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Geopolítica e diplomacia: a abordagem de Maduro no conflito na Ucrânia

Se em função da guerra na Ucrânia os EUA realmente decidirem aplicar um embargo de petróleo à Rússia, e pretenderem compensar suas importações de energia com o mercado venezuelano, as primeiras medidas devem ser a suspensão das sanções contra o país.
Se em função da guerra na Ucrânia os EUA realmente decidirem aplicar um embargo de petróleo à Rússia, e pretenderem compensar suas importações de energia com o mercado venezuelano, as primeiras medidas devem ser a suspensão das sanções contra o país. Por Misión Verdad – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Eneas De Troya)

Durante seu pronunciamento na noite de 7 de março, o presidente venezuelano Nicolás Maduro anunciou uma série de iniciativas interconectadas com o devir geopolítico que se desenvolve com o lançamento da operação militar especial da Rússia na Ucrânia.

Junto ao alto-comando militar e o conselho de vice-presidentes do Governo Bolivariano apresentou as conclusões da avaliação que o executivo nacional fez sobre o cenário mundial, “os efeitos de todo tipo” que se desprendem do conflito armado mais importante da atualidade.

Tomando em conta o quadro global, o mandatário informou que “estamos fazendo tudo ao nosso alcance para que em qualquer circunstância que a humanidade tenha que viver, seja um bom momento para a Venezuela. Ninguém vai nos dar nada. Tudo será produto de nossos próprios esforços.”

Os esforços para aumentar a produção de petróleo nos últimos meses, bem como a revitalização do cenário econômico nacional, convergem com essa ideia, juntamente com o fim da hiperinflação na Venezuela e os golpes às máfias do narcotráfico e da gasolina e o terrorismo no quadro da Operação Escudo Bolivariano 2022.

De mãos dadas com as evidências empíricas do que está acontecendo no país, as declarações presidenciais mostram a posição prospectiva e assertiva da liderança bolivariana no atual contexto do conflito, tanto na Ucrânia quanto na Venezuela e no mundo.

Se ativa o campo da diplomacia venezuelana

Não surpreendentemente, o presidente declarou que, da Venezuela, “estamos seriamente preocupados com a possibilidade de uma guerra na Europa e sua projeção para outros cantos do mundo, o que agravará a situação em muitas regiões”.

Nessa linha, disse que “a loucura tomou conta dos líderes mais importantes do Ocidente”, uma referência implícita aos governantes dos Estados Unidos, do Reino Unido, da União Europeia (UE) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), para alertar sobre o desenvolvimento do conflito na Ucrânia que: “Poderia se tornar uma Terceira Guerra Mundial”.

Ele mencionou os impactos econômicos e comerciais “no campo da energia, alimentos, bens e serviços” e no aspecto da segurança. “Já estamos avaliando possíveis efeitos na Venezuela”, disse o presidente Maduro, acrescentando posteriormente que medidas socioeconômicas começaram a ser tomadas nesse sentido.

Mas o anúncio mais importante neste campo veio a seguir, quando depois de alertar sobre o “momento muito perigoso” que enfrentamos em todo o mundo, o Chefe de Estado anunciou que a Venezuela buscará caminhos diplomáticos que estabeleçam as condições para estabelecer uma “acordo de paz” entre a Federação Russa e a Ucrânia.

Pelo canal diplomático, segundo o presidente, será convocado um diálogo entre as partes, ressaltando o fato de que há atores externos (Estados Unidos/OTAN) que estão testando as diferentes possibilidades de acirrar o conflito militar. A ideia consiste em “não escalar o conflito para uma guerra europeia”.

Desta forma, a Venezuela terá um papel ativo no campo da diplomacia “para que nos diferentes cenários do mundo se trabalhe pela paz”.

É uma retórica que, em todos os momentos, mesmo naqueles mais críticos do confronto com os fatores destituintes (externos e internos) na Venezuela, se traduziu em uma ação política correspondente.

No atual quadro conflituoso de alta tensão, o presidente não hesitou em apoiar a Rússia em suas demandas de segurança, denunciando os planos de expansão da OTAN dirigidos pelos Estados Unidos e o descumprimento dos acordos que foram assinados para que não se chegasse a essa situação por parte da Ucrânia e os poderes por trás do governo Zelenski: estes “são os primeiros responsáveis ​​por encontrar soluções para este conflito”.

No entanto, é claro que um cenário hipotético de diálogo e negociação não pode ser delegado àqueles que incitaram o atual conflito na Eurásia. A análise da situação e dos atores envolvidos levou o presidente Maduro a anunciar que a Venezuela tomará como dever estar ativa “em todos os fóruns mundiais para garantir a paz e as garantias de segurança para a Rússia”.

Para uma reforma do diálogo

No mesmo caminho de análises e anúncios no campo diplomático venezuelano, o presidente informou que o processo de diálogo nacional está sendo reativado e revigorado “com todos os fatores políticos, econômicos, religiosos do país. Vamos reformatar um processo de diálogo nacional, mais inclusivo, mais amplo e abrangente com todos os setores da vida nacional”.

Entende-se que, do ponto de vista do alto comando político e militar, fracassou o processo anterior sediado no México, tendo sido dinamitado por fatores alheios à situação nacional. Como se sabe, a ingerência dos EUA desempenhou um papel crucial na dinâmica da mesa de diálogo e negociação que acabou por ser desencadeada a partir de Washington com o rapto ilegal do enviado diplomático venezuelano Alex Saab desde sua detenção política em Cabo Verde.

Esta decisão do executivo nacional está ligada à visita no sábado, 5 de março, de uma delegação norte-americana ao Palácio de Miraflores, para um encontro no qual falaram de “maneira respeitosa, cordial, muito diplomática durante duas horas” com os enviados da Casa Branca em assuntos de energia, segurança e outros assuntos de interesse hemisférico.

É importante ressaltar o fato de que foi o governo de Joe Biden quem veio até Caracas para concretizar a reunião, e não o contrário, o que diz muito sobre a fragilidade de seus interesses no hemisfério ocidental com a escalada de ações coercitivas sobre a Federação Russa ameaçando uma estagflação que poderia ser cobrada no plano político e, sobretudo, social no coração dos Estados Unidos. Daí a urgência por parte da Casa Branca em abrir um canal diplomático direto com a Venezuela, passando da irrelevância que representa o “interinato guaidosiano” criado pela administração Donald Trump.

Mantendo a égide da via diplomática, o governo venezuelano ratificou a vontade de avançar em direção a uma agenda comum “que permita o bem-estar e a paz de nosso hemisfério”.

Para isso, de acordo com o presidente, “foi acordado trabalhar numa agenda com a delegação dos Estados Unidos”, confirmando que todas as reportagens sobre o encontro em Miraflores provenientes de agências e meios de comunicação ocidentais foram fabricadas com base em mentiras e desinformação, como é usual.

Avaliação sobre os cenários presentes e futuros

As consequências que trazem as medidas dos Estados Unidos e da União Europeia (UE) contra a Federação Russa expressam um risco, no cenário presente, para as dinâmicas econômicas, financeiras e comerciais em todo o mundo.

Os cenários de recessão com alta inflação (estagflação) nos países do capitalismo central são cada vez mais iminentes, com a subida vertiginosa dos preços do petróleo e gás e a crise alimentar que poderia derivar dela.

Os mercados financeiros, que dão o tom dos preços das commodities, “começaram a quebrar” com o panorama da escalada que a OTAN propicia com envio de armas, logística para o fluxo de mercenários, uso de para milícias neonazistas e o uso de guerra informativa e operações psicológicas provenientes do ocidente no conflito russo-ucraniano.

O mundo interconectado em que vivemos, baseado em complexas cadeias de suprimentos sob o manto da divisão internacional do trabalho, está rachando, agravando o cenário que o cenário pandêmico já estava deixando nas esferas econômica, financeira e comercial.

A Venezuela, inserida na dinâmica mundial do petróleo, desempenha um papel importante na segurança energética do Hemisfério Ocidental, sendo membro fundamental da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) mais a Rússia (OPEP+).

Os canais de diálogo na organização multilateral de energia serão vitais “para estabilizar os preços do mercado de petróleo e gás”, segundo destacou o presidente Maduro em seu discurso.

Mas, também, para que a Venezuela tenha maior poder incisivo na dinâmica mundial do petróleo, a estatal PDSVA deve ser recuperada de todos os ataques sofridos durante esses anos de embargo e bloqueio à República Bolivariana.

O acesso venezuelano ao crédito internacional é fundamental nesse cenário, ponto que provavelmente já foi discutido com a delegação norte-americana, se nos atermos às palavras do presidente: “Faz tempo que digo isso. Estamos preparados para avançar na produção de 2 ou 3 milhões de barris”.

Se o governo dos Estados Unidos realmente decidir aplicar um embargo de petróleo à Rússia, e pretender compensar suas importações de energia com o mercado venezuelano, as primeiras medidas de boa fé devem consistir em suspender as disposições coercitivas unilaterais sobre a Venezuela que há algum tempo vêm minando as relações entre os dois países do hemisfério.

Em conclusão, o presidente Nicolás Maduro avalia o momento histórico a partir de uma perspectiva venezuelana, conciliando os tempos políticos e diplomáticos desta parte do planeta com a guerra no nervo axial da Eurásia, dando um passo à frente diante do cenário de conflito: “É hora de diplomacia, de palavras, de verdade e de paz para que a situação não se agrave e todos percamos”.

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