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China: empregos e estabilidade irão gerar crescimento econômico, não o contrário

Depois da pandemia de coronavírus, China aposta na garantia do padrão de vida e na estabilidade dos empregos para alcançar crescimento econômico.
por Gabriel Deslandes | Revista Opera – Revisão de Beatriz Aguiar
(Foto: thepismire)

Pela primeira vez desde 1990, a China não terá uma meta anual de crescimento do PIB. O impacto da pandemia da Covid-19 na produção e no comércio chineses justifica a medida inédita, comunicada pelo primeiro-ministro Li Keqiang na abertura da reunião anual do Congresso Nacional do Povo, em maio deste ano. Há, porém, uma mensagem importante por trás do anúncio: Pequim colocou, como prioridade econômica do ano, a estabilidade social e dos empregos à frente da própria meta de crescimento. Nas palavras de Li, a China “está enfrentando fatores imprevisíveis em seu desenvolvimento. Por isso, dará prioridade à estabilização do emprego e à garantia do padrão de vida”.

A declaração do primeiro-ministro, logo na abertura do congresso, indica a necessidade do governo chinês de flexibilizar políticas de estímulo para preservar empregos e manter a economia em equilíbrio. É o que afirma o economista sênior da AXA Investment Managers e especialista em mercado financeiro asiático, Aidan Yao. Em sua coluna na South China Morning Post, Yao explica que, apesar de não terem definido uma meta específica de PIB, isso não quer dizer que as autoridades chinesas vão aceitar qualquer taxa de crescimento.

Segundo o vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, Ning Jizhe, um certo nível de crescimento ainda é crucial para perseguir, por exemplo, a erradicação da pobreza e o combate ao desemprego. Por isso, levando em conta o déficit orçamentário definido em 3,6% do PIB, estima-se que o crescimento nominal possa ser de 5,4% e um crescimento real de 2 a 3%, a depender ainda do deflator implícito de preços.

Porém, o presidente Xi Jinping considera a indefinição da meta também como uma  chance de se “despedir do velho hábito de colocar o crescimento do PIB acima das demais agendas econômicas”. O líder chinês acredita que a medida propicia ao Estado a oportunidade de investir numa agenda sustentável de garantia do bem-estar de seus cidadãos. “A recessão econômica mundial foi inevitável e ainda há muitas incertezas sobre o impacto que ela terá sobre nós”, disse o presidente.

Sendo assim, na reunião do Politburo de 17 de abril, foram reafirmados os desafios  da economia chinesa no pós-pandemia e definidas as ações a serem tomadas para manter as “seis estabilidades”. São elas: o emprego, meios de subsistência básicos, mercados, segurança alimentar e energética, estabilidade das cadeias de abastecimento e operações sociais. Dentre elas, o emprego estável se tornou a maior prioridade política para este ano, em meio a preocupações cada vez maiores com o aumento do desemprego. As autoridades chinesas planejam criar em 2020 nove milhões de empregos e manter a taxa de desemprego em torno de 6%.

Para alcançar as “seis estabilidades”, Yao destaca que o crescimento econômico positivo da China será uma consequência da manutenção da estabilidade econômica e social, e não a causa, tal qual nos anos anteriores. Desse modo, Li Keqiang anunciou um pacote de estímulo, elevando o déficit orçamentário para 3,6% do PIB e vendendo um trilhão de iuanes (140 bilhões de dólares) em títulos especiais do Tesouro. Além disso, os governos locais foram autorizados a emitirem outros 1,6 trilhões de iuanes de bônus para financiamentos em infraestrutura. 

O pacote fiscal também garante 4 trilhões de iuanes (559 bilhões de dólares) em cortes de custos para fábricas e comerciantes em dificuldades. A cobertura dos custos comerciais inclui isenções de impostos, taxas de juros bancárias mais baixas, dispensas de contribuições para fundos de assistência social e preços reduzidos para empresas de serviços públicos, como eletricidade. Ao todo, o pacote fiscal total pode valer cerca de 4,2% do PIB.

O conjunto de medidas anunciadas contrasta com o pacote lançado pela China em 2008 – em resposta à crise financeira global –, cuja concentração se voltava aos gastos estatais alimentados por endividamento, contribuindo para o aumento da dívida do país. “Dizemos que não vamos inundar o mercado (com liquidez excessiva)”, afirmou Li. “Mas tempos extraordinários exigem esforços extraordinários. Sem água não podemos criar peixe, mas se houver muita água, alguém vai aproveitar para pescar num rio agitado. Temos que pensar seriamente sobre a origem do dinheiro e qual o seu destino”, complementou.

Para Yao, o estímulo proposto até parece tímido se comparado tanto aos anunciados recentemente pela maioria dos governos ocidentais como o que foi implementado pela própria China durante a crise de 2008. Assim, o economista questiona se o pacote seria suficiente para assegurar ao país um crescimento anual acima de zero. A recuperação econômica dos últimos meses indica que sim: em menos de dois meses após a paralisação decorrente da Covid-19, a produção industrial cresceu 3,9% em abril, enquanto o investimento em ativos fixos, como o valor dos gastos em imóveis, infraestrutura e bens de capital, não teve uma queda grande no mesmo mês. Com a normalização contínua dos gastos de consumidores e atividades do setor de serviços, é possível que a economia retome o crescimento já no segundo semestre.

O governo chinês parece ter evitado apresentar, de imediato, medidas de estímulos volumosas a fim de manter algum grau de flexibilidade na aplicação das políticas fiscal e monetária. Uma evidência disso pode estar no relatório de trabalho divulgado pelo Conselho de Estado, que demonstra o interesse das autoridades do país de enfrentarem os desafios de forma mais prática e flexível. A própria repetição da palavra “flexível” reflete a descrição vaga da política monetária a ser aplicada. No relatório de trabalho, a orientação geral da política monetária chinesa é permanecer “prudente”. Isso sugere que o Banco Popular da China (PBOC) planeja um espaço “limitado” para mais cortes no compulsório (reservas bancárias).

Já em 2019, o banco chinês não havia se envolvido em injeções excessivas de liquidez para sustentar o crescimento. Ainda que o PBOC deva manter em 2020 o nível de financiamento total da economia, alinhado com desenvolvimento econômico do país, as autoridades monetárias chinesas seguem “prudentes” desde a assinatura da fase 1 do acordo comercial com os EUA. “Ficamos felizes ao ver a assinatura da primeira fase do acordo. É um bom movimento, e as expectativas do mercado tiveram uma melhora drástica. Certamente é uma coisa boa”, disse o porta-voz e diretor do escritório geral do banco, Zhou Xuedong.

O PBOC deve continuar se concentrando na melhoria da estrutura de financiamento e na redução de riscos financeiros – em 2019, por exemplo, modificou sua política de financiamento de empréstimos bancários tradicionais para mercado de ações e títulos. Mesmo assim, como o banco já havia reduzido o compulsório na virada do ano, em 1º de janeiro, em 50 pontos base (0,5 ponto percentual) a fim de aquecer a economia – liberando 800 bilhões de iuanes (115 bilhões de dólares em crédito) –, é possível que o banco aplique mais liquidez caso a atual política fiscal não baste para alavancar a economia.

Como o relatório de trabalho prevê que tanto a oferta de dinheiro quanto o crescimento do crédito serão “significativamente mais altos” do que os níveis de 2019, tudo indica novas reduções no compulsório e nas taxas de juros dos bancos para estimular a economia real. Segundo Yao, a política monetária não vai se limitar ao financiamento dos gastos do governo, mas irá representar uma fonte independente de estímulo atuando conjuntamente com a política fiscal.

A flexibilidade ressaltada nos planos econômicos também é vista na falta de orientação explícita para outras políticas, como atividades extrapatrimoniais de governos locais. Elas incluem empréstimos de bancos de apólices, gastos financiados por vendas de terrenos e atividades de grandes empresas estatais, como a China Railway Corporation. Em termos de normalidade, essas entidades operam de acordo com as forças do mercado, porém, em períodos de crise, elas são instrumentos eficazes para Pequim executar estímulos fiscais.

Yao considera provável que a China necessite de um pacote de estímulos no valor de 5,5 a 6% do seu PIB para chegar a um crescimento de cerca de 2%. O colunista do South China Morning Post não vê dificuldade nesse objetivo, graças à série de iniciativas já aprovadas pelo Congresso Nacional do Povo, e acredita que o desafio agora é executá-las de maneira “oportuna, eficiente e direcionada”. O pacote – voltado não mais apenas para crescimento, mas para preservação de empregos, renda e estabilidade social – poderá garantir o sucesso da economia chinesa durante 2020 e até 2021.

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