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A nova Câmara dos Deputados e o futuro presidente

Nas eleições para a Câmara, esquerda não cresceu: estagnou. Se eleito, Lula terá escolha estratégica a fazer: compor com direita neoliberal ou Centrão.
Nas eleições para a Câmara, esquerda não cresceu: estagnou. Se eleito, Lula terá escolha estratégica a fazer: compor com direita neoliberal ou Centrão. Por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Uma das marcas da campanha petista para a presidência durante o primeiro turno destas eleições foi a recorrência com a qual o eleitor foi recordado da importância de eleger deputados e senadores alinhados à coligação formada em torno de Luiz Inácio “Lula” da Silva, franco favorito para vencer as eleições no segundo turno. Os resultados para a Câmara e o Senado, no entanto, dão prova de que o apelo da campanha não convenceu, apesar do que dizem os que se consolam sob a frase  “a esquerda também cresceu”.

Na Câmara, o Partido Liberal (PL) de Jair Bolsonaro conquistou 99 vagas. Somando PP, Republicanos, PTB e PSC, partidos que apoiam a candidatura do presidente, este bloco contará com 194 deputados. O bloco parlamentar bolsonarista sai das eleições, portanto, com mais que ⅓ dos deputados, demonstrando que, até no Legislativo, o “bolsonarismo” não morrerá, mesmo que Bolsonaro seja derrotado.

Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores (PT) conquistou 68 vagas. Somando-se todos os partidos que apoiam a candidatura Lula (PDT, PSB, PSOL, PCdoB, PV, Rede, Solidariedade, Avante, PROS e Cidadania), o bloco é composto por 146 deputados, menos que os 171 necessários para compor ⅓, número mágico, por exemplo, para barrar a abertura de um processo de impeachment. Tomando somente os partidos de esquerda e centro-esquerda, incluindo nesta conta PSB, PV e Rede, o bloco tem 128 cadeiras. Nas eleições passadas, estes partidos tinham eleito 129 deputados. Em comparação, a Câmara de 2014, que votaria o impeachment de Dilma dali a dois anos, contava com 145 vagas distribuídas para esses mesmos partidos (PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB, PV e Rede). Isto é, se por um lado o Partido dos Trabalhadores se recuperou individualmente, conquistando o mesmo número de vagas que tinha em 2014, por outro o bloco de centro-esquerda diminuiu.

Se considerarmos somente PT, PDT, PSOL e PCdoB, partidos de esquerda e centro-esquerda que compunham a coalizão que elegeu Dilma em 2014 e que se posicionaram contra o impeachment de Rousseff em 2016 – o PSB, que hoje divide a chapa de Lula, com Geraldo Alckmin como vice, apoiou Aécio no segundo turno das eleições de 2014 e votou majoritariamente a favor do impeachment em 2016 –, o bloco terá as mesmas 103 cadeiras no Congresso que tinha em 2014. Em 2018, tinha 101. O bloco, portanto, não cresceu, e está longe de recuperar os assentos que tinha na Câmara entre 2002 e 2010.

Em termos do voto expressando alguma tendência ideológica, uma hipótese é que aqueles partidos mais claramente identificados à esquerda resistiram à crise de 2016-2018 melhor que aqueles identificados como mais moderados. O PSOL dobrou suas cadeiras entre 2014 e 2018, enquanto o PT tinha queda de 21% (14 deputados). Estes mesmos assentos foram recuperados pelo PT agora, em 2022, e o PSOL conquistou mais dois. Enquanto isso, o mesmo PDT que aumentou em 8 cadeiras no pico da crise do petismo (2018), perdeu 11 agora, tendo os piores resultados desde 2002. O PCdoB, por sua vez, formalmente o mais radical do bloco, vem em tendência de queda desde 2014 – o que pode ser explicado por ter passado os últimos 20 anos orbitando na esfera petista – e o PSB teve uma queda considerável, passando de suas habituais 32-35 cadeiras para 17. Em resumo, o eleitorado deste bloco não cresceu, manteve os números de 2014, e recuperou duas cadeiras perdidas em 2018 – mas se definiu mais claramente à esquerda.

Pode-se falar em um terceiro bloco na Câmara, composto pela “direita tradicional”. MDB, PSD, PSDB somam 97 assentos – em 2014, tinham 155, em 2018, 98. Se somarmos o União Brasil, que tende a um pragmatismo de direita, apesar de ter ainda muitos membros que se elegeram ainda como apoiadores de Bolsonaro, esse bloco soma 156 assentos.

Este bloco, apesar de muito grande, vem em queda constante desde 2002, mas esta queda parece ter atingido seu teto em 2018. O PSDB, que representou desde 2002 a posição mais claramente antipetista, teve a maior queda: em 2018, foi reduzido a 29 cadeiras (quase metade do que teve nas eleições anteriores) pela ascensão extraordinária do PSL, que tomou seu lugar. Agora, perdeu mais 16 cadeiras (queda de quase 76% em relação a 2014). No entanto, excluindo-se União Brasil (2022) e DEM (2018), PSDB, PSD e MDB, que chegaram a ter 155 deputados em 2014 e somaram 98 em 2018, agora têm 97. Uma hipótese é que a direita tradicional ainda se recupera da ultrapassagem sofrida nas mãos do bolsonarismo em 2018, e, tendencialmente, os partidos mais premiados foram aqueles que mantiveram ao longo dos anos um pragmatismo oportunista (MDB, PSD, DEM / União Brasil). O PSDB está virtualmente morto.

No caso de Bolsonaro se reeleger, portanto, teria de conquistar 63 votos, entre União Brasil e o bloco da direita tradicional, para conformar maioria absoluta, e 148 para atingir maioria qualificada. Lula, por sua vez, teria de conquistar 111 votos para atingir maioria absoluta e 196 para atingir a qualificada. Com a conformação atual de seu bloco, Bolsonaro já tem os votos suficientes para barrar uma tentativa de impeachment; Lula, por sua vez, precisaria conquistar 25 votos de outro bloco para se proteger.

Por óbvio, no carpete do Congresso, os cálculos não são tão simples: uma das principais contradições da coalizão bolsonarista, na eventualidade de uma reeleição de Bolsonaro, será entre o PL do presidente e o PP do atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Aquele conquistou quase o dobro (99) das cadeiras do PP (47), o que lhe dá um peso especial na disputa para a presidência da Câmara em fevereiro de 2023. Nesta disputa, o União Brasil será chave para qualquer uma das partes – e, se por um lado ele reúne ainda deputados bolsonaristas, por outro reúne também os “traídos” pelo presidente, a começar pelo líder do partido, Luciano Bivar.

Se é verdade que a eleição da Mesa Diretora será um solavanco para Bolsonaro no caso de sua reeleição, também o é que, aconteça o que acontecer, sua relação com o Congresso continuará a ser um caminho bem pavimentado pelas negociatas. Os 63 votos necessários para a maioria absoluta poderão ser achados com facilidade entre os 156 deputados do MDB (42), PSD (42), União Brasil (59) e PSDB (13).

Já com Lula, o cenário é muito mais difícil. Os 111 votos necessários para uma maioria absoluta deverão ser encontrados entre o bloco da direita tradicional ( 156 cadeiras) ou o atual bloco de extrema-direita (194 cadeiras). Este segundo bloco, inclusive o PL de Bolsonaro, é bom que se diga, é conformado, em boa parte, pelo mais rasteiro “Centrão”, isto é, aquela tendência na Câmara que se alia ao governo de turno em troca de receber benesses. Uma outra parte é a realmente comprometida ideologicamente com o bolsonarismo.

Mesmo que um futuro governo Lula apostasse numa mobilização ativa das massas populares para pressionar a correlação na Câmara a seu favor – o que tudo tem indicado que não fará –, e mesmo que busque, como tem dito que fará, uma composição baseada nos interesses regionais e dos Estados, se imporá a Lula, caso eleito presidente, uma escolha estratégica fundamental para a Câmara: buscar aliar-se primordialmente com aquela direita que, derrubando Dilma e o pondo na prisão, abriu caminho para Bolsonaro; buscar aliar-se com o Centrão, visando separá-lo do bolsonarismo, relegando este a uma aliança contraditória com a direita tradicional; ou ainda optar pela tibieza, pela medida morna, que seria atuar nas duas áreas – e que não costuma ser bom caminho na política. De uma forma ou de outra, o que os resultados da Câmara anunciam é que um futuro governo Lula estará certamente mais à direita do que o de 2002. Mas também que um futuro governo Lula é a única opção que permitiria colocar a extrema-direita, em que pese sua força, isolada nas margens do tabuleiro de xadrez da Câmara, e não soberana em seu centro.

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