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Soberana 2: a vacina de Cuba poderia quebrar o controle das grandes farmacêuticas sobre a produção?

A vacina de Cuba, Soberana 2, entrou na fase final de testes, aumentando as esperanças por uma vacina disponível às nações mais pobres.
A vacina de Cuba, Soberana 2, entrou na fase final de testes, aumentando as esperanças por uma vacina disponível às nações mais pobres. Por Alan Macleod | MintpressNews – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
Médico cubano administra dose de vacina em uma mulher haitiana no campo de refugiados Delmas 33, em Porto Príncipe, em 2010. (Foto: ONU / Sophia Paris)

O lançamento a nível mundial das vacinas contra a Covid não tem sido nada tranquilo, com somente alguns países sendo capazes de imunizar até 10% de suas populações com as primeiras doses. Há duas causas primárias para esse fato: a acumulação de doses preciosas pelas nações ricas e sua recusa em renunciar aos direitos de propriedade intelectual das suas criações, o que leva a uma escassez massiva em todo mundo, especialmente no sul global.

Essas práticas foram denunciadas por diversos grupos de direitos humanos. A Oxfam expressou seu desânimo sobre o fato de que, como resultado das leis de propriedade intelectual, três das maiores companhias farmacêuticas do planeta não estão fazendo nada para produzir vacinas, por não terem os direitos legais para fazê-lo, mesmo que cerca de 10 mil pessoas estejam morrendo diariamente da Covid-19. A Human Rights Watch apoiou uma proposta liderada pela Índia e a África do Sul no sentido dos governos ocidentais abrirem mão de quaisquer restrições sobre a produção de vacinas capazes de salvar vidas. Mas, aparentemente, há pouca expectativa de que algo do tipo possa ocorrer em breve.

Quebrando a Big Pharma

Um ponto de esperança cintila de Cuba, no entanto. A vacina Soberana 2, produzida pelo país, iniciou sua terceira fase de testes na última segunda-feira (1), um movimento que fará com que ela seja testada em aproximadamente 150 mil pessoas nas próximas semanas. A terceira fase de testes é o passo final antes da distribuição massiva.

A perspectiva de uma vacina desenvolvida no sul global que não estará sujeita a leis de patentes rígidas faz com que muitos aguardem ansiosamente os resultados dos testes finais. “O dia 1 de março provavelmente será um marco na luta global contra a Covid-19”, disse Arnold August ao Mintpress. August é autor de vários livros sobre a ilha, incluindo “Cuba-U.S. Relations – Obama and Beyond” (Relações Cuba-EUA – Obama e além, em tradução livre). “Cuba tem uma população de cerca de 11 milhões. No entanto, em concordância com seu espírito internacionalista, o país planeja produzir 100 milhões de doses para outros países. Paquistão, Índia, Vietnã, Irã e a Venezuela são alguns dos países que já expressaram interesse”, conclui.

Outros também concordam. “Uma vacina bem-sucedida de Cuba ajudaria a quebrar o controle global do mercado por grandes empresas farmacêuticas nos EUA e na Europa”, escreveu o diplomata antiguano Sir Ronald Sanders.

No entanto, o contínuo bloqueio norte-americano à ilha tem prejudicado a produção. Uma Cuba sob embargo tem tido dificuldades em comprar matérias-primas necessárias ao desenvolvimento da vacina, enquanto hospitais enfrentam grandes obstáculos na importação de equipamentos. O país também enfrentou problemas na produção de alimentos e no abastecimento de seus cidadãos. De acordo com o governo em Havana, o bloqueio custou à ilha mais de 750 bilhões de dólares desde que foi imposto.

Além do bloqueio, que efetivamente pune quaisquer entidades que comerciem com a ilha, oficiais norte-americanos tentaram classificar as famosas brigadas médicas cubanas como operações de tráfico humano, argumentando que os médicos são coagidos a participar e não recebem pagamentos ou recebem pouco. Pouco antes de deixar o governo, Donald Trump também designou Cuba como um estado patrocinador do terrorismo.

As brigadas médicas do país já eram conhecidas antes da pandemia, mas geraram manchetes em todo o mundo à medida que times de médicos viajaram a dezenas de países, incluindo mais ricos, como a Itália, para lutar contra o vírus. Como resultado, eles foram nominados dezenas de vezes para o Prêmio Nobel da Paz desse ano.

O Mintpress conversou com a Dra. Helen Yaffe, da Universidade de Glasgow, autora de “We Are Cuba!: How a Revolutionary People Have Survived in a Post-Soviet World” (Somos Cuba!: Como um povo revolucionário sobreviveu no mundo pós-soviético, em tradução livre), que declarou: “Enquanto comentaristas na Europa e na América do Norte se surpreenderam com as notícias de que Cuba estava entre os líderes mundiais no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, sendo o único país na América Latina em tal posto, a surpresa foi pouca no sul global. Mesmo antes da pandemia, Cuba já estava exportando seus produtos de biotecnologia para 49 países, e mantinha parceria com nove”.

Medicina revolucionária

Desde março de 2020, a ilha enviou 53 brigadas médicas, totalizando 3,7 mil profissionais, para 39 países e territórios, disse August. Qualquer benefício da vacina provavelmente será passado para outros países a algo próximo do custo de produção. “É provável que qualquer vacina contra a Covid-19 que Cuba enviar para o sul global seja cobrada de acordo com a capacidade de pagamento de cada país”, acrescentou Yaffe.

O coronavírus atingiu a economia de Cuba, centrada no turismo, de forma particularmente dura, fazendo-a recrudescer em 11% em 2020, algo que levou ao desemprego e escassez de bens. No entanto, o país criou uma nova maneira de atrair os estrangeiros de volta: potencialmente oferecendo vacinas para todos os turistas que visitem a ilha. Com uma escassez artificial em todo o mundo, esta poderia ser uma oferta atraente para muitas nações ricas.

A tradição médica internacionalista de Cuba remonta a mais de 60 anos, em resposta ao terremoto Valdivia, de 1960; o tremor mais poderoso já registrado. Profissionais de saúde de emergência correram para o Chile, onde um terremoto medindo 9,5 na escala de magnitude da época foi registrado, causando milhares de mortes e um tsunami que matou pessoas em lugares tão distantes quanto o Japão. Nas seis décadas seguintes, o governo estima ter assistido a quase dois bilhões de pessoas, realizando mais de 14 milhões de operações cirúrgicas e salvando 8,7 milhões de vidas.

Romper o domínio corporativo sobre a tecnologia da vacina contra o coronavírus certamente salvará inúmeras vidas, mais uma razão pela qual os testes da Soberana 2 estão sendo tão observados em todo o mundo.

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