manifestações, corre o risco de abrir espaço para provocações e ataques de grupos terroristas. Um cenário desses seria dar abertura para uma nova guerra civil, que começaria nos confrontos de rua.

O The Washington Post já deu o primeiro chute nessa direção, em texto assinado pelo colunista sênior David Ignatius: “A Síria está perdida. Salvemos o Líbano.”

David Ignatius, jornalista e novelista premiado, não é um tolo – ele sabe como fabricar uma narrativa. Seu texto tem uma elegância superior ao tom escandaloso dos papagaios de think tanks intervencionistas. Com suas habilidades de escritor, ele está pautando uma posição da diplomacia dos Estados Unidos e formulando um argumento para um movimento de pressão intervencionista em cima do Presidente dos Estados Unidos.

No entanto, na série de “conversas off-the-record” (não gravadas) de Ignatius, todos os “políticos e oficiais libaneses” anônimos que ele cita (de acordo com ele, são “vários”) estão preocupados com os Estados Unidos abandonando os aliados na Síria, preocupados com a reunificação da Síria e com a vitória do “eixo Irã-Síria-Rússia”, que a situação atual é “ideal” para o Irã.

A posição das fontes coincidem com seu argumento, que é a defesa de um posicionamento geopolítico robusto e ativista da parte dos Estados Unidos. Afinal, segundo ele, o Líbano é mantido através de um equilíbrio de divisões – geopolíticas, sectárias e religiosas – que em última instância é mantida pelos Estados Unidos. Nas palavras dele:

“O que ajudou a manter essa precária estrutura viva por décadas foi a crença de que os Estados Unidos, no fim, não deixaram o país ser inteiramente dominado por inimigos do Ocidente.”

Isto é, os bons políticos libaneses citados pelo jornalista condicionam a existência nacional do Líbano a um vínculo com o Ocidente mantido pela presença dos Estados Unidos e que detém “inimigos” que são retratados com uma força estranha, estrangeira. Se formos mais longe, também se entende que o sistema de divisão política por cotas sectárias é “precário” e depende dos Estados Unidos.

Neste argumento, o texto sugere por contraste ou exclusão que o Hezbollah e seus aliados não são “libaneses”, não são forças legítimas.

Como é um artigo de um bom escritor, ele serve a propósitos diversos e corresponde a momentos diferentes no tempo: ele serve ao passado, ao presente e ao futuro. Oferece ao leitor uma ideia do Líbano nos últimos anos (o Hezbollah “tomando o poder” e o sensível equilíbrio preservado por uma presença dos EUA), um programa para a atualidade (“o governo dos Estados Unidos deve salvar o Líbano da hegemonia iraniana”) e uma justificativa para o futuro (se os Estados Unidos intervirem ou começar uma nova guerra civil em que os gringos terão sua facção predileta).

Leiam o seguinte trecho:

Aqui está uma sugestão para um governo Trump que precisa reafirmar seus interesses no Oriente Médio: Dobre a aposta no Líbano, um país onde os Estados Unidos já fornecem apoio econômico e militar significativo. O secretário de Estado Mike Pompeo, que diz que quer um Líbano mais forte, deve condicionar essa ajuda adicional a reformas econômicas específicas que possam conter a corrupção, que é uma ameaça quase tão séria quanto o Hezbollah.

Alguns funcionários do governo argumentam que Beirute já é uma causa perdida: o Hezbollah é a força política dominante aqui, então deixe o Irã se preocupar com o Líbano em colapso, afirmam eles. Mas esse argumento está errado, especialmente agora. A última coisa que o Oriente Médio precisa é de outro estado falido, especialmente um na fronteira de Israel. Um estado libanês mais forte machucaria o Hezbollah em vez de ajudá-lo.

Ignatius recorre a uma razão maior: pense em Israel. Reparem que o autor está debatendo com outra posição da diplomacia norte-americana, que é a favor da destruição do estado libanês. Se ela não está clara nesse trecho, ela fica na última frase do texto:

Arruinar o Líbano para pressionar o Irã, como sugerem algumas autoridades dos EUA, seria mais um ato de loucura para um governo Trump que já cometeu muitos erros no Oriente Médio.

Os adversários políticos de Ignatius que pregam a destruição do Líbano possuem uma preocupação baseada na realidade, mas uma preocupação igualmente imperialista, desumana e anti-libanesa. Eles não estão em negação e sabem que o Hezbollah precisa de estabilidade para se fortalecer, não de caos e guerra civil.

O único debate aqui são duas tentativas distintas de atacar o Hezbollah: um esforço conjunto com os países do Golfo e com setores do exército libanês para sufocar o Hezbollah, ou deixar o Líbano queimar (o que justificaria uma intervenção israelense).

A posição de Ignatius só se pretende mais civilizadora, já que prega também reformas econômicas que “aumentem a transparência” e atraiam mais investimentos, ao mesmo tempo que se sufoque o acesso do Hezbollah aos recursos estatais ou de outros partidos sectários dentro do “sistema falido”.

É interessante notar que mal haviam começado as manifestações, e funcionários do imperialismo já estavam cogitando a destruição do país.

Walid Phares, comentarista de direita ligado ao Partido Republicano nos Estados Unidos, “especialista em terrorismo” da Fox News desde 2007, ianque com origem libanesa e vinculado a milícias da direita maronita nos anos 80, também se manifestou:

“Querido Presidente @realDonaldTrump 2 milhões de cidadãos libaneses vem protestando e em muitas cidades contra a profunda corrupção em seu governo & contra a ameaça terrorista #Hezbollah. Eles vêem você como o líder do mundo livre e a voz deles por justiça. Eles querem o Líbano livre de novo!”

Enquanto o realismo dos russos e dos chineses aceita a realidade dos países com os quais lidam, negociando com quem estiver no governo e ajustando suas posições de acordo com o que está dado, nos Estados Unidos é normal debater em público qual é a melhor forma de subjugar o Líbano – se é aparelhando o estado, ou destruindo ele. Só os Estados Unidos se colocam universalmente em uma posição de julgar “o que fazer” com cada estado, pesando cada ator político em sua balança, escolhendo entre um projeto de reforma segundo seus desejos ou a destruição daquela unidade política.

O que chamam de “oportunismo” dos russos e chineses é sua disposição de negociar. Não é a toa que o discurso produzido nas mídias ocidentais diz que esse “oportunismo” é reconhecer ditaduras indiscriminadamente, porque vai na contramão de uma militância internacional feita com armas ocidentais em nome da democracia liberal e contra as soberanias da periferia mundial.

Na sua atuação no Levante, a Rússia buscou conversar com todos os atores e reforçou a importância de fóruns pautados na cooperação e na lei internacional (isto é, articulando a realidade das forças em campo com os mecanismos existentes de cooperação). Por isso tratou com a Turquia, Arábia Saudita, Irã, Israel, com facções da oposição síria e com facções curdas, sem fazer distinções radicais, sem unilateralismo, sem assumir uma postura de intervenção ativa e sem assumir uma posição revisionista (a única fronteira radical é consenso internacional: a do terrorismo representado pelo Daesh e pela Al Qaeda).

A Rússia teve tensões com o Hezbollah sobre a condução de sua política na Síria, assim como teve desentendimentos com o Irã. Não deixam de reconhecer o Hezbollah como ator na região e nem assumem uma postura de hostilidade perante a República Islâmica, ainda que não coincidam em todas as posições e os russos não assumam uma posição ideológica unilateral de enfrentamento com os Estados Unidos em defesa dos iranianos, nem sequer se apresentam de maneira ativa para mediar os problemas recentes. Também não são revolucionários da ordem internacional. Os russos mantém, outrossim, uma postura aberta de negociação, cooperação e exposição franca de seus interesses.

A Rússia mantém, no máximo, uma diplomacia de equilíbrio. Quanto à República Popular da China, nem isso. A China é o principal parceiro comercial do Líbano – tanto em importações como em exportações – e não há uma atuação semelhante à dos Estados Unidos, nem remotamente, nem em um nível inferior.

Isto é; nada se compara à atuação do imperialismo dos Estados Unidos – tentativas de equiparar a Rússia ou a China são enganosas. Existe um sistema, um projeto capitalista global que tem os Estados Unidos como campeão e super-potência unipolar. A Rússia e a China atuam nas frestas desse sistema – não são um segundo sistema, espelhado, uma outra ordem imperialista.

Essa é a ordem global – com seus aspectos culturais, econômicos e políticos – que triunfou depois de 1991. É pelas frestas dela que pequenos países como o Líbano podem buscar sua liberdade, apesar das forças políticas do país que preferem ser agentes dessa ordem global.

Os únicos interessados na criação de um campo de morte no Levante e nas montanhas libanesas são salafistas radicais, takfiris que vivem do apocalipse social, e como o próprio Ignatius assume, uma facção da administração dos Estados Unidos – a outra, da qual ele seria um porta-voz, é uma facção “esclarecida” que pretende transformar o Líbano em uma colônia ou protetorado.

A dissonância cognitiva dos comentaristas do imperialismo existe até mesmo no elegante Ignatius: ele trata o Hezbollah como aqueles pequenos bandos que os Estados Unidos apoiou na Síria, mais parecidos com gangues, dependentes da extorsão e criação de postos improvisados de pedágio. Isso apesar de toda a produção de discurso dos Estados Unidos contra o Hezbollah nos últimos anos girar entorno da figura de um Hezbollah sofisticado, de terno, envolvido em circuitos internacionais de lavagem de dinheiro, aparelhando o estado libanês, fazendo política regional, se politizando cada vez mais.

Fica um alerta para o nível de sofisticação do imperialismo: a produção intelectual hegemônica não se restringe em fronteiras de instituições estatais ou da sociedade civil. O debate sobre como destruir o Líbano vai do Departamento de Estado até as páginas do The Washington Post.

É a mesma sofisticação que eles possuem quando colocam “revolucionários” no lugar de soldados para cumprir seus desígnios. Organizações políticas da periferia mundial como o Hezbollah precisam formular suas estratégias a altura dessa sofisticação.

O Hezbollah, portanto, parte de um princípio correto: o Líbano é um alvo internacional. Isso está demonstrado e não é só um recurso demagógico do partido para se contrapor às manifestações. Ao invés de precipitar o conflito usando sua capacidade de mobilização para “disputar as massas”, o partido optou por mostrar uma posição de força perante as provocações de adversários – incluindo o grupo do primeiro ministro Hariri – que tentam jogar as manifestações para uma pauta que é contrária à resistência.

A estratégia tem como referência a preservação do estado perante uma super-potência que encabeça uma facção intervencionista. Rússia e China oferecem espaços de manobra para a independência libanesa. Apesar dessa referência, a estratégia não é defensiva: Nasrallah botou as cartas na mesa marcando a posição de seu partido, reivindicando a posição de força não só em relação aos manifestantes, mas também em relação ao gabinete de governo. Vão avançar o seu próprio projeto de reformismo econômico, distinto das facções neoliberais.

Riad Salamé, o presidente do banco central, já está tentando virar a mesa em nome do neoliberalismo: no sábado, falou com mídias internacionais sobre como o Líbano vai quebrar, sendo necessário encontrar uma “solução política urgente” através da renúncia deste gabinete, observando que Hariri “queria” renunciar por causa das manifestações mas não pôde. A jogada é incrível: ele quer reafirmar as medidas de austeridade que causaram as manifestações em primeiro lugar ao mesmo tempo que quer se identificar com as manifestações pedindo a “queda do regime”.

Agora, cabe aos adversários dar uma resposta. As manifestações no fim de semana já mostraram a tendência de se restringir e isolar uma parte da população que a princípio estava disposta a participar, reunindo agora uma face de classe média liberal aliada à maquiagem nacionalista de forças políticas contrárias à resistência. Uma resposta a altura da força Hezbollah não deve vir então das ruas, mas dos Estados Unidos “dobrarem a aposta” como pediu David Ignatius, transformando o Líbano em mais um episódio da sanha intervencionista anti-iraniana.

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Notas:

1. Quando o clérigo e líder histórico do movimento Musa al-Sadr desapareceu e Hussein el-Husseini (de origem patrícia) renunciou à posição de secretário-geral do movimento, o advogado e antigo líder estudantil Nabih Berri ascendeu como chefe do movimento, o que o transformou em um chefe militar (condição na qual ele contribuiu na resistência à invasão israelense no início dos anos 80).

2. Esta visão é corroborada em entrevistas realizadas pelo jornal Mada Masr, que mostram a diversidade de posições e o Hezbollah sendo tratado como um “caso especial”, medido de acordo com suas pretensões de ser um partido diferenciado. Uma das entrevistadas questionada sobre o assunto disse que mesmo muitas pessoas que se revoltam com a situação doméstica ainda enxergam no desarmamento do Hezbollah uma “linha vermelha”, vendo Nasrallah como a “proteção contra Israel”. A manifestante, que não é simpática nem ao Hezbollah e nem às Forças Libanesas (além de chamar a retórica de Gebran Bassil de “extrema-direita”), considera que é importante não desviar o foco das demandas por reforma econômica radical, e que postular o desarmamento do Hezbollah será a derrota das manifestações.

3. Militantes e milicianos do Amal atacaram manifestantes desde o início das movimentações.

Alguns adversários do Hezbollah sugerem que o partido faz um jogo de “policial bom, policial mal” com o Movimento Amal. Berri seria o policial malvado e seus apoiadores os capangas de intimidação, por ocuparem uma posição menos delicada e comprometedora do que a do Hezbollah.

O discurso mais agressivo e sectário mira no “dualismo xiita” (ou “bilateralismo xiita”, a “dupla xiita” ou “duo xiita”), em que o Hezbollah e o Amal são tratados como faces da mesma moeda ou partes de um bloco homogêneo: no Al-Arab, editado em Londres e anti-iraniano feroz, o jornalista Ali Al’Amin falou do povo do sul levantando devido uma “raiva histórica” em relação ao autoritarismo desse bloco (ainda que observando que essa raiva pode ser mais intensa em relação ao Amal).

Também no Al-Arab, o professor Khattar Abou Diab escreveu sobre a “intifada libanesa” tendo como referência uma posição anti-iraniana, mas se refere – em tom mais leve do que seu colega – a “passividade” do Hezbollah perante o movimento. Abou Diab exemplifica uma posição libanesa anti-Hezbollah, que enxerga no movimento atual o legado do movimento de 2005.

4. O jornalista e analista político Galeb Ahmad Moussa (que infelizmente veio a falecer esta semana), no dia 20 denunciou “infiltrações” e expôs imagens  que incluem homens vestidos de clérigos distribuindo dinheiro para manifestantes.

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