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Segundo turno no Equador

Em conjuntura marcada pelo rechaço ao ajuste neoliberal e pela resistência indígena, Equador votará entre propostas nitidamente antagonistas.
Em conjuntura marcada pelo rechaço ao ajuste neoliberal e pela resistência indígena, o Equador votará entre propostas nitidamente antagonistas. Por Alfredo Serrano Mancilla | CELAG – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Agencia de Noticias ANDES)

As eleições no Equador não foram celebradas no último 7 de fevereiro. Os cidadãos votaram, em grande medida, em outubro de 2019 [quando manifestações contra as medidas patrocinadas pelo FMI explodiram]. Não há forma de entender o resultado eleitoral sem olhar pelo retrovisor.

A votação de Yaku Pérez não se explica por Yaku Pérez. Nem a de Xavier Hervas por Xavier Hervas. Os 36 pontos que somam os dois têm uma origem clara: o rechaço, o rechaço sem enfeites.

E a esse fator cabe somar outro fundamental: o Equador está há tantos anos submerso em tal estado de confusão e incerteza que não é simples ordenar ideologicamente a ampla gama de candidaturas. A presidência de Lenín Moreno caotizou a política equatoriana.

Os quase 20 pontos que Yaku conquistou no primeiro turno têm como base o rechaço às políticas econômicas da “tripla aliança” (Lenín, o FMI e os grandes grupos econômicos). Rechaço que teve como grande protagonista o movimento indígena. Não é em Yaku que o povo votou. A maioria de seu eleitorado votaria em Yaku, Leonidas Iza, Jaime Vargas, ou em qualquer outro representante dessa resistência demonstrada epicamente nas ruas frente ao ajuste neoliberal. Esse espírito rebelde indígena transcendeu, convertendo-se em um verdadeiro sujeito político e eleitoral.

Nessa alta porcentagem de votos obtidos por Yaku também está presente uma outra parte dos cidadãos, afins a uma agenda progressista na chave ambientalista e feminista.

Pode-se dizer que Yaku é um candidato não progressista que conseguiu o apoio de parte do voto progressista e indigenista.

Os outros 16 pontos que chamaram muita atenção são os de Xavier Hervas. Neste caso, a explicação é um pouco mais difusa. Por um lado, está a herança de uma formação clássica do Equador, a Esquerda Democrática, com apoio histórico em algumas regiões do país, como a província de Pichincha. E, por outro lado, temos um candidato TikTok, excêntrico e provocador, que se conectou com um setor mais anti-sistema, cansado da velha política e com posições ideológicas muito heterogêneas.

Mas, apesar do bom resultado desses candidatos, nenhum deles estará no segundo turno*. Esse privilégio só terão Andrés Arauz e Guillermo Lasso que, in extremis, superou o número de votos de Yaku.

Arauz representa hoje a principal força política e eleitoral do país. O correísmo, após quatro anos de perseguição e com uma proposta manifestamente progressista, tem o apoio firme de um terço do país (32,5%). Dessa posição de força e com essa base consistente, a partir de agora o binômio Arauz-Rabascall tem como missão ampliar e seduzir um novo eleitorado que, por um lado, mostra afinidade em muitos sentidos comuns, mas que, por outro, exige a ampliação da agenda programática nos moldes mencionados anteriormente (ambientalismo, indigenismo, feminismo, anticorrupção).

O outro contendor no segundo turno será Lasso, que por si só não poderá melhorar sua intenção de voto (20%). Sua imagem positiva é muito baixa, e seu teto eleitoral também. O banqueiro tem um discurso demasiadamente conservador para ser atendido pelo eleitorado de Yaku e de Hervas. Seguramente, sua estratégia se centrará no pedido do voto útil contra o correísmo. Não tem outro caminho para procurar conseguir os outros 30 pontos percentuais de que necessita para ser presidente.

Nessa tarefa, Lasso terá uma grande dificuldade: o povo jamais obedece por controle remoto ao que um ou outro candidato diz em um segundo turno. E muito menos se tratando do eleitorado de Yaku e de Hervas. Estes 36% não votaram especificamente em duas pessoas. Escolheram cansados do velho, rechaçando tudo o que sucedeu nos últimos anos, buscando novos ares. E Lasso é quem tem a maior pontuação negativa em todas as variáveis.

Restam dois meses para o encontro eleitoral definitivo. O Equador votará de modo binário, entre duas opções nitidamente antagonistas, sem tanta dispersão. E ficará para trás o espírito do primeiro turno. Só há duas alternativas possíveis, que se contrastam facilmente, tanto no que fizeram no passado como no que poderão fazer no futuro.

* Um pedido de recontagem dos votos foi autorizado e atualmente está sendo levado em frente, para definir se será Lasso ou Yaku quem disputará o segundo turno.

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