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Como a China ganhou o Oriente Médio sem disparar um tiro sequer

Se petróleo e influência fossem os prêmios, aparentemente a China, e não os EUA, acabou por ganhar a Guerra do Iraque.
Se petróleo e influência fossem os prêmios, aparentemente a China, e não os EUA, acabou por ganhar a Guerra do Iraque e suas consequências – sem nunca ter disparado um tiro. Por Ramzy Baroud | Mintpress News – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Santo Chino)

Um movimento muito esperado no campo da política externa da administração Biden, no sentido de conter o desimpedido crescimento econômico e as ambições políticas da China, veio enfim na forma de um encontro virtual no dia 12 de março, juntando, além dos Estados Unidos, Índia, Austrália e Japão.

A despeito da chamada coalizão “Quad” não ter trazido nada de novo em sua declaração conjunta, os líderes desses quatro países falaram em termos de um encontro “histórico”, descrito pela The Diplomat como “um significativo marco para a evolução do agrupamento”.

Na realidade, a declaração conjunta tem pouca substância e certamente não traz nada novo que possa parecer um guia sobre como reverter – ou mesmo desacelerar – os sucessos geopolíticos, o aumento de confiança militar e a crescente presença ao redor ou nas principais hidrovias estratégicas globais por parte de Pequim.

Por anos, os países do “Quad” estiveram focados em formular uma estratégia unificada para a China, mas falharam em conceber qualquer coisa com significância prática. Deixando de lado os encontros “históricos”, a China é única grande economia do mundo com a previsão de conseguir um crescimento econômico significativo este ano – e em breve. As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelam que a economia chinesa deve expandir 8.1% em 2021, enquanto, por outro lado, de acordo com dados do Burô de Análise Econômica dos Estados Unidos, o PIB estadunidense diminuiu em torno de 3.5% em 2020.

A coalizão “Quad” – que significa Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quadrilateral Security Dialogue, em inglês) – começou em 2007 e foi revivida em 2017, com o óbvio objetivo de repelir o avanço da China em todos os campos. Como a maior parte das alianças norte-americanas, a “Quad” é a manifestação política de uma aliança militar, a saber, os Exercícios Navais Malabar. Estes últimos começaram em 1992, e logo foram expandidos para incluir os quatro países.

Desde o “pivô para a Ásia” de Washington, ou seja, a reversão da política externa norte-americana estabelecida, baseada em dar maior foco ao Oriente Médio, há poucas evidências de que as políticas de confronto de Washington tenham enfraquecido a presença, o comércio ou a diplomacia de Pequim em todo o continente. Além dos encontros imediatos entre as marinhas americana e chinesa no Mar do Sul da China, há muito pouco a relatar.

Enquanto grande parte da cobertura midiática se focou no pivô para a Ásia, pouco foi dito sobre o pivô chinês para o Oriente Médio, que tem sido muito mais bem-sucedido como empreendimento econômico e político do que o giro geoestratégico dos EUA.

A mudança sísmica dos EUA em suas prioridades na política externa resultou de seu fracasso em traduzir a invasão e a guerra do Iraque de 2003 em um sucesso geoeconômico decifrável, como resultado da tomada do controle da generosidade do petróleo do Iraque – a segunda maior reserva comprovada de petróleo do mundo. A estratégia dos Estados Unidos se provou um erro crasso.

Em um artigo publicado no Financial Times em setembro de 2020, Jamil Anderlini levanta um ponto fascinante. “Se o petróleo e a influência fossem os prêmios, então parece que a China, e não os Estados Unidos, acabou vencendo a guerra do Iraque e suas consequências – sem nunca disparar um tiro”, escreveu ele.

A China hoje não só é o maior parceiro comercial do Iraque, como a maciça influência econômica e política de Pequim no Oriente Médio também constitui um triunfo. A China é agora, de acordo com o Financial Times, o maior investidor estrangeiro do Oriente Médio, e uma parceira estratégica de todos os países do Golfo – com exceção do Bahrein. Compare isso com a confusa agenda da política externa de Washington para a região, sua indecisão sem precedentes, a ausência de uma doutrina política definível e a quebra sistemática de suas alianças regionais.

Esse paradigma se torna ainda mais claro e convincente quando entendido em escala global. No final de 2019, a China se tornou o líder mundial em termos de diplomacia, quando aumentou seus postos diplomáticos para 276, muitos dos quais são consulados. Diferentemente de embaixadas, os consulados têm um papel muito mais significativo em termos de trocas comerciais e econômicas. De acordo com os dados de 2019 publicados na revista Foreign Affairs, a China tem 96 consulados, enquanto os EUA têm 88. Até 2012, Pequim estava significativamente atrás de Washington em termos de representação diplomática, precisamente com uma diferença de 23 postos.

E onde a China se faz diplomaticamente presente, o desenvolvimento econômico acompanha. Diferentemente da desarticulada estratégia global dos EUA, as ambições globais da China são articuladas por meio de uma rede maciça, conhecida como Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, no acrônimo em inglês), estimada em trilhões de dólares. Quando completada, a BRI deverá unir mais de 60 países em torno das estratégias econômicas e rotas de comércio lideradas pela China. Para que isso se materialize, o país se moveu rapidamente para estabelecer uma proximidade física maior com as mais importantes hidrovias estratégicas do mundo, investindo pesadamente em algumas delas e, como é o caso do Estreito de Babelmândebe, estabelecendo sua primeira base militar estrangeira em Djibouti, localizada no Chifre da África.

Em uma época em que a economia norte-americana está encolhendo e seus aliados europeus estão politicamente fraturados, é difícil imaginar que um plano norte-americano para conter a influência chinesa, seja no Oriente Médio, na Ásia, ou em qualquer outro lugar, seja capaz de ter muito sucesso.

O maior obstáculo à estratégia de Washington para a China é que nunca poderá haver um resultado em que os EUA alcancem uma vitória clara e precisa. Economicamente, a China agora está impulsionando o crescimento global, equilibrando assim a crise EUA-internacional resultante da pandemia de COVID-19. Ferir a China economicamente enfraqueceria os EUA e também os mercados globais.

A mesma conclusão é verdadeira política e estrategicamente. No caso do Oriente Médio, o pivô para a Ásia foi um tiro pela culatra em vários sentidos. Por um lado, não significou nenhum sucesso palpável na Ásia, enquanto, por outro, criou um vácuo massivo para a China reformular sua própria estratégia para o Oriente Médio.

Alguns argumentam erroneamente que toda a estratégia política da China se baseia em seu desejo de simplesmente “fazer negócios”. Embora o domínio econômico seja historicamente o principal impulso de todas as superpotências, a busca de Pequim pela supremacia global dificilmente se limita às finanças. Em muitas frentes, a China já assumiu a liderança ou está se aproximando dela. Por exemplo, em 9 de março, China e Rússia assinaram um acordo para construir a Estação de Pesquisa Lunar Internacional (ILRS, no acrônimo em inglês). Considerando o longo legado da Rússia na exploração espacial e as recentes conquistas da China no campo – incluindo a primeira espaçonave a pousar na área lunar da bacia do Pólo Sul-Aitken – ambos os países devem assumir a liderança numa ressuscitada corrida espacial.

Certamente, a reunião da “Quad” liderada pelos EUA não foi nem histórica nem revolucionária, pois todos os indicadores atestam que a liderança global da China continuará desimpedida, um evento conseqüente que já está reordenando os paradigmas geopolíticos mundiais que estiveram em vigor por mais de um século.

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