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Argentina: uma derrota eleitoral que não foi derrota política

Na Argentina, a Frente de Todos não celebrou ontem um resultado eleitoral, mas o fato de ter evitado a derrota política de seu projeto.
Na Argentina, a Frente de Todos não celebrou ontem um resultado eleitoral, mas o fato de ter evitado a derrota política de seu projeto. Por Federico Dalponte | Notas Periodismo Popular – Tradução de Joana Arete para a Revista Opera
(Foto: Casa Rosada)

A diferença entre as eleições gerais e as primárias acabou sendo, no fim do dia, a diferença que existe entre uma derrota eleitoral e uma derrota política. O peronismo perdeu as legislativas, como acontece sucessivamente desde 2009 e com cifras já frequentes há três décadas. Mas não chegará a 2023 derrotado, o que não é pouco.

O pior cenário para a Frente de Todos teria sido uma ampliação do seu retrocesso eleitoral. O que teria terminado, como na maioria das vezes, com pressões exógenas sobre a necessidade de escutar a mensagem das urnas. Como se tal coisa fosse fácil ou sequer possível; como se milhões de pessoas votando em uma dezena de direções diferentes pudesse significar algo único.

De qualquer forma, teria levado o governo a capitular e talvez também a pensar que os 70% da população que não vota no oficialismo são os que estão corretos e os que precisam ser agradados. Cenário perigoso quando uma maioria de direita está clamando, por exemplo, pelo fim das indenizações trabalhistas, pelo déficit zero, pela liberação da conta de capital e por uma rápida rendição ao FMI. Em rigor, nada mais característico de uma derrota política do que governar com a agenda do adversário.

Em termos eleitorais, o óbvio: a Frente de Todos perdeu neste domingo. Perdeu dois deputados, mas reteve a presidência do corpo; perdeu o quorum próprio no Senado, mas precisa conseguir apenas um voto para aprovar leis; perdeu em território bonaerense, mas empatou na distribuição de vagas; perdeu em sete províncias onde tradicionalmente ganha, mas reverteu o resultado em outras duas; retrocedeu, definitivamente, em ambas câmaras do Congresso, mas continuará sendo o maior bloco nas duas.

Tudo insípido, pode-se dizer com razão, mas esse é o resumo frio do dia. Um equilíbrio de celebrações em que ninguém controlará o Congresso e onde todos poderão olhar para 2023 com certa ilusão. Que todos digam que ganharam, isso é polarização, como dizia o cientista político Facundo Cruz ontem à noite. 

E é verdade. A coalizão Juntos por el Cambio adverte que seu piso eleitoral alcança, invariavelmente, 40 pontos. A Frente de Todos, por sua vez, avisa que ainda tem mais dois anos a cargo do Executivo, a ferramenta mais eficaz para fazer política e incidir sobre a vida de um país.

A diferença, portanto, entre uma derrota eleitoral e uma política é que a primeira é reversível, enquanto a segunda muitas vezes não: se o oficialismo ampliasse sua derrota, a crise interna teria se acentuado, com hipótese certa de fratura, e respaldaria o comentário golpista de Mauricio Macri ao se referir ao período 2021-2023 como “a transição”. 

Leia também – Argentina: a Frente de Todos rendida diante do realismo capitalista

Mas longe disso, há um elemento que anima o oficialismo desde a noite anterior: a possibilidade de ser, nos próximos dois anos, a força política que se consolidou nos últimos dois meses. Ou melhor: a Frente de Todos se anima com a convicção de que nada está perdido de antemão. Ou mais: a certeza de que o crescimento eleitoral dos últimos dois meses, se acompanhado com os próximos dois anos de uma recuperação econômica socialmente justa, é uma fórmula efetiva para ganhar em 2023 – ou pelo menos para tentar. 

Com projeção de crescimento do PIB para o próximo biênio, com a produção e o emprego industrial superando os níveis de 2019, com aumento real da arrecadação, com superávit comercial, parece evidente que – pelo menos – existem elementos de base para que o governo faça uma segunda parte do mandato melhor e deixe uma Argentina melhor do que a que recebeu. A única dúvida, nesse sentido, seria em relação ao eventual impacto da nova composição do Congresso no caminho do Executivo. Algo inócuo de todos os ângulos. Qualquer presidente na Argentina pode administrar com minoria legislativa. Exemplos sobram. Nem mesmo a lei de orçamento é imprescindível para governar. Em outras palavras: se o governo não melhora o poder aquisitivo dos salários, se não expande a reativação industrial, se não controla a inflação, se não domestica quem especula com a desvalorização, será por falta de habilidade e não pela falta dos legisladores que perdeu ontem à noite.

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