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Wilson Barbosa: “os militares são completamente separados do povo brasileiro”

Em entrevista à Opera, Wilson Barbosa fala sobre a luta armada, Clausewitz, Rousseau e de seu mais recente livro, “Escritos Estratégicos.”
Em entrevista à Opera, Wilson Barbosa fala sobre a luta armada, Clausewitz, Rousseau e de seu mais recente livro, “Escritos Estratégicos.” Por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Terroristas já embarcaram: banidos 68, expulsos 2”. Foi assim que o jornal O Globo do dia 14 de janeiro de 1971 manchetou a libertação de 70 presos políticos brasileiros, trocados pelo embaixador suiço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado um mês antes por um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) dirigido por Carlos Lamarca.

Entre os nomes que embarcavam no Galeão em um avião com destino ao Chile estava o de Wilson do Nascimento Barbosa, um corpulento e alegre militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) que, banido do Brasil, chegaria ao Chile de Allende naquele mesmo dia, sob a salva de palmas de mais de 2 mil chilenos e uma gigantesca faixa dizendo “Marighella ¡Presente!”.

Wilson nasceu em 1941, no Rio de Janeiro. Filho de um policial militar, foi educado como soldado. “Evidentemente, quando me tornei militante, toda essa energia destrutiva reprimida que eu tinha eu canalizei para estudar o socialismo e me tornar um bom militante”, conta Wilson no documentário Setenta (2013), de Emilia Silveira. Desde cedo tendo contato com alguns círculos de esquerda, teria uma formação mais sólida dentro da Juventude Comunista. Em 1960, torna-se militante do PCB; faz cursos no ISEB de Nelson Werneck Sodré, trabalhando brevemente com Álvaro Vieira Pinto, e estuda História pela Universidade do Brasil. Em 1964, participava do Programa Nacional de Alfabetização, coordenado por Paulo Freire para alfabetizar cinco milhões de brasileiros. Tudo veio abaixo com a ditadura.

Em 1966, Wilson rompe com o Partido Comunista e passa a atuar junto a Marighella e Câmara Ferreira na ALN, sendo preso em 1969, em Montevideo, sob a acusação de ter colaborado com o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, meses antes.

Após o golpe de Pinochet, em 1973, tem uma breve passagem pelo México e vai para Lund, na Suécia, onde cursa Economia e Estatística e se torna Mestre em Economia Internacional e Doutor em História Econômica. Viveu também em  Moçambique, onde atuou como economista no Ministério  dos  Transportes e Comunicações   do  governo  socialista  da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Volta ao Brasil em 1985 e, em 1988, é aprovado no concurso para o Departamento  de  História  da  FFLCH-USP, onde ensinou História Moderna e História Contemporânea até sua aposentadoria, em 2011.

Autor de diversos livros, como Atrás do muro da noite: dinâmica das culturas afro-brasileiras, com Joel Rufino dos Santos, Cultura Negra e Dominação, Balanço da Economia Brasileira (1940-1980) e A Surda, Wilson do Nascimento Barbosa fala nesta entrevista à Revista Opera, a poucos meses de completar 80 anos, de Clausewitz, Rousseau, os militares no Brasil, a luta armada contra a ditadura e de seu mais recente livro, Escritos Estratégicos (Maria Antonia Edições, 2019):

REVISTA OPERA: O seu livro parte de quatro grande experiências para discutir estratégia: a revolução russa e a estratégia leninista; a guerra de libertação e a revolução no Vietnã, dirigida pelo “general invencível” Giap; a linha chinesa e, por fim, você trata da ALN e grupos armados na ditadura de uma forma mais geral. Por que essas quatro experiências são tão importantes para a discussão da estratégia socialista, e em que aspectos são diferentes entre si?

WILSON BARBOSA: Esse livro resume alguns textos que eu, quando dava alguns cursos como professor do Departamento de História da FFLCH-USP, usava. Quando dava os cursos eu não só usava textos de outros professores como também incluía alguns textos meus para o debate da turma. Esses textos são alguns deles, que eu dava para os alunos discutirem, e pensei neles para fazer justamente um “roteirinho” em que a pessoa começa com a questão teórica e chegar no exemplo de lutas revolucionárias concretas, como o caso do Brasil, da China, do Vietnã… E uma ideia sobre o que é a diferença entre o leninismo e outros marxismos, que acho que é uma coisa até pouco entendida no Brasil.

Então eu e o pessoal da edição, o Lincoln [Secco], optamos por esses textos para fazer um roteiro mais leninista, mais distante desse chamado marxismo ocidental, que está sempre repetido por  aí. A literatura publicada é quase toda sobre essa visão do marxismo ocidental, e é considerado que o marxismo de tipo soviético, chinês ou vietnamita é uma espécie de barbarismo, de atraso. E obviamente também a experiência de luta armada no Brasil, que é vista como se as pessoas tivessem ficado loucas de repente e resolveram fazer uma luta armada.

Então nossa ideia foi no sentido de normalizar o princípio de que em  toda luta de classes aparecem ideias diferentes, e essas ideias conduzem a estratégias e tentativas de luta diferentes.

Agora, é claro que a pista dessas escolhas também é um roteiro, porque para o aluno, o estudante de História, nós temos uma dificuldade cada vez maior: que é esse chamado “movimento descontrucionista”. Ele é  uma tentativa de destruir a razão na História, procura fazer o aluno tratar das coisas de uma maneira aleatória, colocando no primeiro plano o que seria uma liberdade individual. “Você, como pessoa, não precisa ler essas coisas, pode ter outras opiniões”, “por que a ciência, e não a magia?”, etc., aquelas coisas da Universidade da Califórnia.

Então isso atingiu um grande surto no Brasil, digamos, junto com o peixe vendido da globalização. Junto dela vieram todas as teorias da ala direita da  desconstrução, da eliminação da razão, etc. E para que isso fosse bem-sucedido, atribuíram à visão racional de mundo uma série de defeitos que ela não tem. Por exemplo: dizem que a teoria marxista, ou hegeliana, ou rousseauana de História é uma escatologia, um determinismo cego. Ora, nós sabemos que para o conhecimento científico tudo o que é existente no planeta  Terra é determinado; se não fosse, não poderia ser medido, nem explicado. Então eles, sob a alegação de combater o determinismo, combatem na verdade  a hipótese de um conhecimento científico; a ideia de poder conhecer as coisas, defini-las. Eles querem um ambiente cinzento, em que você não pode ter definição nenhuma, explicação nenhuma; as explicações que não concordam com o grande capital não servem, etc.

Então o nosso intuito com esse Estudos Estratégicos é colocar uma gotinha d’água lá na cabeça do estudante inicial, para ele refletir sobre o pensamento racional; quer dizer: a História nos fornece uma pista sobre o que acontece com a sociedade humana? Nós sabemos o que pode acontecer ou o que aconteceu a partir de uma lógica histórica, extraída dos fatos históricos? O nosso intuito é defender que sim, porque hoje a moda é: “você não tem que saber nada, não tem que se interessar por nada, um picolé verde é melhor do que um vermelho”, etc. É uma luta ideológica, digamos assim; combater a irrazão, a estupidez, a imbecilidade, que é a regra, não é? Hoje é a regra. Estão praticamente destruindo os estudos sociais.

Wilson na juventude, nos arquivos do DOPS. Segundo a polícia política do regime militar, era “um dos elementos mais perigosos da Faculdade Nacional de Filosofia” e membro do Movimento Armado Revolucionário (MAR). Na verdade, era da ALN.

REVISTA OPERA: O senhor falou sobre esse modismo intelectual e uma coisa que penso que era constatável nos anos 60-70, mas hoje é ainda mais constatável, é que a esquerda brasileira, via de regra, tem um certo atraso no estudo da ciência das armas – ou, melhor, da arte da guerra. O que você pensa disso? É um fato? E qual a importância do estudo da estratégia?

WILSON BARBOSA: Veja, não podemos nos fazer ilusões. Por que será que a ditadura teve aquele cuidado de assassinar, eu diria milhares, oficialmente centenas, de pessoas de esquerda ou militantes revolucionários naquele período que governaram o Brasil? Eles devem ter matado cerca de quatro mil pessoas de esquerda e militantes revolucionários; oficialmente o número estaria em cerca de 500, ou  600. Evidentemente, quando a pessoa era um operário, veio do Nordeste, do interior de Minas ou de São Paulo, se ela desaparece… Fica por isso mesmo. Eu até já percorri alguns cemitérios, as pedras tumulares, para ver. E se você fizer isso você vai ver que há uma quantidade enorme de jovens que morreram entre 1968 e 1975, que faz você refletir: por que morreu tanto jovem nessa época? E isso entre a classe média, pessoas que têm uma pedra tumular. No meio da classe operária, dos pobres, nem é possível diagnosticar esse número.

Quando eu era menino, me lembro que o Esquadrão da Morte matava no Rio de Janeiro uma média de seis pessoas por dia. Eles subiam naquelas favelas e matavam; a média era seis por dia, se você multiplica por 365, dá fácil umas 1800 pessoas por ano. Quando a ditadura estava aí, eles matavam umas 3 mil pessoas por ano, aqui em São Paulo outro tanto e no resto do Brasil ainda outro tanto. Deviam matar umas 10, 12 mil pessoas que se opunham à ditadura por ano. Esse número não existe, é claro, ninguém nunca vai pesquisar, ninguém quer saber, etc.

Então o que existe no Brasil é uma política da classe dominante de genocídio para quem toma um caminho diferente. O indivíduo é acusado de bandido, de assassino, e é exterminado fisicamente. E essas ditaduras da burguesia se disfarçam de democracia, porque é um sistema eleitoral, etc., e periodicamente voltam ao regime de ditadura; agora temos até o paradoxo da população eleger uma ditadura, o que é uma coisa extraordinária que estamos vivendo hoje.

O que acho, portanto, é que é uma ingenuidade da gente achar que essa esquerda que temos aí é uma esquerda consciente. Ela não é. Lá na Revolução Francesa, a esquerda era o pessoal que apoiava o movimento revolucionário: existe um movimento revolucionário, e existem aqueles que, entre a direita e ele, apoiam o movimento revolucionário. Eles são a esquerda. Na Assembleia francesa havia a planície, o pântano e a montanha; a montanha era a esquerda, o pântano o que estava ao lado da planície, e a planície o pessoal que votava com a direita. 

Então como é que temos no Brasil uma esquerda sem que haja um movimento revolucionário? Hoje no Brasil não temos movimento revolucionário. A ditadura matou todos os revolucionários que ela encontrou. Depois de 1979, digamos, que foi quando começou a tal da abertura, não foi reconstituído um movimento revolucionário. Existem até grupos pequenos, mas não existe um movimento, um partido revolucionário, que seja como o que foi o Partido Bolchevique, o Partido Comunista da China, o Partido do Vietnã, etc. Por que eles -o governo-  tiveram a habilidade de matar todas essas pessoas.

O que temos de esquerda são pessoas que dissentem da direita, que não aceitam aquele programa da direita; um não aceita porque não há uma lei de aborto, outro porque não existe creche, outro porque não é permitido beber cerveja depois da meia-noite. Cada um tem seu motivo. Mas isso não é uma amálgama ideológica, não é nem dá  uma força revolucionária. Isso não é nada; são pessoas descontentes. A nossa esquerda hoje, no Brasil, são pessoas descontentes, com pedidos isolados..

Se há um lugar onde a esquerda não representa um movimento revolucionário, esse lugar se  chama América Latina – e particularmente o Brasil. Então, se não há uma esquerda que represente um núcleo revolucionário, porque este foi exterminado, por que nós pretenderíamos ter a ilusão de que vai haver uma discussão sobre o caminho da revolução? Ou sobre a estratégia, táticas revolucionárias, ou sobre uma perspectiva de classe, de luta dos pobres?

Os pobres no Brasil são completamente desorientados; introduziram essa igreja neopentecostal a partir de 1964, com o golpe, e tomaram praticamente todas as favelas, todos os lugares onde os pobres moram, jogando o povo  no obscurantismo. Essa igreja pentecostal é o que existe de mais atrasado nos Estados Unidos, uma igreja racista, feita para destruir a liberdade mental nas pessoas – e é ela quem domina no Brasil hoje, é maior do que a igreja católica, e tem a proteção da polícia. Nós temos a Polícia Militar, que é um órgão de extermínio da população de cor; negros, mulatos, pobres, etc. O Brasil é um país ocupado, não é diferente de Israel; lá se você for palestino, está condenado a morte. E no Brasil, se você é mestiço, ou mulato, ou preto, ou pobre; quer dizer, pertence à maioria, você está condenado à morte.

Como podemos pensar em uma maioria populacional que não tem um partido que os represente, não tem um movimento de massas organizado, onde não se permite que as pessoas sejam progressistas? Como vamos pensar que neste país existe um movimento de esquerda que possa fazer um estudo de estratégia, de tática, um debate profundo sobre linha de luta política ou qualquer coisa que seja? Não existe nada disso aqui. 

Me recuso a aceitar a triste ideia de que essa esquerda que nós temos, que não faz nada mais do que choramingar nos pés da reação, que essa gente seja “esquerda” no sentido da Revolução Francesa, da Comuna de Paris, da Revolução Soviética ou da Revolução Chinesa. Esquerda é quem segue um modo de ver  revolucionário; segue o pensamento revolucionário, que não aceita o status quo e que quer mudar as coisas num sentido de mudança real do mundo, não porque quer que a coca-cola não seja mais castanha, seja amarela ou sei-lá-o-que.

Nós não temos mais um pensamento revolucionário, porque os revolucionários foram exterminados pela ditadura militar, e eles já estão se preparando para fazer um outro banho de sangue e eliminar a juventude que tem um pensamento um pouquinho mais radical. Essa é a realidade do Brasil. E lá fora não há nenhuma força que simpatize com a causa brasileira porque o Brasil é muito melhor assim; de quatro patas e vendendo bife e soja, do que como um país independente procurando seu próprio destino.

REVISTA OPERA: No livro o senhor faz muitas referências a dois autores, que particularmente são muito importantes e tiveram uma grande influência sobre mim: Clausewitz e Rousseau. Eu queria que você falasse um pouco sobre a obra desses dois, do porquê são importantes. Por que um militante de esquerda deve estudar Clausewitz e Rousseau?

WILSON BARBOSA: O Rousseau é o criador do sistema moderno de pensamento. Todo aquele processo que vem do renascimento até a Revolução Francesa desemboca no Rousseau. Porque houve aquela construção gradativa da mudança do herói. Quem é que toca a sociedade? Quem é que faz a história? Na Idade Média quem fazia a história era o cavaleiro, o cara montado no cavalo com uma lança, que não tinha direito à herança na casa dele, então ele saía em busca de outro território para conquistar uma propriedade para si. Essa mentalidade foi erodida pelo humanismo renascentista.

O que o humanismo renascentista fará é aquilo que foi feito no baixo império romano: ele cria outro tipo de herói, um tipo de herói pequeno-burguês. O pequeno-burguês substitui o cavaleiro andante como herói da sociedade, portanto viabilizando ideologicamente – no sentido de ideologia social – a ascensão do capitalismo. Porque o pequeno-burguês é o pequeno proprietário, o artesão, o cara que faz um sapato, que cria uma verruma, que faz uma serra, funde um metal. A pessoa que faz um trabalho de formiga; milhares de pequenos-burgueses que fabricam a história do povo europeu.

O que essa literatura descobre, a Iluminista, é que o herói da sociedade é o pequeno-burguês; não é o dono do castelo, o senhor feudal, o nobre. É o indivíduo que está ali passando a lixa no fundo do quintal, batendo no couro para fazer uma bota, etc.

Então isso dá em uma transformação. Porque os ingleses criaram no século 18 a imprensa livre e a  literatura romântica, que é retomada lá do baixo império romano, em que o herói da história é um pequeno-burguês, mas como os ingleses apresentam isso? Como eles não conseguiram romper com a monarquia, apresentam esse pequeno-burguês sob a forma de uma pessoa que vive numa casa, numa fazenda, num sítio, numa cidadezinha; tem uma porção de méritos, faz um montão de coisas, mas, no fim da história, ele consegue ficar com uma moça que é de uma posição social superior à dele e você descobre que ele é um filho bastardo do príncipe, do barão ou do dono da casa. Então o autor do romance, ele valoriza o pequeno-burguês mostrando que ele descende da aristocracia.

O que acontece com o Rousseau? Ele pega essa ideia do romance – porque é disso que nós estamos falando – e cria o herói pequeno-burguês que não descende do aristocrata; ele cria o pequeno-burguês que é pequeno-burguês. O cara que está lá na aldeia dele batendo o martelo a vida toda e só aquilo. E é esse cara que faz a história. Então se você ler  A Nova Heloísa, ou  a teoria de educação do Rousseau, toda aquela obra dele; eis o que vê: ele pegou a literatura inglesa romântica e vinculou com um processo político, em que ele mostra que essas pessoas vivem na aldeia, na pequena comunidade, e que é ali que se forja a nação. A nação é uma sucessão de aldeias para o Rousseau. E consequentemente ela tem de ser governada por esse povo pobre, esse povo simples, esse povo que trabalha. Rousseau valoriza o trabalho, a educação familiar, o conhecimento da floresta, a menor transformação do meio ambiente. O homem vive no meio ambiente; Rousseau escreveu aquela célebre sentença: não conheço nenhuma nação, nenhuma humanidade, que não seja uma humanidade chinesa, uma humanidade francesa, uma humanidade iroquesa, uma humanidade inglesa. A humanidade só existe como concreto; não existe humanidade como abstrato. Não há valores universais, o que existe são pessoas que têm que viver a sua vida, e vivê-la de forma plena, de acordo com seus sentimentos, com aquilo que ela sabe fazer e de acordo com uma modéstia, uma humildade que o torna sujeito na história. Porque ele é o povo construtor da história.

Daí que, no plano político, Rousseau conclua que a democracia é o governo direto do povo. E que os elementos eleitos, que representam o povo, só o representam; ele chega a dizer que os colégios eleitorais que governam a sociedade só funcionam quando o povo não está em assembleia. Que quando o povo está em assembleia esses órgãos não têm mais poder nenhum, porque é o povo que delibera. Quem governa o mundo? É o povo em assembleia! Seja uma aldeia ou uma nação de 10 milhões de habitantes; tem que ser criado um esquema em que o povo vá lá, vote, e escolha governantes que façam o mandato do povo. Essa é a verdadeira democracia, o pensamento de Rousseau.

Rousseau é ao mesmo tempo o pai da democracia burguesa, o pai da democracia popular, o pai do movimento socialista, o pai do movimento trabalhador. Porque ele está com todas essas virtudes na sua literatura, na sua concepção e filosofia.

O Rousseau é o construtor da teoria do homem novo; ele diz naquele livro extraordinário, Confissões – que as pessoas em geral lêem como um depoimento deprimente –, mas no qual  é que ele fala o que é a  a verdade, e se pergunta: o que é o homem do futuro? É o homem que fala a verdade, o homem que não mente! E para provar isso, ele conta as mentiras que ele fez na vida dele. Toda vez que ele fez uma mentira, ele produziu uma desgraça: conclui que o futuro se faz com base na verdade. É o homem novo; ele tem que jogar limpo com o outro, tem de ser igual ao outro numa assembleia do povo. Rousseau é o fundador da democracia – no nosso sentido, contemporâneo –; o fundador do populismo, no sentido positivo (governo do povo, para o povo, pelo povo, como dizia o Abraham Lincoln); e é o fundador, portanto, de uma procura por um mundo melhor baseado na maioria.

Ele é o tio, ou o avô, de todas as teorias socialistas, democrático-burguesas, democrático-populares, etc., que vão aparecer entre 1789, na Revolução Francesa, dez anos depois que ele morreu, e vão vicejar durante o bonapartismo e depois, na época do Estado restaurado, vão constituir todas as doutrinas socialistas, políticas, democráticas, do século 19, das quais nós somos herdeiros. Então Rousseau é importantíssimo.

Já o Clausewitz aplica a dialética que ele leu nos textos de Hegel, do qual ele era contemporâneo. E Hegel faz a crítica do feudalismo, do absolutismo, faz a defesa do princípio da contradição, mostrando que tudo o que está estabelecido se estabelece contra si mesmo. Uma coisa não existe a não ser que ela se estabeleça contra ela própria; ela contém, nela, a própria destruição dela. Então essa concepção dialética de Hegel, junto da concepção democrática de Rousseau, fundam o romantismo revolucionário, que é a base de todas as doutrinas revolucionárias do século 19 e 20. Porque quando falam do romantismo, você recorda; você vai lá na universidade e só te ensinam o romantismo reacionário, dos castelinhos feudais, da literatura de direita, etc. Mas ninguém fala do romantismo revolucionário, que está em Hegel, está em Rousseau, e está em todas aquelas figuras que nós vemos como criadores do movimento socialista do século 19. Daí que Clausewitz haja percebido que a estratégia da revolução francesa traga a invenção do Estado moderno, que é um Estado onde o povo se faz representar, e suas forças armadas são uma parte do povo em armas, como dizia o general Osório.

Muito bem. Esse mundo dialético e democrático vai se consolidando como uma categoria e dá, no marxismo, na teoria marxista do mundo, na interpretação das contradições do sistema capitalista: o papel da mercadoria como coisa alienada, como coisa antihumana; o homem sendo sujeitado pela máquina, se transformando em apêndice da máquina, que é o caso do operário alienado que, ao invés de dizer à máquina o que ela faz, é a máquina que diz a ele o que ele faz. E consequentemente a única finalidade dele é produzir mercadoria, mercadoria, mais  mercadoria, à qual ele não tem acesso: aquilo tudo é produzido para ser vendido a outras camadas sociais e a sobra é para ser destruída, porque ele não vai conseguir comprar aquilo.

Bom, essa visão do Rousseau e do Hegel está em Clausewitz. Porque o Clausewitz durante 25 anos combateu contra Napoleão. Paradoxalmente, Napoleão é o líder do exército burguês mais revolucionário da época. Nessa liderança do Napoleão o que existe de novo é a mobilização do povo comum como soldado; no lugar do mercenário se convoca o operário, se convoca o camponês, para servir no exército. E esse camponês defende a sua pátria, o que Clausewitz aprende com o Napoleão. Por que o exército francês é imbatível? Por que o Napoleão sempre tem ideias novas? Porque eles representam a revolução. Então ele aprende que tem que copiar isso, porque aquele mundo anterior acabou; o mundo da nobreza acabou.

O Clausewitz se junta a todo o processo de reforma da Prússia depois que ela é destruída por Napoleão, e constrói uma Prússia não mais voltada para o feudalismo, mas  voltada para a burguesia. E é essa Prússia que vai unificar a Alemanha. Se voltarmos aos textos do Hegel, tudo isso está previsto ali: a unificação da Alemanha, a cópia do modelo nacional francês, etc.

E esse que é o drama das nações subdesenvolvidas. De 1850 a 1950 o que nós vemos daquela experiência do romantismo alemão, daquela experiência do Rousseau, daquela experiência do Clausewitz, daquela experiência do Hegel, tudo isso se transformando em projetos de nações mundo afora, e criando a ideia de que é possível existir uma nação independente.Sim, que cada povo pode governar seu destino, e só depois que esse povo tiver libertado a si mesmo e conseguir resolver seus problemas materiais é que a humanidade pode se juntar em um bloco único e humanitário; porque se for se juntar antes disso vai dar naquela maldita escravidão que a gente conhece. Um vai montar a cavalo no outro, como dizia o Weber: se você permitir que uma nação tutele a outra, uma vai montar a cavalo na outra. O Max Weber que não é nenhum radical, é só um observador frio.

Então a importância de Clausewitz, de Rousseau, de Hegel, dos dirigentes socialistas, de Saint-Simon, Feuerbach; todos aqueles pensadores coroados pelo marxismo conduz, com toda tranquilidade, ao conhecimento livre, o conhecimento crítico e dialético para uma proposta de mundo onde existe a nação, a soberania nacional e onde as nações se arrumam sem conflito, ou negociando seus conflitos entre si.

REVISTA OPERA: O livro foi lançado em 2019. Eu gostaria de saber qual é a sua visão, você que viveu a ditadura, digamos, “intensamente”, “de perto”, sobre a atuação dos militares nos últimos anos e a eleição do Bolsonaro. E se isso influiu também na ideia de publicar um livro sobre estratégia.

WILSON BARBOSA: Esse livro é aquilo que falei para você; foi mais pensado para o estudante de História, de Ciências Sociais, por conta dessas teorias que estão em voga. A ala direita do desconstrucionismo é a estupidez santificada, então é preciso dar uma joelhada nessas coisas; “para aí, cara, também não é assim.”

Agora, quanto ao ambiente em que o Temer governou e que Bolsonaro governa, isso é produto do fato de que o único partido que tivemos nos últimos anos que não tinha um desempenho de extrema-direita foi o PT. E o PT era um partido muito fraco, um partido que, chegando ao poder, diluiu suas organizações de massa; um partido que não reúne, não discute com seus militantes. Se transformou em um partido burguês em que a estrutura do partido não é usada para educar politicamente as massas nem desenvolver a consciência do trabalhador. Um partido que somente reúne sua “boiada”, digamos, para votar no dia da eleição – é um partido burguês. Nem a social-democracia europeia era tão avacalhada. Isso abriu a oportunidade do golpe, favoreceu o golpismo, porque o povo estava sendo tratado naquela conjuntura como um rebanho de indivíduos e não em sua realidade de diferentes classes sociais.

Então o que temos? Um partido fraquíssimo. Foi atacado pela imprensa, que ele aliás bajulava, e foi destruído. E o que está aí hoje são os cacos do PT, que não têm nenhuma condição de governar nem de tomar o poder político – e que se ganhar a eleição vai ficar na mesma situação que estava antes, embora é claro, possa até ressurgir se for adequadamente dirigido. É isso que passa por   ser esquerda no Brasil; ninguém reconhece o que nunca viu – se você nunca viu um boi, não sabe o que é um boi. Então a juventude brasileira não sabe o que é esquerda, não sabe o que é movimento revolucionário, porque nunca viram isso. “Que é isso? Que será que é isso?” – não têm ideia do que seja isso.

Ora, se olharmos o que é o sistema militar brasileiro hoje, ele é uma caricatura do que era em 1964. Porque em 1964 eles eram quadros, eram instruídos, havia indivíduos que tinham feito a campanha na Itália – tinham uma concepção do que era nação, do que era certo, do que era errado. Faziam o que era errado, claro, sabendo que estavam fazendo algo errado – já esses nossos de hoje em dia… É a turma do leite condensado, do uísque, são uns pobres diabos. Você vê o Bolsonaro; ele não consegue falar! Não consegue articular a língua corretamente. Como uma pessoa que não consegue articular a língua corretamente pensa corretamente? Não há como.Ele é astuto, sabe defender sua classe, mas não é um coordenador inteligente. Se a palavra vem errada, é porque ele não sabe o que está falando.

É uma pessoa muito astuciosa, mas é como ter raposas num galinheiro; ele é muito astuto, como todos esses militares são. Porque querem comprar carne sem pagar imposto, morar sem pagar IPTU, carro financiado, leite condensado financiado… Isso tudo eles têm, e vão ampliando cada vez mais.

Se você observar o Exército, ele é uma organização comunista – no sentido de ter uma cooperação altamente intensificada. Tudo para eles é melhor, mais barato; fazem uma espécie de “comunismo de grupo” e pros outros é o lixo, e eles acham isso muito divertido.

Esse Exército foi ressuscitado pelo PT, que foi buscar essas Forças Armadas que estavam na indigência completa – porque os americanos não querem que a gente tenha Forças Armadas, os argentinos não querem. Eles tinham praticamente acabado, porque aqueles governos pós-ditadura olhavam para eles com desprezo, eram governos burgueses; “esses caras só sabem fazer besteira, tira esses caras daqui”. Mas aí vem o PT e ressuscita essa gente; botou eles lá no Haiti para matar preto, deu armamento, verba. Se você for em qualquer guarnição do Exército, eles têm computadores de linha, de última geração; têm cadeira, poltrona, mesa, para sentar; têm dinheiro para gastar em leite condensado, chiclete, tudo isso. O CNPq distribuiu 22 milhões para todas as universidades do Brasil. 22 milhões não dá nem para comprar papel higiênico – ainda mais se for por aqueles preços de 160 reais a lata de leite condensado.

Esse sistema, esses militares, são completamente separados do povo brasileiro – podiam morar todos em Miami, e aliás sairia mais barato para nós se eles fossem morar em Miami, a gente pagasse os salários deles, e eles não viessem aqui mais atrapalhar a nossa vida. Seria muito mais tranquila a nossa vida, como povo pobre.

Mas infelizmente é isso que nós temos; nós temos uma classe dominante estúpida. A maioria dessa gente da classe dominante vai para a escola e não sabe nada! Tiram o diploma deles por causa da corzinha da pele deles, por causa dos vínculos familiares, e ficam falando em sociedade de mérito – uma brincadeira, não é? Uma triste brincadeira.É uma classe dominante ausente, que mudou para o exterior e tem aqui suas empresas. E o povo é tocado como boi; cadeias atochadas de gente, estamos chegando a um milhão de pessoas nas cadeias, gente vendendo pacotinho de barato nas esquinas… Uma porcaria total, tudo quebrado, as árvores caindo, os barracos despencando.

O Brasil é  atualmente o traseiro do mundo. Nós conseguimos ser pior do que a Índia. E dirigidos por uma classe dominante de filhos de imigrantes, indivíduos incompetentes já no seu país de origem, que vieram para cá roubar, pilhar e levar tudo para a Europa e Estados Unidos; todo o lucro que existe aqui vai embora, depois é importado de volta como moeda estrangeira, e nós pagamos juros exorbitantes sobre isso.

REVISTA OPERA: Achei curioso você falar sobre o Exército como organização comunista porque, de certa forma, o Exército é um dos poucos partidos “de fato” no Brasil.

WILSON BARBOSA: Não é um partido para fora, mas é um partido para dentro.

REVISTA OPERA: Exatamente. E pensando nisso, no partido para dentro, você anota no livro que o PCB antes e depois do golpe de 1964 tinha um certo “trabalho conspirativo” dentro das Forças Armadas. Como você vê isso hoje, com esse Exército que temos?

WILSON BARBOSA: Olha, o Brizola, quando veio do exílio, dizia o seguinte: “na minha juventude eu conversava com os militares, me preocupava muito com o que eles queriam fazer, que propostas que eles tinham para o Brasil, e eu também tinha propostas, discutia com eles, nós tínhamos muitas ideias em comum. Mas eu aprendi o seguinte; num país como o Brasil, atrasado, desorganizado, etc., a melhor coisa que a gente faz com os militares é deixar eles lá cuidarem da vida deles e a gente cuidar  da nossa vida”. 

Eu acho que grande parte do problema dos militares na vida política do Brasil são os parentes deles, que dão importância para eles – se você não falar neles, não se preocupar com eles, por mais que eles estejam enchendo o bolso, recebendo dois salários ou três ou quatro, eles vão desaparecer. É o que foi feito no governo Fernando Henrique. FHC, que tinha vários generais na família dele, nunca deu bola para milico, e você vê como o governo dele foi tranquilo, como um passeio de lancha; os caras simplesmente desapareceram ali da vida política..

Agora, na medida que você dá voz para eles, que é o que essa imprensa, a Globo, os jornalões, fazem… Se você dá corda para pessoas cuja cabeça não funciona bem, elas vão ficar em evidência, e a vaidade deles vai ficar cada vez maior e vão querer fazer cada vez mais besteira.

O Bolsonaro falou em pólvora… Se o governo norte-americano mandar um porta-aviões aqui, com 120 aviões, ele acaba com o Brasil só com isso. Encosta ali do lado da Bahia e acaba com o Brasil; uma coisa ridícula. Mas nós fingimos que temos Forças Armadas. Para que servem as Forças Armadas num país subdesenvolvido? Para servir de pretexto para uma ação armada desde o exterior.. O Saddam Hussein tinha um exército de soldadinhos de chumbo; serviu como pretexto para uma agressão armada. Só no caminho de Bagdá os norte-americanos mataram 150 mil soldados do exército de Saddam Hussein, usando bombas gelatinosas. Assuntos militares são assuntos sérios; não é assunto para o sujeito que come sanduíche de salsicha no banco de trás da sala; e os nossos, infelizmente… Para que você vai falar que essas pessoas representam a defesa do Brasil? Nós estamos insultando a França. A França é um país que, no século 20, foi dos que mais matou dirigentes do Terceiro Mundo na calada da noite. Se você insultar o governo da França e eles resolverem matar você envenenado, queimado, torrado, como quiser; eles fazem isso em quinze dias. Mandam uma brigada de cinco homens que resolve o problema.

Então vivemos em um mundo fictício, parecem crianças brincando de soldadinho de chumbo; falamos “ah, o general fulano”… Não são generais! Quem nunca esteve no campo de batalha, que nunca enfrentou uma guerra, que não sabe fabricar os meios de morte contemporâneos; não são generais. O lança-rojão que nós temos aqui é uma patente que um americano abriu e deu pra gente; “toma esse troço aí pra você, ó”. É como aquela metralhadora INA que os dinamarqueses fabricavam para combater os alemães, e que depois da Segunda Guerra se generalizou aqui. É uma submetralhadora que não serve para nada; serve para você olhar para ela e bater palma. Então se nós não temos sistema militar – eu diria que hoje nós não temos condições de enfrentar o Paraguai como enfrentamos no século 19 – para que valorizar em excesso os  militares?

Eu te dou um exemplo muito claro: você veja o general Pazuello no Ministério da Saúde. Ele não consegue vacinar o povo brasileiro! Se você for na USP e chamar o presidente do Diretório Central dos Estudantes, ele consegue vacinar o povo brasileiro. Se você for no Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina – não sei quem dirige o CA, se é de direita ou de esquerda – mas ele consegue vacinar todo o povo brasileiro. Você pega um general, e ele não sabe. É uma tragédia. É uma brincadeira, como é uma brincadeira você pegar o Hitler e colocar ele como chefe supremo do Exército alemão. Você tem o melhor Estado-Maior do mundo chefiado por um idiota. O que isso vai dar? O nosso sistema aqui é a mesma coisa. O cara pode estudar, saber um monte de coisa, mas está sendo chefiado por idiotas. Não vai dar nada que preste.

O general deve ser uma pessoa circunspecta, silenciosa, trabalhar nas sombras. Uma pessoa preparada, competente, de sangue frio. Nós não temos esses generais aqui, temos burocratas, fardados, que ficam insultando juiz do Supremo, insultando estudante, insultando professor universitário, quando tomam o poder ficam batendo em criança, enterrando, fazendo sair pela chaminé de fábrica de açúcar. Besteirol! Isso é coisa para diversão de subdesenvolvidos, de incompetentes. Não temos nada aqui; então temos que nos portar como quem não tem nada. Não adianta valorizar coisas inexistentes aqui. Quando soubermos fazer contas, as quatro operações direito, podemos ter pretensões. Enquanto não estamos nesse nível, estamos nesse, de baixo, devemos ficar calmos e cuidar de melhorar a nossa educação, nosso sistema de saúde, vacinar nossa população, garantir emprego.

Você pense que o nosso capitalismo aqui tem 30 milhões de desempregados, de 105 milhões de trabalhadores em idade de trabalho, nós temos 30 milhões de desempregados! 30 milhões! Com essa pandemia, nós temos 60 milhões de pessoas que não têm de onde tirar renda. Esse troço, vou dizer para você: é o traseiro do mundo! Se você for em vários países da África eles têm mais gente empregada proporcionalmente do que a gente. O Brasil atualmente deve ser o país mais atrasado do mundo. E a gente discutindo “o general fulano é progressista, esse não quer ser, aquele outro tem tal proposta, o outro não tem proposta nenhuma”. Isso tudo é uma brincadeira de mal gosto. É melhor comprar uma garrafa de cachaça e beber.

REVISTA OPERA: Muitas vezes nós nos confrontamos com um certo discurso, muito difundido na imprensa, mas também nas escolas, nas faculdades, nos livros de história, que pinta as experiências de resistência, a luta armada contra a ditadura no Brasil, como um acumulado de ilusões, ingenuidade ou autoritarismo. E às vezes temos um discurso similar, mas mais “refinado”, que vai para acusações como “foquismo”, “vanguardismo”, etc. Um ponto interessante, no final do seu livro, é o apontamento de três grandes visões estratégicas para as organizações de resistência armada durante os anos 60 e 70. Queria que falasse um pouco sobre isso, sobre essas três visões estratégicas, e sobre o que pensa dessas acusações que são tão comuns.

WILSON BARBOSA: O que posso dizer é o seguinte: isso sequer é uma análise profunda. Aquele trecho [do livro], “Marighella e o mini-manual do guerrilheiro urbano” e “Acerca da Luta Armada”. O fato é que estou me referindo ao observável. Eu vivi esse período, eu andei nesse meio e participei dessas discussões. Então realmente foram essas três as estratégias que surgiram, que chamei de Guerra a Longo Prazo, Luta Prolongada e Estratégia Guerrilheira. Essas três concepções foram as que existiram: uns achavam que, se fizesse logo a guerrilha, ela desembocaria numa estratégia geral que derrubaria a ditadura; outros achavam que não, que tinha que ser aquela continuação do que existia – luta-se daqui, luta-se dali, e tudo vai tomando um curso objetivo, sem que fosse possível saber a priori qual estratégia se deve priorizar; e a outros achavam que era necessário se preparar para fazer uma guerra de longo prazo, montando um Partido separado de um Exército e travar uma guerra sabendo que levaria de 20 a 30 anos para vencê-la.

Essas três ideias eram as que havia naquela época. Agora, o importante é que essas pessoas que dizem “isso é aventura, isso está errado, esses caras são malucos”, essas pessoas sempre existiram e existem em todos os movimentos.

O problema é o seguinte: só luta quem tem coragem de lutar. Você não vai pedir a um gato que faça o serviço de um cachorro. Nem pode pedir a opinião de um gato sobre a vida de um cachorro. Quer dizer, quem pode discutir se a luta armada tem ou não sentido? Quem fez ou quem faz a luta armada. Se você for discutir a luta armada com quem é contra a luta armada, já sabe o que vai aparecer [risos]. É a mesma coisa que chegar no Exército e discutir com o Estado-Maior: “por que vocês não reformulam o Exército?”. Ora, se quisessem reformular o Exército, já tinham reformulado. Então é um besteirol, é só uma agressão. E a mesma coisa essa acusação; “esses caras da luta armada são aventureiros”, sempre ouço essa conversa. Mas a luta armada é um assunto de quem fez ou  faz a luta armada. Não dá para chegar no indivíduo que faz algodão-doce num circo de cavalinhos e falar de pipoca… Ele vende algodão, não pipoca. Cada um está na sua especialidade, vive no seu mundo. Você vai ter de derreter tantas categorias para discutir no mundo do outro que não faz sentido. Nós sabemos que a democracia não é discutir no mundo do outro, mas fazer bem o que você faz no seu mundo, reconhecendo o direito do outro a ter sua opinião e fazer o que quer, também. Não é porque você seja a favor de uma mudança radical que vai impedir o outro de ser a favor de uma mudança simples, ou o contrário. O respeito às diferentes ideias e opiniões deve existir. Agora, é evidente: toda vez que um católico for falar de um partidário, digamos, do budismo, sairá uma crítica desparafusada, e o contrário também. Porque a pessoa não pensa daquela maneira; eu até posso pensar de uma maneira e mudar, mas aí nesse caso é um processo histórico da pessoa, foi evoluindo, mudando a opinião.

Mas uma pessoa que aceita a ideia de luta armada para mudar um país é uma pessoa que tem um alto grau de sacrifício do seu próprio eu; o seu ego se perlustra em coisas que levam à destruição dele mesmo. Como querer que essa pessoa esteja no mesmo plano do outro, que não é capaz de pôr a mão no bolso e dar uma nota de 50 reais para um terceiro? Não tem nada a ver um com o outro.

Então essas críticas não têm sentido. Porque a crítica não é desqualificar; a crítica é ser percuciente. Só tem sentido uma crítica feita dentro do bloco a que pertence aquela ideia; não se pode querer que leninistas discutam com coelhos, e os leninistas não podem querer discutir as ideias dos coelhos e vice-versa. Cada um tem que ficar no seu canto, com seu entendimento.

Agora, é muito fácil aquilo que a Folha diz. É muito fácil, depois dos leninistas terem travado a luta contra a ditadura e perdido a luta, sendo assassinados e massacrados, o indivíduo que apoiou a ditadura soturnamente vir criticar os leninistas, porque eles já estão mortos. Aí é uma crítica fácil. Por que esse indivíduo não criticou quando o leninista saiu para fazer a luta armada? Não criticou porque era um risco para ele, ou porque ele apoiava a ditadura.. Não queria correr risco nenhum, então ficou com a ditadura. Agora, não venha dizer que o indivíduo que ficou com a ditadura combateu a ditadura. Essa é uma das piadas mais comuns que a gente escuta aqui no Brasil; essa piada, aliás, está em jogo justamente porque não existe uma esquerda e um movimento revolucionário aqui, então todo mundo “combateu a ditadura”. É como aquilo na Itália, que dizem: em 1943 todos os italianos eram fascistas, mas em 1944 não tinha nenhum fascista na Itália, nem o Mussolini. Isso a gente já conhece.

REVISTA OPERA: A minha próxima pergunta seria justamente essa, porque um outro discurso bastante comum sobre a história da ditadura é um que aponta que “a esquerda armada estava errada” e que “a via democrática” – seja lá o que isso seja, especialmente numa ditadura – é que “saiu vitoriosa”. Entre ex-militantes de organizações revolucionárias é comum ver, no entanto, a afirmação de que a atuação armada dessas organizações teve enorme importância para o processo de abertura. Também é comum vermos em outros países, como a Argentina ou o Chile, um discurso democrático que não fustiga a experiência armada, como se fosse um “erro dos outros, os feios”, mas o toma como parte integrante da construção da democracia no país. Gostaria que você falasse sobre esses dois pontos: que importância teve esse tipo de atuação para a abertura, e como o senhor vê a memória sobre a luta armada no Brasil e na esquerda brasileira.

WILSON BARBOSA: A história não se reduz a ideias. Na história há ideias, mas não são elas que decidem sobre a história. O que decide a história são os acontecimentos que se dão, acontecimentos, muitos deles, acidentais, enquanto outros são necessários. A história não é lógica, ela tem lógica: se você fosse mexer na história, como que mexendo numa lata de lixo, você encontra um fio lógico ali dentro. Se você examinar uma lata de lixo você encontra uma lógica também; contém coisas de tal tipo, de tal outro tipo, etc., o que significa que há pessoas vivendo de tal maneira e que produzem aquele lixo.

Com a história é a mesma coisa; a história é uma lata de lixo. Acontece de tudo na história. Mas não é a ideia que prevalece na história, o que prevalece na observação histórica é uma linha lógica que permite deduzir que os fatos têm um certo sentido se encadeados dessa ou daquela maneira – se você não quiser encadeá-los dessa maneira eles também não terão sentido. O que quero dizer com isso? Que não existe nenhuma parede ou uma muralha chinesa entre quem está fazendo a luta armada e quem está produzindo um jornalzinho para criticar a ditadura, ou quem está reivindicando num tribunal o aumento do seu salário que a ditadura não pagou. Todas essas coisas se misturam e têm um desfecho imprevisível. Porque se o desfecho fosse previsível, ninguém faria as coisas que estão fazendo; fariam já o que está previsto, o que vai dar certo. Se a história fosse lógica, todo mundo faria o que é lógico; mas as pessoas fazem o que elas têm de fazer, o que estão convencidas que têm de fazer. O que mostra que o papel da ideia no processo histórico- o avanço da razão histórica- é muito menor do que o que a gente atribui.

O choque de diferentes grupos e diferentes interesses produz um resultado diferente de todas as ideias propostas. Não existe nenhuma ideia monolítica que vá predominar garantidamente dessa ou daquela maneira; o Mao Tsé-Tung até diz: “na história, raramente uma causa justa triunfa”. Em geral o que triunfa não é justo; se fosse, aquela pessoa que está dizendo que “não tem lógica fazer a luta armada” estaria com o justo, triunfaria o justo, e a luta armada não seria feita. Agora, o que muda a realidade é fazer a luta armada, e aparece gente que a faz – o outro não faz – aparece um outro que faz protestos pacíficos; vai preso, apanha – soma gente para a luta armada… O resultado disso tudo, no fim, é o desgaste da ditadura, que sai de cena e vai embora. Ela desiste porque tem muitos adversários em planos diferentes, não porque ela tem um só tipo de adversário em um plano único – isso seria lógico [risos]. A história não é lógica, só contém lógica; se fosse lógica, não seria história, as coisas não aconteceriam. Todos simplesmente iriam prever o que vai acontecer e fariam o que é lógico; em vez de estudar história do Brasil estudaríamos lógica do Brasil, que seria a mesma desde 1500, descrita em meia dúzia de linhas. 

É bobagem dizer que quem tomou a posição A ou B está certo ou errado; a pessoa só está certa ou errada para ela mesma, enquanto ela tem a convicção de que está certa ou errada. O resultado disso é imprevisível, será outra coisa. A vida é vivida, não existe vida imaginada, não existe vida discursada. A vida é vivida, só pode ser vivida, e ninguém pode prever o que vai acontecer em função dos acontecimentos de hoje ou amanhã. A lógica indicaria algo e acontece o contrário, ou uma terceira coisa. E cada um se apresenta na história com as suas convicções, entendimento e tipo de lógica cujo interesse social ou de classe ele representa, e através dessa apresentação ele participa do movimento histórico. É aquilo que eu digo no começo do livro, quando digo que Lênin diz que os interesses das classes nunca aparecem cristalinos como interesses de classe, mas misturados com outros interesses de forma que muitas vezes pareçam até o contrário do interesse daquela classe. A história é uma coisa complicada; se fosse coisa simples, até o  presidente da República saberia o que é a história, não cometeria erros, não cairia, faria um bom governo sempre, etc. A história é “não sei, não vou saber, mas tenho que participar”.

REVISTA OPERA: Você descreve no livro que Marighella passou a detestar a tese do “núcleo dirigente”, e  que considerava que uma “organização tática” era incompatível com a ideia dele ser protegido como “reserva estratégica”. Isso se relaciona com o próprio modo de atuação da ALN, uma certa descentralização decisória, talvez um autonomismo, e aquela premissa de que “não é necessário pedir autorização para ninguém para realizar um ato revolucionário”. E temos o famoso caso do sequestro do [embaixador] Elbrick, que Marighella era contra e mesmo assim ocorreu.

WILSON BARBOSA: Ele nem soube, soube depois que já tinha sido feito.

REVISTA OPERA: Qual é sua visão hoje sobre isso? Crê que, não fossem essas posições – e claro que aí estou falando de uma perspectiva que é exatamente a que você criticou a pouco –, mas crê que o saldo da atuação armada poderia ter sido maior, possibilitando talvez a abertura de uma frente no campo?

WILSON BARBOSA: O Grabois dizia [risos] que o que caracteriza a esquerda é, ao invés de ter uma opinião científica da realidade, ter o achismo, que a gente sempre fala “eu acho” e com isso já estamos nos justificando por não dar uma explicação científica das coisas.

REVISTA OPERA: Falava isso do Prestes, não é? [risos]

WILSON BARBOSA: Falava de todo mundo [risos]. De todo mundo. Então com a licença do meu amigo Maurício Grabois, eu vou achar [risos]. Eu acho, ainda hoje acho, que os revolucionários, pelo menos os nossos, da América Latina, são ingênuos, quase infantis. Eles têm um espírito generoso, um desprendimento, quase são bobos. Uma bobagem. Eu penso que o indivíduo tem que ser maquiavélico,já estamos na época moderna e o que se faz não é exatamente o que se pretende. E a maioria das direções nossas, aqui no Brasil e na América Latina, não são maquiavélicas. São direções ingênuas, jogam limpo, etc. Quer dizer, não se pode montar uma guerrilha com os chefes da guerrilha dentro da guerrilha. Aquelas pessoas que você vai botar num cartaz dizendo que são chefes da guerrilha têm de estar muito bem protegidas. É jogar limpo demais!

Por exemplo, o Che Guevara fazer uma guerrilha na Bolívia sem um colete à prova de balas é um exagero de honestidade. Porque o inimigo dele vai com o colete à prova de balas.

É um excesso de ingenuidade, um romantismo. Um excesso de romantismo. É o cavaleiro andante de volta, o Dom Quixote. A luta política é uma coisa feia; é aquilo que diz o Mao Tsé-Tung, e não é à toa que ele triunfou: a revolução não nem bonita nem elegante como participar de um banquete. Mas isso significa que quem diz isso está fazendo uma coisa que não é bonita nem elegante [risos]. Agora, se a gente quiser ser bonito e elegante, que acho uma ingenuidade do latino-americano, então a gente vai assim para cima deles, ser tudo morto igual mosca. Então acho a visão do latino-americano é ainda infantil, ainda ingênua.

O Lênin, por exemplo, quando ficou sabendo que a Okhrana [polícia secreta czarista] tinha conseguido autorização do Czar para mandar matar ele, fugiu da Rússia. Agora, imagine se o Lênin, condenado à morte, tivesse ficado na Rússia. Ele não teria dirigido a Revolução Russa, teria sido mais um morto dela. Então é mais ou menos como você pensar em Mário Alves, Marighella, Grabois, todas essas pessoas andando no meio da rua, no Brasil, numa ditadura daquela. Tinha que deixar a juventude aí, os peões deles, bem treinados e orientados, e ir para outro lugar, planejar outras coisas e fazer outras coisas; não ficar aí, arriscando a pele. É um jogo limpo e o adversário não vai jogar limpo com ele, não vai prender e dizer que vai ficar 30 anos preso. Não existe isso, o adversário vai matar ele. Pra quê jogar limpo com o seu adversário? Não é uma luta de MMA, é uma coisa séria.

REVISTA OPERA: A questão do celebrado mini-manual do guerrilheiro urbano. Você aponta que dificilmente aquele manual tenha saído com uma revisão final do Marighella, e que foi construído a muitas mãos; de fato, de acordo com o biógrafo Mario Magalhães, foi um trabalho de muitas mãos. Gostaria que falasse um pouco sobre o mini-manual, tendo em vista que teve tanta importância na década de 70, em vários países do mundo.

WILSON BARBOSA: O mini-manual como elemento de propaganda é muito interessante, mas como elemento de prática, de tática ou de guerrilha urbana ele é, como eu estava dizendo, ingênuo. Então nós vemos, ao ler, que cada um escreveu um ou dois parágrafos, uma página, juntaram tudo, fizeram um copidesque, e não sei se fizeram aquilo quando o Marighella já estava morto ou antes, para ele fazer a redação final. Duas hipóteses relevantes. Se fizeram para ele dar a redação final, é uma explicação; não precisa ser muito preciso, muito fechado. E a outra explicação é que reflete o nível de conhecimento técnico do grupo que redigiu, talvez até sob emoção, porque já tinham perdido o chefe.

De qualquer maneira, é um manualzinho ingênuo. Agora, como elemento de propaganda, é muito bom. Porque coloca o problema da luta armada para milhões de pessoas no mundo inteiro que nunca pensaram nesse problema. Então eles vão ler e dizer “poxa, quer dizer que talvez a gente até devesse desconfiar ou combater esse governo”. No mundo todo, não é? Porque o governo capitalista é uma máquina de roubar as pessoas. De 1980 para cá o rendimento do processo industrial, o equipamento das fábricas, tudo isso, multiplicou várias vezes a capacidade de produção que o mundo tinha em 1950 ou em 1970. E isso tudo foi feito sem aumento dos salários dos trabalhadores, sem redução de jornada de trabalho e, ainda, pior: depois do fim da URSS, com a piora das condições de vida dos trabalhadores. Aquele salário que eles pagavam para os trabalhadores, que era 30% da renda do produto criado, e eles viviam se queixando, porque existia uma comunidade socialista internacional, e hoje em dia eles reduziram para 20% ou bem menos.

Há lugares no Brasil em que eles simplesmente deixaram de pagar os trabalhadores, no Brasil simplesmente foi reproclamada a escravidão. Como dizia a música do Stanislaw Ponte Preta: “E foi proclamada a escravidão”.

No Brasil foi restaurada a escravidão: um trabalhador fabril ganha 4,50 reais por hora de trabalho. Isso é uma piada, meu amigo. Com quatro reais você só paga uma passagem de ônibus, e um ônibus bem vagabundo mesmo. Então eles reduziram o trabalho a coisa nenhuma, o trabalhador a zero, as pessoas não precisam comer, podem comer lixo, sei lá o que eles pensam. Que podem morar num buraco, as casas caindo quando chove, uma coisa horrível. Não há nenhuma necessidade disso. O [Lionel] Jospin, primeiro-ministro francês da década de 90, do tempo do Fernando Henrique, disse já naquela época que não era preciso trabalhar 40 horas, que poderia ser 36; o salário poderia ser aumentado em 30 ou 40%; que seria melhor, haveria menos crises, as pessoas comprariam mais, consumiriam mais, teria mais equilíbrio. O que ele ganhou? Foi posto para fora do governo, porque falou uma verdade.

Então hoje em dia você pega um país como o Brasil, em que a massa dos trabalhadores está desempregada, ninguém tem profissão mais, nas fábricas ninguém tem profissão, porque não precisa de profissão; é só apertar botão que as máquinas trabalham sozinhas. Chegamos numa época dessa e, ao invés de melhorarem as condições de vida em geral da sociedade, eles pioram as condições de vida de cada trabalhador, cada pessoa, cada um que caminha na rua! Dão produtos de qualidade mais baixa, retiram os meios de sobrevivência da grande massa. Quer dizer, que sociedade estão preparando? Uma sociedade de banditismo, de roubo, de assassinatos, de deus-me-livre-o-quê.

Então se eles preferem isso, o que você pode fazer contra eles? Não pode só criticar, tem que fazer alguma coisa politicamente. E o nosso trabalhador se acovarda, porque antes, em 1980, ele era um trabalhador fabril; ele hoje anda numa scooter, numa motocicleta, entregando comida na casa das pessoas. E o futuro que vem daí é um futuro em que uma parte tem celular, mora num apartamento de 20 metros quadrados, e sem poder cozinhar – porque o apartamento é tão pequeno que não dá pra cozinhar –, ele pede comida pelo aplicativo, e os outros vão ficar o dia inteiro andando para cima e para baixo para entregar tudo, o cara não vai mais ao supermercado. Isso é uma sociedade? Isso é ajuntamento.

Eu me lembro que nos anos 70 teve um canadense que fez uma “aldeia de ratos” e ele fez um estudo sobre essa aldeia, onde os ratos moravam cada um em um lugar, andavam por onde queriam, e ele só ia botando comida para eles, cada vez mais comida. E chegou um momento em que um grupo de ratos se especializou em tomar a comida dos outros e comer. Então tinha ratos de um quilo e ratos de três quilos, e os de três começaram a matar os de um quilo, e não era por falta de comida – eles tinham comida. Nós estamos exatamente caminhando para uma sociedade caótica desse gênero; uma elite com cada vez mais renda que tem que tirar renda, de quem não tem renda, para ter mais renda. Em 1950 o indivíduo rico tinha uma casa, um trailer, ou uma casa no campo, ele saía da casa da cidade no final de semana, ia para o campo dirigindo o carro dele com a família dentro, tinha uma empregada doméstica, etc. Agora o cara rico tem uma casa na cidade, uma no campo, um apartamento numa torre onde encontra as amantes, uma casa na praia, e um jatinho com o qual viaja para o exterior fazendo os contrabandos dele, porque não quer passar num aeroporto normal com as porcarias dele… Quer dizer, a renda dele tem de ser 100 vezes maior do que a do avô dele. É um mundo de malucos, esse mundo é a sociedade dos ratos desse professor canadense. Não vai a lugar nenhum, não tem nenhuma saída boa. Quanto mais robotização, mais mecanização, que está voltada contra o homem, não pode dar certo. Não está voltada a favor de melhorar a condição de vida das pessoas; se você tem um robô que trabalha para você trabalhar menos horas, tudo bem – mas se você tem esse robô para desempregar todos os seus colegas e você trabalhar as mesmas horas que trabalhava, a coisa vai mal.

REVISTA OPERA: Por fim, gostaria de falar alguma coisa para a jovem militância que não aguenta viver nesse mundo de máquinas que não sabemos se sugam a gente ou se é a gente que suga elas?

WILSON BARBOSA: O que posso dizer para os jovens é que não se deixem aprisionar por nenhuma teoria. Estudem, estudem e estudem. Que prestem atenção nas teorias elaboradas, nas experiências vividas, mas estudem; procurem aprender na realidade. E que não ouçam o canto de sereia, vão ouvir muitos vagabundos contando histórias definitivas; não acreditem nisso. O Jean Paul Sartre não está errado, o Marx não está errado, o Hegel não está errado. Cuidado com esses discursadores de esquina, esses desconstrucionistas, e esses picaretas que só querem saber de pôr areia no próprio caminhão e deixar você sem um pouquinho de areia na praia. Obrigado.

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