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Dois meses de greve nacional marcam a agenda política da Colômbia

A greve nacional na Colômbia, que completa dois meses, é sintoma de uma profunda crise social, comparável apenas à rebelião geral de 1977.

A greve nacional na Colômbia, que completa dois meses, é sintoma de uma profunda crise social, comparável apenas à rebelião geral de 1977. Por Camilo Rengifo Marín | CLAE – Tradução de Leonardo Igor para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila
(Foto: Oxi.Ap)

No dia 28 de junho se cumpriram dois meses desde o início da Greve Nacional na Colômbia, catapultada por um projeto de reforma tributária do governo ultradireitista de Iván Duque, que causou a rejeição de setores baixos e médios da sociedade colombiana, atingidos pela pandemia, a crise social, econômica, financeira, sanitária e, sobretudo, uma economia voltada para o benefício das elites.

O esquema de militarização das cidades, epicentros da Greve Nacional e da repressão destilada com traços paramilitares, deixou um saldo lamentável de violação aos direitos humanos; 4.285 casos de violência, mais de 1.500 pessoas feridas, 3.200 detenções arbitrárias, 734 intervenções violentas, 83 homicídios, 84 desaparecidos, 106 vítimas de violência de gênero, 80 lesões oculares, além de 45 massacres e 28 signatários do Acordo de Paz assassinados. É o que em qualquer lugar seria terrorismo de Estado.

A Greve Nacional, que começou com o  intuito de derrubar a reforma, rapidamente se transformou em um movimento social que reuniu estudantes, sindicatos, comunidades indígenas e afrodescendentes em um ciclo ascendente de rejeição ao modelo neoliberal imposto pelas elites colombianas.

O descontentamento aumenta porque a redução da renda da maioria da população continua,  cresce o desemprego, a pobreza, a crise das pequenas e médias empresas, a crise no campo, o assassinato de líderes sociais, a negação da paz.

A gestão desastrosa do governo frente à pandemia agrava os problemas. Nestes dois meses se somaram mais de 700 mortes, 32.000 infecções diárias e os hospitais estão em colapso. A rejeição a Iván Duque chega a 79%, com uma aprovação inferior a 20%.

A Declaração de Emergência que Duque se recusou a negociar será apresentada ao Congresso pelo Comitê Nacional de Greve em 20 de julho, projetos de lei que estão condenados a naufragar porque são rejeitados pela maioria de extrema-direita do Centro Democrático e da coalizão do governo, que já afundaram propostas como a Renda Básica, a Taxa Zero e outros projetos apresentados há pouco tempo.

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A crise social não é nova, vem amadurecendo desde o governo de César Gaviria – com sua abertura econômica e as privatizações – nos anos 90 sob o lema “Bem-vindo ao futuro!”, e o uribismo político-paramilitar dos anos seguintes, com o apoio irrestrito dos sucessivos governos de Washington.

A Greve Nacional marcou definitivamente a agenda política colombiana e estabeleceu as pautas narrativas e de mobilização social que definirão o cenário eleitoral de 2022, onde – até o momento – a esquerda parece ser a força mais poderosa para canalizar nas urnas o descontentamento social que deu lugar aos protestos em abril.

Sintoma de uma profunda crise social comparável apenas à rebelião geral de 1977, a greve conseguiu evitar a reforma tributária e a que se preparava no âmbito da saúde, forçou as renúncias de Alberto Carrasquilla (ministro da Fazenda), Claudia Blum (chanceler) e Juan Carlos Rodríguez (comandante da Polícia de Cali) e obrigou o governo Duque a reconhecer, ainda que parcialmente, as violações aos direitos humanos durante os protestos.

Por mais que se tente jogar as coisas para debaixo do tapete até as eleições do próximo ano, como forma de ganhar tempo, parece que o povo entendeu que apenas lhe resta a democracia da rua e conseguir força suficiente para obrigar o regime a ceder.

Mas isso exige que as forças democráticas (de esquerda e do centro) se reúnam em diretrizes unificadas que apoiem um plano de ação, um projeto comum de país e cimentem a possibilidade de um novo governo, não apenas uma mudança de fachada para que tudo permaneça como está. A fragmentação, incentivada pelos meios de comunicação de massa pertencentes à elite, não serve ao povo.

Raúl Contreras assinala que os que estão com a prioridade eleitoral devem perceber que suas opções se fortalecem se as lutas populares crescem, e quem luta por opções de maior alcance deve perceber que isso requer muita força, muita gente, convergência com múltiplos setores e uma grande aliança para melhorar a correlação de forças que alcance as mudanças e transformações que tanto demanda o povo.

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Sem respostas, novas explosões seguramente virão.

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